Mas mais do que "gadgets" - quem fala hoje em dia do fax? E o telex, alguém sabe o que foi? - os avanços na inteligência artificial são os que fazem agitar na cadeira. A ideia de ter um computador a substituir-nos é, desde há muito, causa de preocupação. Pode tirar os nossos empregos, ou pior, pode tornar-nos irrelevantes. Mas tão mau ou pior que isso, poderá colocar na boca de certas pessoas coisas que ele não disse. E num mundo onde os populistas estão numa cruzada para derrubar a democracia, isso é imensamente perigoso.
E no jornalismo, quem conhece minimamente, sabe que há dois tipos de pessoas: os que querem ser o primeiro a dar, e os que querem contar a história toda. Os primeiros, até contam com crueza e sensacionalismo, não consultando as fontes, apenas para conseguir atenção. No passado, para vender papel. Hoje, para conseguir clicks na noticia. E é como diz um ditado americano: todos os dias nasce um ingénuo.
E nessa coisa do ChatGPT, uma revista alemã decidiu fazer um exercício: entrevistar Michael Schumacher. Como sabem, desde dezembro de 2013, ele está incomunicável, por causa do seu acidente em Meribel, nos Alpes franceses. A família protege fortemente a sua privacidade, e na Alemanha, há fortes leis nesse campo - basta verem o Google Maps e verão que o país, fora das grandes cidades, é um vazio autêntico, porque até na rua, um espaço público, as pessoas defendem a sua privacidade. E na Alemanha, como no resto da Europa, há revistas do coração e jornais sensacionalistas. Não sei se o Bild continua a meter meninas em topless na primeira página, mas há uns anos, fazia isso. E era o jornal mais vendido da Europa.
Então, a história é a seguinte: a "Die Aktuelle" fex uma entrevista usando o ChatGPT, a tal ferramenta da inteligência artificial, e claro, avisando que era um tipo de entrevista. Foi para as bancas, deu sensação, e... quem não gostou nada disto? A família. Que ameaçou processar o grupo Funke, que é dona da revista. E esta decidiu que iria tomar medidas, despedindo a sua diretora, Anne Hoffmann, que mandava desde 2009.
“Este artigo enganoso e de mau gosto nunca deveria ter aparecido”, disse a diretora-gerente do grupo Funke, Bianca Pohlmann, num comunicado citado pelo jornal britânico The Guardian. “Não atende de forma alguma aos padrões de jornalismo que nós e nossos leitores esperamos de uma editora como a Funke. Como resultado da publicação deste artigo, haverá consequências imediatas para o pessoal. A editora-chefe do Die Aktuelle, Anne Hoffmann, que assumiu a responsabilidade jornalística do jornal desde 2009, será dispensada de suas funções a partir de hoje.”, termina o comunicado.
O problema disto é que, mesmo que este caso tenha tido consequências dos seus atos, só aconteceu quando o grupo tomou conta de que poderia perder dinheiro com isto. Não que era polémica ou éticamente controversa: era porque poderia perder dinheiro. E a senhora Hoffmann, que foi uma bode expiatória em todo este caso, se calhar terá uma boa indemnização e dentro de algum tempo, arranja outro lugar. E mais cedo ou mais tarde, sem colocar nada que diga "isto foi gerado por IA (inteligência artificial)", irá dar razão a aqueles que queiram controlar, censurar ou manipular a informação. Especialmente num tempo de redes sociais, onde todos acreditam no que quiser, mesmo que seja mal feita. Porque, é como dizem: "se está na Internet, é porque é verdade".
Tenho a sensação de que estamos a perder o controlo. E essa perda de controlo poderá levar-nos a uma catástrofe. Espero que não. Mas separar o trigo do joio, a verdade com a mentira ou o humano da inteligência artificial, será uma tarefa cada vez mais complicada.
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