sábado, 3 de maio de 2008

A vida de Gilles Villeneuve - 2ª parte, Formula Atlantic

Depois de virmos o jovem canadiano numa situação precária, a segunda parte da extraordinária vida e eventos do canadiano Gilles Villeneuve, contada por um senhor que se identifica pelo apelido Villickx, vai abordar os seus anos de Formula Atlantic, 1975 e 76, onde das adversidades se tornaram forças, e assim escalou mais um degrau a caminho da Formula 1.

Assim sendo, dou a palavra a quem conta a história. Eu só emprestei o espaço.

GILLES, o meu tributo. - 2ª Parte (1975 e 76)


(continuação do capitulo anterior)

Assim, no final de 1974, Gilles, com 24 anos, tinha terminado a sua primeira temporada na Formula Atlantic sem ter alcançado nenhum grande sucesso. Além disso tinha se magoado seriamente num acidente e estava falido e sem carro para competir no ano seguinte. Eram razões muito poderosas para que qualquer um desistisse imediatamente deste caminho pois fora isso existia ainda a responsabilidade acrescida de ser o Pai e responsável de dois filhos menores que nem sequer tinham uma casa para viver. Contudo, Gilles não era assim e só parava quando não conseguia andar, a sua autoconfiança era ilimitada, como mais tarde tantas vezes nos mostrou, e desistir era uma palavra que não existia no seu dicionário…como poderemos comprovar a seguir.

A situação era catastrófica e somente o snowmobile, onde Gilles era o supra sumo, lhe corria de feição e lhe dava algum suporte financeiro. A sua equipa de F.Atlantic do ano passado, Ecurie Canada, percebeu que Gilles era um diamante em bruto e convidou-o para continuar mas, como sempre, exigia “cash”, que era uma coisa que Gilles não tinha, foi escolhido o sueco Bertil Roos. Em desespero, mas convicto e obstinado “loucamente”, Gilles decidiu formar a sua equipa: a Ecurie Villeneuve.

Para tanto encomendou um March á fábrica, 2 motores e alguns jogos de pneus… safou-o o facto de os Canadianos terem fama de serem sérios e assim o equipamento foi mandado a crédito. Nunca imaginaram os fabricantes que deste lado o que havia era muitos sonhos, entusiasmo e uma séria dose de (bendita) loucura, digo eu. Mas foi ai que apareceu a “famosa” sorte que protege os audazes.

A fabricante de snowmobiles, Skyroule, por quem ele já tinha corrido e sido campeão não o largava insistindo para que ele representasse a marca nos campeonatos em que estava presente pois para fazer frente á Bombardier precisava do melhor e Gilles era-o. Aproveitando-se desta situação, Gilles jogou tudo e propôs á Skyroule a época de Formula Atlantic em troca da sua participação como piloto nas motas de neve. Era um jogo pesadíssimo pois poderia deitar tudo a perder pois caso a Skyroule não aceitasse … perdia nas duas frentes. Mas a empresa aceitou e salvou a época. Seria contudo isto o suficiente?

Gilles na equipa fazia tudo: era piloto, mecânico, engenheiro e apesar de o equipamento ter sido pago pela Skyroule não tinha nenhum dinheiro para desenvolver a equipa. Quando chegou a primeira corrida em Edmonton, Gilles constatou que a sua Ecurie não era pareo para a maioria das outras equipas que se apresentavam com mecânicos, engenheiros, carros reserva etc,etc. Gilles não tinha dinheiro nem para treinar e mesmo sendo ele o piloto talentoso que era não podia fazer milagres. Os seus rivais nessa época foram, para além do sueco Bertil Roos, o local Billy Brack, os americanos Bobby Rahal, Pryce Cobb, Elliott Forbes-Robinson, Tom Klauser e Howdy Holmes, alem do mexicano Hector Rebaque.

