quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Os últimos dias da Lotus (Parte 3)


Neste mês de setembro, passam-se 30 anos sobre o fim da Lotus na Formula 1, depois de terem declarado a falência após o GP de Itália daquele ano. Apesar de terem sobrevivido até ao final dessa temporada, em janeiro de 1995, os possíveis salvadores não apareceram e ao final de 38 anos, a equipa fechou as portas, deixando para trás um palmarés de sete títulos mundiais de pilotos e outros tantos de Construtores.

E claro, o legado de ser um dos construtores mais marcantes do automobilismo, especialmente em coisas como o chassis monocoque, com o modelo 25, o primeiro a acolher os Cosworth, através do modelo 49, e depois, o primeiro carro com apêndices aerodinâmicos, e a partir de 1977, o primeiro carro a usar o efeito-solo como forma de ganhar aderência ao solo e velocidade em curva.

Neste terceiro episodio da saga dos últimos tempos da Lotus, falo do primeiro grande tropeção que a equipa tem a partir de 1989, quando não se consegue adaptar aos novos regulamentos dos motores aspirados, com a Formula de 3.5 litros, e o fim do patrocínio da Camel os coloca entre a espada e a parede. E pelo meio, alguns sustos enormes, um deles quase fatal.  



PARTE 3 – DECISÕES ERRADAS E OS PERIGOS DA FORMULA 1


A temporada de 1989 começa com os novos regulamentos dos motores atmosféricos de 3.5 litros. Decidiu-se ir buscar motores Judd de 8 cilindros, versão cliente, enquanto o departamento de aerodinâmica era amplamente modificado para acolher Frank Dernie, vindo da Williams. Ele só chegou no final de 1988, com Mike Coulghan a fazer boa parte do trabalho. Contudo, quando o carro foi para a pista, e com os primeiros testes, com a mesma dupla de 1988 – o brasileiro Nelson Piquet e o japonês Satoru Nakajima – o carro não era muito eficaz em termos aerodinâmicos, e no campo dos motores, este era 60 cavalos menos potente que os Hondas que os McLaren tinham. E os pneus, da Goodyear, não eram assim tão eficientes. 

Em resumo, a temporada foi pior que a anterior, sem pódios e 15 pontos, com Nakajima a conseguir uma volta mais rápida, no chuvoso GP da Austrália, em Adelaide. Contudo, meses antes, em agosto, na Bélgica, a equipa chegou a uma humilhação, ao não colocar nenhum dos seus carros na grelha de partida, algo que nunca tinha acontecido na história da marca. Os sinais de alarme começavam a ser tocados. 


No final da temporada, a família Chapman tomou algumas decisões: pediu a demissão de Peter Warr e de Fred Bushell – por causa do caso DeLorean – e no seu lugar veio Tony Rudd, antigo projetista, que ajudou Chapman a desenhar alguns dos carros mais icónicos, como o 49 e o 72. Para a temporada de 1990, mantiveram o patrocinador, e o chassis 102 teria a potência do motor Lamborghini de 12 cilindros. E a dupla seria totalmente nova: os britânicos Derek Warwick, que tinha da Arrows, e a jovem esperança Martin Donnelly, que tinha dado de si na Formula 3000.

Continuando a ser desenhado por Dernie e Coulghan, eles tinham um desafio: colocar o enorme motor americano-italiano de 12 cilindros dentro daquele carro. Teria de estar colocado num baixo centro de gravidade, teria de ter depósitos de combustível maiores, e para piorar as coisas, o carro tinha de ser um pouco maior para acomodar os pilotos, mais altos que a dupla anterior. Apesar de tudo, existia confiança: Rupert  Mainwarring, um dos diretores, disse antes da temporada que esperava conseguir “40 pontos, pelo menos”. Na realidade, conseguiram... três. O pior resultado da equipa desde 1958.

O carro foi um desastre. Ao longo da temporada, sofreram com as quebras do carro, o seu excesso de peso e a pouca potência em relação aos carros da frente. Um quinto lugar na Hungria, através de Warwick, foi o melhor resultado da temporada. E para piorar as coisas, em um mês, os seus pilotos sofreram na pele os perigos de correr pela Lotus. 

No inicio de setembro de 1990, em Monza, palco do GP de Itália, Warwick partia de décimo na grelha para no final da primeira volta, bater fortemente no guard-rail na entrada da meta. O carro arrastou-se por algumas dezenas de metros, ficando virado ao contrário, para o piloto sair do carro e correr rapidamente às boxes para entrar no carro de reserva. Anos depois, Warwick contou sobre o 102-Lamborghini que “nunca gostei daquele carro, sempre que entrava nele, tinha medo”. Quando ao motor, disse que “era mais barulho que potência”. 


Mas o pior aconteceu três semanas depois, na qualificação de sexta-feira para o GP de Espanha, em Jerez de la Frontera. A mais de 280 km/hora, o carro de Martin Donnelly perdeu o controlo, batendo fortemente e de frente com o guard-rail na curva Ferrari. O chassis desintegrou-se de frente, e o corpo desamparado de Donnelly foi projetado para o meio da pista. Miraculosamente, estava vivo, mas muito ferido. Levado para o hospital, Donnelly acabou por sofrer uma longa reabilitação e não mais voltou a correr na Formula 1. 

Johnny Herbert ficou com o lugar de Donnely nas últimas corridas do ano, mas no final da temporada, eles perdiam o patrocínio da Camel, e não tinham dinheiro. E situação estava no limite, e a sua sobrevivência estava em jogo. A própria familia Chapman recomendou que a Lotus acabasse ali, mas em dezembro de 1990, surgiram dois salvadores: Peter Collins e Peter Wright, que liderawam um consórcio que injetaria dinheiro e cuidava dos destinos da equipa. O primeiro tinha sido dirigente, o segundo, projetista, que tinha ajudado a desenhar os modelos 78 e 79, de efeito-solo, mais de uma década antes. 


Com a equipa em reorganização, decidiu-se no inicio de 1991 que iriam reutilizar o chassis 102, com motor Judd cliente, e uma dupla de pilotos nova. Ambos tinham esperanças num jovem e talentoso finlandês, campeão de Formula 3 no ano anterior: Mika Hakkinen. Ao seu lado, o lugar estaria “à venda”, para quem tivesse dinheiro para preencher o lugar. No inicio do ano, o lugar pertenceu ao britânico Julian Bailey. Conseguiram um pequeno milagre, ao conseguir três pontos em San Marino, dois para Hakkinen e um para Bailey, os únicos do ano. Mas apesar disso, houve uns sustos: durante a primeira corrida do ano, em Phoenix, o volante de Hakkinen soltou-se... em plena reta da meta!

A meio do ano, Bailey foi substituído por Johhny Herbert, que corria ao mesmo tempo na Formula 3000 japonesa e nas 24 Horas de Le Mans, com a Mazda – onde triunfou! – e quando os compromissos colidiam, para o seu lugar ia o alemão Michael Bartels. Isso aconteceu em quatro corridas, e nunca se qualificou.

A meio do ano, surgiu a chance de um acordo de motores com a japonesa Isuzu. Tinham um motor de 12 cilindros, que aparentemente, teria 750 cavalos de potência, mas era lento, e Collins decidiu que o melhor seria não arriscar. Para 1992, o melhor seria um Ford de 8 cilindros. Também por essa altura foi contratado Chris Murphy, vindo da Leyton House, que tinha um objetivo em mente: desenhar o sucessor de um carro com duas temporadas em cima dos ombros. 

(continua amanhã)

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