O tempo voa, e quando damos por ela, já passaram quatro anos. Naquele Domingo à noite, não assisti ao jogo, por ser transmitido num canal codificado. Ouvi o relato na rádio, mas desliguei-o antes do golo do Benfica. Nem me recordava que aos 60 minutos, o treinador Jose Antonio Camacho metia Miklos Fehér no campo, em substituição de João Pereira, hoje a jogar no Sp. Braga. E que perto do fim, ajudou Fernando Aguiar marcou o golo da vitória.
Não vi nada disso. Estava no meu quarto, a ver um documentário do Discovery Channel sobre Nova Iorque. Fiu acordado para a realidade quando começo a ser bombardeado com SMS a dizer: "O que é que se passa com o Fehér?". Quando recebei a terceira ou quarta mensagem a perguntar a mesma coisa, foi quando saí do torpor.
Voltei a ligar o rádio, e a ouvir o desespero que tu entendias entre linhas, dos comentadores de serviço, que viram-no a cair. Eles e os 17 mil que lá estavam no estádio, desafiando a chuva e o frio, naquele 25 de Janeiro de 2004, no Estádio D. Afono Henriques, em Guimarães. Depois, as TV's que decidiram colocar, repetidamente até quase à nausea, os momentos entre a amostragem do cartão amarelo e ele a cair no chão, inanimado e provavelmente já morto.
Conseguiram revivê-lo momentaneamente, e levaram-no para o hospital da cidade, ali quase ao lado. À medida que os minutos passavam, era um país em espanto que ficava em suspenso: vive ou morre? Por volta das 10 e meia da noite, sentia que as coisas tinham levado a pior. Mandei um SMS com esses receios, e os que responderam alinhavam pelo mesmo. A confirmação da sua morte só aconteceu à meia-noite.
E de repente, o país desportivo esqueceu-se das suas quase estupidas rivalidades para se unir na dor de um jovem jogador, ainda por cima estrangeiro, como se fosse um deles. Isso espantou os próprios hungaros, que testemunhei numa conversa que tive com um deles, cerca de dois anos depois: ele me dizia que se ele jogasse num clube alemão, não teria visto nem um décimo do que nós fizemos... talvez por isso que haja agora muitos adeptos do Benfica na Hungria.
Eu vi um país em pranto. Vi filas de gente no Estádio da Luz, e coroas de flores a tapar o chão, onde estava o caixão. Vi jogadores unidos em pranto. Vi TV's a acompanharem o carro funerário que o levava de Guimarães para Lisboa. E os jogadores a chorar em unissono à volta do caixão. José Mourinho e Reinaldo Teles no Estádio da Luz a depositar uma coroa de flores. Uma loucura, no ano em que iriamos receber as selecções europeias...
Cheguei a ouvir portistas(!) a criticar Pinto da Costa pelo facto de não ter aberto a boca a lamentar a morte dele, pois ele foi um ex-jogador do F.C. Porto, que saiu de lá por divergências com o empresário que o representava. Mas também, desportivamente jogando, nunca "pegou de estaca" nem no Porto, nem no Benfica. E nesses dias, estava a ser negociado o seu empréstimo ao Marítimo...
E também cheguei a ouvir esta "estória": o realizador que estava a filmar esse jogo tinha gravado a queda de Fehér de frante (nós o vimos a cair de costas) e que tinha recebido ofertas milionárias (para cima de 50 mil euros) de TV's e jornais sensacionalistas para comprar a fita, para poderem ganhar "prime time" nos Telejornais e primeiras páginas nos seus pasquins. Ele simplesmente recusou o dinheiro e destruiu a fita. Ainda bem, poupou-nos a mais sofrimento.
Hoje passam-se quatro anos. Até aquele dia, o 25 de Janeiro era a data de aniversário de Eusébio da Silva Ferreira, o maior futebolista português de todos os tempos. Agora... o Benfica retirou para sempre a camisola 29, continuamos a falar de Fehér, mas não é Miklos, é Orsi, uma modelo famosa. Por uma incrível coincidência, amanhã joga-se um Guimarães-Benfica. O homem que queria Fehér no Marítimo, Manuel Cajuda, treina o Guimarães. O treinador do Benfica, que disse ao jornal Marca que aquele tinha sido um dos momentos mais tristes e impotentes da sua vida, está de volta: José António Camacho. Outra coincidência: O F.C. Porto prepara-se, tal como há quatro anos, para ganhar o título com grande avanço.
Coincidências a mais, não é? Espero que fiquem por aqui. Mas tenho de confessar isto: por muitos anos que viva, não vou conseguir esquecer aquele 25 de Janeiro, às nove e meia da noite...
Já comentei sobre o I still remember... De uma olhadinha...
ResponderEliminarMuito bom o texto...
Me lembro demais da morte do Feher. Meu pai assistia ao jogo através da RTP Internacional... O tempo voa!
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