Quando soube
da noticia da morte súbita de Gil de Ferran, passava da meia noite por aqui, logo, recebi a noticia no dia 30. Não pensei que a coisa acontecia precisamente 10 anos depois do acidente de
Michael Schumacher na estância de Méribel, nos Alpes franceses, de tão concentrado que estava a escrever o obituário dele. Fiquei até às quatro da manhã, enchendo o ecrã com os posts das reações, das recordações, e dos estados de espírito, todos de estupefação e choque, todos a falarem bem do ser humano que era correto, educado e bem-humorado.
E não acabei tudo. Vencido pelo sono, fui dormir e regressei cedo ao meu computador para acabar o que tinha deixado a meio, e foi de manhã, com a cabeça fresca, lembrei-me que as circunstâncias me faiam lembrar exatamente Dennis Hulme, que com a mesma idade, competia no Bathurst 1000, num dia de chuva intensa na primavera austral quando sofreu um ataque cardíaco fatal. Para mim, esse paralelismo foi o que me lembrei nesta manhã, mas depois, ao lembrar das circunstâncias da morte do "Urso", campeão do mundo de 1967, com a Brabham, isto é completamente diferente.
Gil de Ferran era conselheiro na McLaren, na Formula 1, ao lado de Zak Brown, e de uma certa forma, é uma ironia, porque ele nunca correu na categoria máxima do automobilismo. E chances não deixaram de existir: andou no Williams FW14, como prémio por ter ganho a Formula 3 britânica, e em setembro de 1993, estava no autódromo do Estoril, porque a Footwork o chamou para testar ao lado de um fenómeno da Formula 3. Um neerlandês chamado Jos Verstappen.
Os tempos eram dois segundos superiores, e Gil de Ferran pensava numa maneira de se tentar superar, ou aproximar. Ele, que estava na Formula 3000, pela Stewart Racing, correndo contra Oliver Panis, David Coulthard, Pedro Lamy ou Max Papis, estava embrenhado nos seus pensamentos quando bateu com a cabeça na porta de uma das motorhones, acabando com um corte na cabeça, levando dois pontos e acabando o seu dia por ali. A noticia do seu acidente passou como um pormenor insólito no dia em que Ayrton Senna testava o McLaren-Lamborghini, e Alain Prost começava a testar o Williams sem as eletrónicas, um vislumbre do que seria 1994.
Anos depois, numa conversa na Motorsport britânica, contou esse episódio:
"Estava a passear entre dois camiões, pensando: 'isto não está a correr bem'. E de repente, bato na porta num dos motorhome, fez um corte na cabeça, sangue por todo o lado, acabou o dia", disse.
Mesmo assim, o seu nome foi considerado em duas ocasiões: em 1994, pela Simtek, onde foi preterido por Roland Ratzenberger; e em 1997, na Stewart, a sua equipa dos tempos da Formula 3 e Formula 3000, numa altura em que começava a ser feliz na CART, pela Hall.
Depois, claro, só voltou a interessar-se pela Formula 1 depois de pendurar o capacete. Primeiro, na BAR-Honda, entre 2005 e 2007, e depois na McLaren, duas vezes. Agora, era conselheiro, e há quem jure que ele poderá ter tido dedo na recuperação da equipa na segunda metade de 2023.
Neste sábado, no meio das imensas homenagens ao Gil,
acabei por ler uma coisa do Flávio Gomes. Não lia nada do seu blog há eras, e francamente, não quero saber das suas escolhas politicas ou da sua arrogância de "estou-me a cagar para as mesquinhezas da vida". Mas ao ler o seu post, disse algo sobre a vida que é absolutamente verdade.
"Dia desses me vi enternecido diante da banda bem pertinho no palco e pensei em tatuar 'o acaso vai me proteger', porque é só a ele, o acaso, que entrego meus dias há muito tempo. Ali bem pertinho no palco estavam uns caras mais ou menos da mesma idade que eu, que o Gil, que o Schumacher, e a vida passou voando por todos nós, ouvimos as mesmas músicas, fumamos, bebemos, namoramos, casamos, tivemos filhos, separamos, nos espantamos com a velocidade das coisas, testemunhamos mudanças no mundo que jamais imaginamos, aí o acaso levou cada um para um canto, o acaso colocou um motorista de táxi em Londres na frente de um outro piloto, o acaso abriu a porta do caminhão no Estoril, e ao seu modo o acaso foi nos protegendo até que num pequeno vacilo um caiu do esqui, o coração do outro parou de repente.
Não deixem de ver o sol se pôr sempre que possível."
Estas palavras mostram, cada vez mais, à medida que amadurecemos e envelhecemos, que a famosa frase do Albert Einstein, "Não acredito que Deus jogue aos dados com o Universo" é real. Ele joga. Só não me perguntem se está em Las Vegas ou Macau.
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