sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Os últimos dias da Lotus (Final)


Chegamos hoje à parte final da saga dos últimos dias de uma equipa marcante na história da Formula 1, a Lotus. De como uma das maiores, que sempre surpreendia em termos tecnológicos e aerodinâmicos, graças à genialidade do seu fundador, Colin Chapman, para uma equipa que ficou "sem chão" após a sua morte súbita, no final de 1982, onde apesar de ter tido um momento de glória a meio da década de 80, as coisas pioraram em 1990, com más escolhas, acidentes sérios e sobretudo, a perda de patrocinadores.

Na parte anterior, vimos como a Lotus conseguiu se equilibrar no meio do pelotão graças a apostas simples em termos de motores e chassis, e em talentos emergentes como Johnny Herbert e Mika Hakkinen, para no final da temporada de 1993, irem para o motor Mugen-Honda, esperando que a potência os levaria mais alto na classificação geral. Na realidade, foi o contrário, e aliado à situação financeira ainda delicada, os levou para o abismo. E mais alguns acidentes sérios, especialmente aquele que sofreu o português Pedro Lamy, em Silverstone, não os ajudaram. 

Agora, na primavera de 1994 e com o novo chassis, estão encostados à parede.



PARTE 5 – CONTAR OS TOSTÕES 


O 109 estreia-se em Barcelona, nas mãos de Herbert, e na corrida seguinte, é a vez de Alex Zanardi, que substituíra Lamy depois do seu acidente em Silverstone. Mas com o passar das semanas, vê-se que as sortes não mudam assim muito, e em paralelo, o dinheiro começa a escassear. A aposta em algumas ajudas eletrónicas como a suspensão ativa não tinha acontecido porque a FIA decidiu banir as ajudas eletrónicas no final da temporada anterior, e o pouco dinheiro que a marca tinha para pesquisa e desenvolvimento fora desperdiçada e não foi recuperada. E encontrar novos patrocinadores começava a ser complicada. 

Assim sendo, a Lotus começou a ceder o lugar a alguns pilotos pagantes. Na Bélgica e Portugal, o lugar foi cedido ao belga Philippe Addams, que tinha sido piloto na Formula 3000, sem grandes resultados. Apesar de ter cumprido, a certa altura, os carros estavam tão no fundo do pelotão que são ultrapassados pelos Simtek! Anos depois, Johnny Herbert disse que esse inesperado resultado o desmotivou. 

Ironicamente, se tivessem ficado com os Cosworth de oito cilindros, versão cliente, poderiam ter feito melhor: a Footwork-Arrows acabou por ficar com eles e tiveram uma excelente temporada, conseguindo nove pontos, graças a dois quartos lugares nas mãos de Christian Fittipaldi, e um quinto lugar no lugar de Gianni Morbidelli. E pelo meio, conseguiam performances decentes, entre os primeiros. 

Porém, quando o pelotão chega e Monza, para o GP de Itália, há um raio de esperança. A Mugen-Honda traz uma nova versão do seu motor de 10 cilindros, e quando o experimentam, num teste antes da corrida, ficam esperançados com o potencial do motor que o trazem para a o fim de semana. 

E todos ficam desconcertados: no final das qualificações, Herbert é o quarto da grelha, a meio segundo da pole-position, apenas atrás dos Ferrari de Jean Alesi e Gerhard Berger, e o Williams de Damon Hill. Alex Zanardi, o segundo piloto, é 13º na grelha, mas anda com o versão mais velha. Ele afirmou, tempos depois, que baseado nos dados da telemetria, poderia ter feito a pole-position porque estava a ser mais rápido em curva que Herbert. 


Contudo, a chance de pontuar ou algo mais... acaba na primeira chicane. Herbert larga bem e passa Hill nos primeiros metros e chega à chicane determinado a passar Berger e sair para a Curva Grande em segundo, mas atrás dele vinha o Jordan de Eddie Irvine, que naquela temporada tinha uma reputação de piloto perigoso. Na primeira corrida do ano, em Interlagos, causara uma carambola com mais três carros – o Benetton de Jos Verstappen, o McLaren de Martin Brundle e o Ligier de Eric Bernard – que causou a sua suspensão em uma corrida, agravada em mais duas depois de recurso por parte de Jordan. Não sem razão: ele quase arrancara a cabeça de Brundle!

E em Monza, a (má) reputação de Irvine apareceu. Indo atrás de Herbert, os seus travões falharam e ele embateu na traseira de Herbert, obrigando-o a fazer um pião e acabar na gravilha. A corrida é interrompida, o carro, sem grandes estragos, é levado para as boxes, mas ele tem de largar no fim da grelha, e com o velho motor. As chances de brilhar foram pelo cano abaixo. Na nova partida, Herbert correu até à volta 14, quando o seu alternador falhou. Pior ficou Zanardi, que sequer completou a primeira volta, vitima de colisão com o Footwork-Arrows de Gianni Morbidelli.

Sabendo que as chances de um milagre tinham esvaído – ao mesmo tempo que desmentia o rumor de uma possível compra por parte de Nigel Mansell, então a correr nos Estados Unidos – Peter Collins pediu proteção da equipa aos credores. Esperava ganhar algum tempo para novos compradores, como em 1990, mas as chances pareciam ser mais ténues.

