Esta foto, verdadeiramente, é marcante de várias maneiras. E aconteceu, faz 65 anos esta semana. E a história, embora já a tenha contado há algumas semanas na minha coluna no site nobres do Grid, merece um desenvolvimento especificamente para ele, para simbolizar a ocasião, em muitos aspectos.
Nos anos 50, a Venezuela entrou no mapa do automobilismo quase de rompante. O ditador do seu tempo, Marcos Perez Jimenez, reparou que, como Adolf Hilter e Benito Mussolini duas décadas antes, acolher o automóvel como bandeira de um regime coloca-o no mapa, seja a fazer estradas, seja a impulsionar a indústria local, porque em ambas as ocasiões, são uma montra. E na América do Sul, Juan Domingo Peron aproveitou muito bem, financiando as carreiras dos seus pilotos locais, o melhor deles Juan Manuel Fangio, mas outros como José Froilan Gonzalez e Onofre Marimon causaram impacto na Europa.
E em Cuba, mais a norte, Fulgêncio Batista também se tinha seduzido pela velocidade e trazia os melhores pilotos americanos e europeus para as ruas de Havana, aproveitando e passeando sorridente pelo "paddock"...
Contudo, os locais não eram enganados: Perez Jimenez era um ser desprezível, e os Grandes Prémios eram das poucas ocasiões em que poderia sair sem ser apupado. Se pisasse fora da cerca, seria implacavelmente visado. Sabia que sem uma mão de ferro, o povo o expulsaria.
Um bom exemplo tinha acontecido uns meses antes, quando Aaron Copeland, um dos mais conhecidos pianistas americanos, fez um concerto em Caracas. A peça chamava-se "Um retrato de Lincoln" e Perez Jimenez chegou em cima do tempo para assistir ao concerto. Ao saber da sua presença, a atriz Juana Sanjo recitou o discurso de Gettysburg, e quando citou a passagem "que o governo do povo, pelo povo e para o povo, jamais desapareça da face da terra", o auditório explodiu de aplausos e júbilo por minutos a fio, num sinal de desafio ao ditador.
A 25 de novembro, porém, o regime celebrava o terceiro GP da Venezuela e estava feliz por um motivo: a corrida fazia parte do Mundial de Endurance, e as grandes equipas estavam lá, especialmente Ferrari e Maserati. A Ferrari ainda lambia as feridas do que tinha acontecido nas Mille Miglia, em maio, com a morte de Alfonso de Portago e mais sete espectadores, alguns deles crianças, e a forte critica da opinião pública italiana por Enzo Ferrari atirar os seus pilotos para riscos desnecessários.
Contra eles, corriam a Maserati, que naquele ano tinha triunfado na Formula 1, graças aos talentos de Juan Manuel Fangio. E a sua vitória em Nurburgring, batendo os Ferrari de Peter Collins e Mike Hawthorn, era o símbolo de um tridente a espetar a sua lança no lombo do Cavalino Rampante e no orgulho do Commendatore. Mas se também ganhassem o Mundial de Endurance, seria ainda melhor. Mas claro, havia gato escondido com rabo de fora: a Maserati estava à beira da falência, graças à gestão de Angelo Orsi, que tinha comprado a marca dos irmãos Maserati, os fundadores.
Em caracas, os Maserati iriam ser guiados por gente como Stirling Moss, Fangio, o francês Jean Behra o sueco Jo Bonnier, bem como os americanos Harry Schell e Masten Gregory, num carro inscrito pela Temple Buell.
No dia da corrida, o tempo local não ajudava: estava quente e húmido. Nada bom para carros e pilotos que iriam encarar 101 voltas, num total de 1003 quilómetros. Os carros iriam partir ao estilo Le Mans – carros na diagonal, pilotos a correrem do outro lado da pista rumo aos seus bólidos. E na manhã da corrida... inesperadamente, Perez Jimenez quis cumprimentar os pilotos um a um. Este evento não pleaneado atrasou tudo em algum tempo e colocou toda a gente ainda mais nervosa como estava, a começar pelos organizadores.
Na partida, os Maserati ficaram parados, enquanto os Ferrari foram para a frente, mas quem liderava era o Corvette inscrito por Dick Thompson, com os Ferrari logo atrás, esperando pela sua oportunidade. Pouco depois, o Maserati da Temple Buell, guiado por Masten Gregory, passou-os a todos e ficava com a liderança. Outro 450S, guiado por Behra, era terceiro, atrás do Ferrari de Hawthorn e Collins.
Dez dias depois, a Maserati pedia falência e um administrador foi indicado para fazer o inventário e tentar viabilizar a empresa para compradores futuros. Uma das condições foi o de deixar as competições.
Ao mesmo tempo, em Caracas, os dias de Perez Jimenez estavam contados: a oposição fortalecia e as forças armadas estavam descontentes com o comportamento do ditador. Mesmo com um referendo forjado, a 15 de dezembro, para manter Perez Jimenez por mais um mandato, algumas semanas depois, a 23 de janeiro de 1958, ele foi deposto pelas suas próprias Forças Armadas, fugiu para a República Dominicana e a democracia foi reposta no país. O GP da Venezuela, que foi usado como montra do regime, não voltaria mais.
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