Eis a história de um recorde de velocidade que foi "maquilhado" para vender um carro. E por causa disso, a FIA decidiu modificar um dos circuitos mais emblemáticos do automobilismo.
E começa assim:
A Welter Racing corre nas 24 Horas de 1988 com o seu modelo P88, e com a ajuda de um motor Peugeot, que tinha sido desenvolvido pela marca. Como sabiam que tinham um motor potente nas mãos - a fiabilidade é outra história... - decidiram estabelecer o "projeto 400". Qual era a ideia? Ser o primeiro carro a andar a 400 km/hora na reta das Hunaudiéres. Essa "linha direita" tinha, nesse ano, seis quilómetros de extensão, embora fizesse a meio uma curva - uma "falsa curva" porque os pilotos praticamente não levantavam o pé, confiando no downforce do carro - logo, tal objetivo poderia ser alcançado.
Com a ajuda da preparadora de carrocerias Heuliez, o carro, uma evolução do P87, fora modificada em túnel de vento para ser mais eficiente em termos aerodinâmicos, enquanto a marca de Sochaux arranjava um motor de 3 litros V6 biturbo, com uma potência de 910 cavalos.
Só foi construído um carro, e na clássica da Endurance, foi guiado por um trio francês constituído por Roger Dorchy, Claude Haldi e Jean-Daniel Raulet. E claro, numa equipa pequena como aquela, apenas iriam participar em Le Mans. Não queriam ganhar, o objetivo era outro: serem os mais velozes no lugar mais veloz do circuito. Completamente contra-natura ao espírito, não acham?
O carro andava bem na qualificação, mas conseguiram apenas o 36º lugar na grelha. E na corrida, o primeiro a andar toinha sido Roger Dorchy. E ele iria ser o primeiro a tentar.
Nascido a 15 de setembro de 1944, em La Ferté Saint-Salmson, na Seine Inferieure, começou a andar nas 24 horas de Le Mans em 1974, sempre pela WM. O seu melhor lugar foi quarto na edição de 1980, ao lado de Guy Fréquelin - cuja carreira tinha sido feita nos ralis, e mais tarde se tornou no diretor desportivo da Citroen - também num WM, e onde alcançou a velocidade de 361 quilómetros por hora durante a qualificação.
Nesse ano, Dorchy sempre andou a fundo. Tinha de ser, porque não sabiam quantas voltas tinham para alcançar esse objetivo. Para terem uma ideia, na edição anterior, o motor cedeu apos... 13 voltas. E as coisas nem começaram bem: um problema no mapeamento do motor obrigou a ficar parado por três horas e meia. Quando regressaram, sabiam que estavam no fundo da grelha, mas o objetivo continuava intacto.
No regresso, Dorchy deu umas voltas para saber se tudo estava bem, e depois, recebeu um sinal das boxes para aumentar o "boost" dos seus dois turbocompressores Garrett. E foi numa das voltas que conseguiu o objetivo: chegar aos 400 km/hora. Na realidade, conseguiu os 407 Km/hora na final das Hunaudiéres, antes de desistir na volta 57 por causa do sobreaquecimento do motor Peugeot, associado ao turbocompressor. Todo rebentado, é verdade, mas fora por uma nobre causa.
Contudo, na altura, a marca francesa estava a promover a sua berlina, o 405, e achou por bem "arredondar" o número para poder ajudar a vendê-lo. Se isso resultou em mais pessoas a irem aos concessionários e comprar um dos carros, podemos afirmar que o carro foi um dos mais populares na Europa no final dessa década. Até 1997, foram vendidos 5,1 milhões de exemplares, fora a Argentina, onde se vendeu até 2001, e o Irão, onde seus descendentes continuam a ser fabricados.
Por causa disso, a FIA decidiu agir. Em 1990, a organização colocou duas chicanes na reta, porque a organismo que regula o automobilismo afirmou que nenhuma pista poderá ter uma reta superior a dois quilómetros. É por isso que, por exemplo, em Le Castelet, a reta Mistral tem uma chicane no seu meio...
Dorchy acabou por ter uma carreira na Endurance e GT's. Correu até 2002, quando competia no campeonato francês de GT, a bordo de um Porsche 996 GT3. Morreu esta quarta-feira aos 78 anos. O carro do recorde está no museu de Le Mans, e ambos são eternos.
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