Em Jerez, palco do GP de Espanha, Flávio Briatore, diretor da Benetton, decidiu comprar o contrato de Herbert e num acordo com Tom Walkinshaw, que tinha conseguido ficar com os ativos da Ligier, trocou-o com o francês Eric Bernard. O dinheiro deu para ganhar mais algum tempo, mas quando chegaram ao Japão, decidiram pedir a alguém que ajudasse a injetar dinheiro. Depois de alguns contactos, chegaram à fala com o finlandês Mika Salo. Ele disse sim, e tinha os 500 mil dólares que pediam para poder guiar na corrida nipónica. Ele trouxe-o... numa mochila do Pato Donald e o entregou na semana anterior à corrida. Esse dinheiro foi o suficiente para andar nas duas corridas finais da temporada, conseguindo um décimo lugar em Suzuka, no meio da chuva. 

No final da temporada, pela primeira vez na história, a Lotus saía sem conseguir qualquer ponto. E tinham conseguido um novo administrador: o britânico David Hunt, antigo piloto de Formula 3000 e irmão mais novo de James Hunt.

Por esta altura, Chris Murphy desenhava o projeto seguinte, que seria chamado de 112. O carro seria uma evolução do 109, e teria o motor Mugen-Honda que tinha dado nas vistas em setembro passado, em Itália. Chegou-se a pensar que poderia acolher um Cosworth semelhante ao que teria na altura os Minardi, caso não pudessem ficar com os motores japoneses, e teria como pilotos Salo e Zanardi. Os testes no inverno mostravam que tinha mais downforce que o 109 e até tinha passado os crash-tests da FIA. Contudo,  com o passar das semanas, as chances de arranjar dinheiro eram cada vez mais remotas e no inicio de janeiro de 1995, David Hunt decidiu que iria retirar a sua equipa e fundir com a Pacific, a equipa de Keith Wiggins, que curiosamente, tinha feito um chassis razoável, mas não tinha fundos para continuar nessa temporada.

Apesar de haver o símbolo, toda a gente sabia que aquilo era outra coisa e a equipa que existia desde 1958 e com um enorme palmarés, tinha abandonado de forma definitiva as pistas.



CONCLUSÃO


Apesar de, em 2010, a Formula 1 ter recebido duas (!) equipas Lotus, uma fundada por Tony Fernandes, com a participação da Proton, que detinha a marca para a sua divisão automóvel, e uma Team Lotus, gerida por Gerard Lopez e montada depois de terem sido comprados os bens da Renault, e continuou até 2012, com Kimi Raikkonen e uma vitória, muitos afirmam que esses não são, de forma alguma herdeiros da equipa fundada por Chapman, mas sim gente que aproveitou uma marca que chamaria a atenção de milhões de fãs órfãos da marca desde 1994, e que claro, atrairia dinheiro para marca. Hoje em dia, dessas “Lotus” de 2010, uma virou Caterham e não existe mais, e a outra é a atual Alpine. 

A Lotus marcou uma época. Muitas inovações aerodinâmicas se devem ao génio de Chapman, que era tanto de genial como de diabólico, que namorou com o perigo, como um viciado em adrenalina que era. Contudo, o seu súbito desaparecimento coincidiu com aquilo que poderia ter sido a sua queda do pedestal, e se tivesse sobrevivido, acabaria, inevitavelmente, numa prisão, a pagar pelos crimes de DeLorean, e se calhar, a sua amada equipa teria sido vendida, e não teria escapado ao destino que veio a ter. 

Contudo, a parte final foi uma questão de más apostas. Depois de 1990, procuraram por soluções simples que o colocaram onde queriam, no meio da tabela. A troca para os Mugen-Honda foi-lhes fatal. Um carro potente, mas pesado, não era a melhor escolha, e os eventos de Monza mais parecem a face do desespero que um golpe de sorte. Caso tivessem ficado com os Ford HB, que tiveram em 1992 e 93, teriam pontuado e mantido nos dez primeiros da geral, e se calhar, teriam ganho mais algumas temporadas de existência, até ser resgatado por mãos capazes e aproveitado um nome mítico na história da Formula 1. Muito provavelmente, poderia estar no atual pelotão, e se sim, seria a segunda equipa mais antiga, atrás da Ferrari, e a mais antiga da Grã-Bretanha. Quem sabe, não seria a equipa que Lawerence Stroll teria cuidado por estes dias, em vez da Aston Martin...        

Mas também existe uma outra certeza: caso em 1993 existissem os dinheiros que flutuam hoje e a proteção de entidades como a Liberty Media, com coisas como o teto orçamental, equipas como a Lotus, Arrows, Tyrrell ou Ligier estariam protegidos e existiriam, exalando prestigio a uma competição cada vez mais rica. No final, como foi dito acima, foi uma questão de más escolhas, nas alturas erradas. Agora, ficam as memórias, e claro, o nome continua no capitulo automóvel, pois a Lotus pertence à chinesa Geely, e como a industria automóvel, está a viver a sua transição eletrificada, fazendo não só supercarros, como também SUV 's de alto desempenho.

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