Contudo, gente como Paulo Pinheiro, confesso não conhecer. A ideia de alguém ter sonhado, desenhado, construído e gerido uma pista do principio até ao fim, como é Portimão. E quem conhece a história, sabe disso.
O projeto tem quase um quarto de século. De inicio, Paulo Pinheiro, um engenheiro de formação, parecia ter um sonho com poucas pernas para andar, apesar de Portimão estar no Algarve, a área turística por excelência, acabou por arrancar, graças a um projeto bem montado, bem feito. Porque não foi só o circuito e o kartódromo: na área de Mexilhoeira Grande, havia terreno para construir hotéis, complexos residenciais, e um parque industrial. Ao todo, custou cerca de 160 milhões de euros, e o financiamento era fundamentalmente irlandês, numa altura em que era fácil emprestar aos bancos, por causa do crédito fácil, digamos assim.
Para além disso, as facilidades do governo português de então, que o colocaram com projeto prioritário, fizeram com que, aquilo que era uma utopia se tornasse possível. E claro, a ideia de um segundo autódromo de Grau 1 da FIA em solo português começava a ser realidade. A ideia era construir uma pista para acolher a Superbike, mas as outras competições poderiam ser possíveis. Formula 1, MotoGP, etc... aliás, a ideia inicial era ser o centro dos testes de pré-temporada da Formula 1, no lugar de Barcelona.
A pista ficou pronta no outono de 2008, com a Superbike e uma demonstração de Formula 1 com o Toro Rosso de Sebastien Buemi. Mas a inauguração acontecia na pior altura possível. A bolha imobiliária explodiu, o mundo mergulhou numa enorme crise, e parecia que todo aquele projeto imobiliário se tornaria num "elefante branco". O projeto entrou em insolvência, para restruturação da dívida aos credores.
Mas o homem que sonhou e construiu a pista decidiu não desistir. Fez bem. Afinal, era o projeto da sua vida. com o passar dos anos, construiu o seu plano: conseguiu atrair as diversas marcas para fazer os seus testes, as revistas como o "Top Gear" para testar os seus supercarros - quer o Top Gear, quer o The Grand Tour fizeram muitos episódios em Portimão, e aos poucos, a máquina engrenava. O elefante branco se tornava na história de sucesso. Discreto, mas era.
E um dia, apareceu uma pandemia, que decidiu colocar tudo de pernas para o ar. Já havia a chance da MotoGP regressar ali, mas em 2020, parecia que o mundo automobilístico começou a olhar para este lugar no sul da Europa, que tinha o Grau 1 da FIA. E em julho, a noticia: a Formula 1 vinha a Portugal, 24 anos depois da última vez. Em outubro, cerca de 40 mil pessoas - não veio mais porque não deixaram - forma ver Lewis Hamilton ganhar a corrida. E alguns meses depois, regressava para mais um Grande Prémio. A moral da história é esta: com uma pandemia, e se as condições lá estão, o dinheiro é secundário.
E nessa altura, a MotoGP também corria ali, para alguns meses depois, o mesmo acontecer com o Mundial de Endurance, a entrar numa era de ouro, no inicio dos Hypercar. E nos últimos tempos, Paulo Pinheiro, ao lado de Pedro Marreiros, ajudou a montar aquilo que é o atual campeonato de Portugal de velocidade, o CPV, depois do colapso do regulamento dos TCR, no final da década passada.
Em suma, o Autódromo do Algarve é um projeto de sucesso. Discreto, mas sim: um sucesso. Como muitos em Portugal, mas este é dos maiores.
Paulo Pinheiro morreu hoje, aos 52 anos. Estava doente há algum tempo, e em coma no último mês, tempos depois de ter sofrido um colapso quando assistia à corrida da ELMS em Paul Ricard. Ficamos órfãos de alguém que teve uma visão como esta, mas fica o legado: um dos maiores complexos do seu género na Europa, e acolheu todas as grandes competições possíveis, até aqueles que julgamos impossível.
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