A sua criação começou em 1981, com um Ford Escort 1800 de ralis, e estreou-se não muito longe do sítio onde moro, no Rali Rota do Sol, na Marinha Grande. As coisas correram relativamente bem, com Joaquim Santos ao volante, e a dupla deu-se perfeitamente, com ele como navegador... mas também a alma do projeto. E logo rendeu frutos, quando se tornou campeão nacional em 1982, repetindo em 1983 e 84, sempre numa estrutura privada, bem organizada, contra, por exemplo, outro Joaquim, o Moutinho, que tinha um Renault 5 Turbo 2 apoiado pela estrutura da marca em Portugal.
E quem cresceu nos anos 80 - como eu - e começava a seguir competições neste país, através do então "monolito" da RTP (e de um programa chamado "Rotações") e lia jornais como o Autosport e o Volante, via e adorava ver este duelo de "Joaquins". Logo, o que aqui se escreve não tem muita lógica, mas é mais o desfilar de memórias de infância, como muitos de vocês, distantes de uma meia-idade de onde estamos agora, eu incluído.
O mais espantoso é que Joaquim Santos fez o seu melhor com um carro que começava a ficar obsoleto perante os carros do Grupo B que tinham começado a aparecer, primeiro nos ralis mundiais, depois nos nacionais, quando, por alturas de 1985, apareciam um Lancia 037 nas mãos de Carlos Bica, e havia rumores de gente com interesse em ter um Audi Quattro, por exemplo. Sabendo que não evoluir era morrer, quando soube do projeto do RS200, o Dr. Miguel Oliveira arranjou forma de ter um o mais cedo possível. Foi o primeiro carro de Grupo B puro em Portugal. E, sem nenhum de nos saber, ele tinha acabado de enterrar na terra a primeira pazada no funeral dos Grupo B.
O aviso tinha sido dado umas semanas antes, em Espinho, no Rali Sopete. O carro não andou muito e acabou numa valeta, sem poder continuar. Era uma máquina difícil de domar, mas pensavam que com o tempo lá iam. Só que o próximo rali era o de Portugal, que começava sempre com três passagens pela Serra de Sintra, cheia de gente - 500 mil pessoas era a média...
O inevitável aconteceu na segunda passagem. Três pessoas morreram, 40 ficaram feridas, a prova foi interrompida, os pilotos de fábrica resolveram boicotar o resto do rali, e o caminho ficou aberto para que Joaquim Moutinho pudesse triunfar, no seu Renault 5 Turbo2. Anos depois, num programa da BBC sobre o final dos Grupo B, ele contou - e tenho a certeza que o fez com dificuldade, porque recordar episódios dolorosos não é tarefa fácil - o relato do acidente na classificativa da Lagoa Azul, algo que nunca tinha assistido nem antes, nem depois.
O resto da temporada não foi boa, e ainda por cima, com o final do Grupo B, lá tinham de arranjar um substituto. Acabou por ser um Sierra Cosworth de Grupo A, no qual voltaram aos triunfos, é certo, mas não aos dias de gloria. A equipa encerrou as suas atividades no final de 1990, mas não sem antes ter brilhado nas estradas da nossa nação.
Para além disso, foi ele que esteve por trás de iniciativas como "Onde Está o Ás?", um Troféu monomarca, com Toyotas Startlet, e um dos que ajudou a implementar a Formula Ford em Portugal, em 1985, com a ajuda de muita gente, que convenceu Udo Kruse, o então presidente da Ford Lusitânia, a reavivar a competição mononarca que deu a conhecer gente como António Simões, Pedro Matos Chaves, Pedro Lamy, Diogo Castro Santos e Pedro Couceiro, entre outros.
O Dr. Miguel Oliveira, um senhor dos ralis e que marcou uma era do automobilismo português, morreu hoje, aos 83 anos de idade. E toda a gente deste meio sabe que agora estamos a curvar-nos em respeito a aquilo que fez e ao legado que deixou. Ars longa, vita brevis.
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