Agora que andamos num "hype" sobre o filme da Formula 1, Hollywood e mais alguns lados deveria começar a pesquisar a sério sobre as suas personagens. Se aplicarem a sério, creio que encontrarão rapidamente algumas dezenas de personagens que merecem uma série no Netflix, caso não caibam - ou não tenham orçamento para tal. Um deles tem de ser David Purley.
Nasceu num berço próspero a 26 de janeiro de 1945, em Bognor Regis, o seu pai tinha fundado a LEC Refrigeration, a primeira marca de frigorificos do Reino Unido, prosperando fortemente com o produto. Quando acabou os estudos, foi para o Exército, mais concretamente no Parachute Regiment. Treinado para ser oficial, o seu paraquedas não abriu num exercício, enquanto estava em formação. Ele afirmou que "perdeu um das suas nove vidas" no excercicio, e só se salvou quando acabou por aterrar em cima do paraquedas do seu sargento. Felizmente, não ficou muito ferido.
Depois de prestar serviço em Aden, decidiu abandonar a sua comissão para procurar algo mais interessante. Descobriu o automobilismo.
É preciso que se diga por aqui que Purley era alguém que hoje em dia seria considerado como um "viciado em adrenalina", pois mais que adorar o automobilismo, gostava sobretudo da excitação que andar no limite lhe dava. E começou no final da década, guiando em AC Cobra nos vários "club races" no Reino Unido, até que em 1970, ter ido para a Formula 3, onde o seu grande feito foi de ter ganho no temível circuito de Chimay, na Bélgica, entre 1970 e 72. Esse circuito era um de estrada, semelhante ao de Spa-Francochamps, mas ali, os carros passavam no meio da cidade!
Em 1972, era piloto de Formula 2, onde conseguiu um terceiro lugar na corrida de Pau, em França, a bordo de um March 722. E no final da temporada, teve a sua primeira chance de guiar um Formula 1, Quando soube que a Connew procurava um piloto para participar na Victory Race, a corrida de final de temporada em Brands Hatch, ele se inscreveu, e pediu a eles um dispositivo elétrico de ignição agarrado ao volante, pois seria mais prático para ele. Eles fizeram isso, mas o dispositivo avariou quando estava na volta de aquecimento, e a corrida ficou por ali.
Em 1973, decidiu comprar um March com o dinheiro da família - logo, aplicou as cores da LEC - e alinhou no GP do Mónaco, sem acabar. Curiosamente, nessa mesma corrida, estreava-se outro March, o de James Hunt, inscrito pela Hesketh. Alinhou em Silverstone, onde foi uma das vítimas da carambola da primeira volta causada pelo McLaren de Jody Scheckter.
Contudo, foi na sua terceira corrida da sua carreira, em Zandvoort, que entrou na história. Pelas piores razões.
Na sétima volta do Grande Prémio, Purley, que largara de 21º, ganhava posições quando viu o carro que ia na sua frente perder o controle, por causa de um pneu furado, embater no guard-rail e arrastar-se por algumas dezenas de metros até parar na berma, ao contrário e em chamas. Era o outro March do seu compatriota Roger Williamson, que era o piloto oficial da marca e participava no seu segundo Grande Prémio na categoria.
Parando na berma, Purley foi a correr para o lugar e tentou empurrar o chassis para cima, no sentido de o poder retirar, pois estava preso. Contudo, estava a fazer sozinho, porque estava protegido contra o fogo. Os bombeiros e policias estavam mal protegidos, e a corrida sequer foi interrompida - mais tarde, os comissários afirmaram que se tinham equivocado quando viram Purley a empurrar, julgando que o carro fosse dele. Williamson morreu sufocado, perante as câmaras de televisão, que transmitiam a corrida para o resto do mundo.
No dia seguinte, Purley aparecia nos jornais e nas televisões como um herói, apesar de não ter conseguido salvar Williamson. No final do ano, o governo britânico resolveu condecorar Purley com a George Medal, a segunda mais importante condecoração por atos de coragem, da mesma maneira como, alguns meses antes, Mike Hailwood conseguiu salvar Clay Regazzoni das chamas, durante o GP da África do Sul, em Kyalami.
Ele regressou à Formula 2, em 1974, correndo pela Chevron, conseguindo dois segundos lugares, acabando com 13 pontos e o quinto lugar no campeonato. No ano seguinte, fez o campeonato britânico de Formula 5000, com duas vitórias, e o quinto lugar 98 pontos. E em 1976, torna-se no campeão da Shellsport Series, con seis vitórias.
Concluído o campeonato, Purley decidiu regressar à Formula 1, montando a sua própria equipa. A LEC Refrigferation Racing, era um carro desenhado por Mike Pilbeam, ex-BRM, e gerido por Mike Earle, que mais tarde se tornou do fundador e dono da Onyx, estreou-se em Jarama, não se qualificando. Mas pouco tempo depois, no GP da Bélgica, Purley aproveitou bem a mudança do tempo para andar, a certa altura, no terceiro posto. Com a chuva a parar e o asfalto a secar, ele começou a ser apanhado por outros carros, até à altura em que foi apanhado pelo Ferrari de Niki Lauda. Ao vê-lo, decidiu dificultar a sua vida. E no final da corrida, um Lauda enfurecido, disse das boas a Purley, que respondeu-lo, chamado-o de "Rato", e respondeu a ele, apelidando-lo de "Coelho". Claro, Purley agarrou fortemente a ideia e colocou a silhueta do coelho no seu carro na corrida seguinte.
Em julho de 1977, aconteceu o GP da Grã-Bretanha, em Silverstone. Como estavam 31 carrios inscritos, a organização decidiu fazer uma pré-qualificação, com 14 carros, dos quais os cinco melhores passariam. Entre os pilotos, estavam dois estreantes, Gilles Villeneuve, num McLaren, e Patrick Tambay, num Ensign. E claro, Purley, no seu LEC. Um segundo separava os nove primeiros, e Purley estava no fundo dessa tabela. E foi quando tentava melhorar o seu tempo, durante a segunda parte da sessão quando perdeu o controlo do seu carro, por causa de um acelerador preso. Bateu forte no muro, e sofreu uma desaceleração de 179,8 G's. Levado para o hospital, ficou internado durante alguns meses para curar das fraturas, e sobreviveu. A desaceleração o colocou no livro dos recordes do Guiness, como a pessoa que sobreviveu à desaceleração mais violenta de sempre.
Purley ficou com uma perna mais curta do acidente, e foi operado na Bélgica para voltar a ter as pernas com comprimento idêntico. Regressou ao automobilismo em 1979, no seu LEC reconstruído, mas competiu na Formula Aurora, uma competição que acolhia chassis antigos de Formula 1. No final dessa temporada, decidiu abandonar o automobilismo, e virou-se para a acrobacia aérea.
A 2 de julho de 1985, quando viajava ao largo de Bognor Regis, sua terra natal, a bordo de um Pitts Special, um biplano acrobático, exagerou numa das manobras e bateu forte na água, matando-o de imediato. Tinha 40 anos de idade, e viveu a vida pela adrenalina.
No lugar onde ante se situava a fábrica da LEC, está uma estátua a homenagear Purley e os seus feitos.
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