Na primeira corrida o March verde e branco com o patrocínio da Skyroule apesar de todo o esforço de Gilles Villeneuve não passou de um 15º lugar. Gilles achou que a sua lentidão era proveniente da falta de treino e afinação do carro e assim, e após convencer a Skyroule a gastar mais algum, que aproveitou até ao ultimo centavo para treinar, apresentou-se em Westwood, que era um circuito bem mais de pilotos que de carros, conseguindo um encorajador 8º lugar nos treinos, e após uma corrida muito esforçada, um 5º lugar final. Bertil Roos no March da Ecurie Canada, demonstrando uma inegável rapidez, ganhou estas duas primeiras corridas.

Na terceira corrida, em Gimli, (que nada mais era que um pista improvisada num aeródromo, bem ao estilo Americano), Gilles apresentou-se mais optimista pelo ultimo resultado e crente que estava a ir na direcção certa e nos treinos conseguiu um … 19º lugar. Precisava de um milagre e o milagre aconteceu sob a forma de uma chuva torrencial.

A chuva, para mim, é o que distingue em mais que tudo os pilotos pois sem dúvida, nessas circunstâncias, o que limita o andamento deles não é o equipamento que têm e sim as suas próprias capacidades. Para se ter sucesso na chuva é necessário, no mínimo, técnica e coragem e nisso Gilles não perdia para ninguém. Gilles disse que a situação em pista era “pior que um pesadelo” pois a chuva caía copiosamente e disse também “Eu nunca me esquecerei daquela corrida. Senti que me deram uma chance que nunca mais se repetiria” (e ainda me perguntam o porque de eu ter em Ickx, Villeneuve e Senna os meus ídolos).

Toda a sua escola e o seu estilo eram provenientes do snowmobile e dos seus slides gigantescos. A técnica de controlo da viatura em pisos escorregadios era obviamente dominada por Gilles na perfeição e assim, nesse dia, estava no seu elemento. Como sempre, Gilles procurou o ideal pelo excesso e assim rodou e saiu da pista duas vezes mas sempre conseguiu voltar para por fim vencer brilhantemente esta corrida que o catapultou para condições mínimas onde pelo menos poderia destacar-se.

Na corrida seguinte, em St. Jovite, de novo Gilles mostrou as suas qualidades conseguindo um 4º lugar nos treinos e um excelente 2º lugar na classificação final. Gilles era a sensação da época e isso confirmou-se na corrida mais importante da época que regularmente era realizada em Trois-Riviéres.

Era uma corrida extra-campeonato onde eram convidados algumas estrelas europeias, que se juntavam aos usuais participantes do campeonato. E nesse ano estiveram lá Jean Pierre Jarier, que corria na Shadow, Patrick Depailler, da Tyrrell, Vittorio Brambilla, da March (que tinha acabado de ganhar o G.P. da Áustria) e ainda os franceses Jean-Pierre Jaussaud e José Dolhem, que militavam na F2.

Nos treinos, Gilles conseguiu o 3º tempo atrás de Jarier e Depailler e na largada superou logo Depailler para dar grande luta a Jarier. Gilles era mais rápido mas no circuito citadino as ultrapassagens eram difíceis e os seus travões não resistiram sendo que o levaram ao abandono. Gilles dormia em paz, pois quando as condições igualaram o equipamento tinha batido tudo e todos e também se tinha batido com os “Deuses” europeus e … não tinha feito nada feio.

No snowmobile, esta foi a sua grande época pois como piloto oficial da Skyroule participou em 36 corridas tendo desistido por razões mecânicas por três vezes, ficou em 2º uma vez e ganhou 32 corridas! Durante o GP dos EUA e após intensas negociações com varias equipas, Gilles assinou para 76 com a Ecurie Canada para ser o seu único piloto (exigência sua). Tinha acabado o amadorismo.

Foi determinante para a escolha de Gilles a participação na equipa do Eng.º inglês Ray Wardell, cujo curriculum incluía vários anos na F1 na equipa March e trabalhos conjuntos com pilotos da categoria de Niki Lauda e Ronnie Peterson.

Comparando com os outros dois, Wardell afirmou: “De todos os meus pilotos, Peterson e Lauda incluídos, Gilles era o melhor de longe. Ronnie era pura habilidade e nenhum entendimento técnico da situação. Lauda tinha um entendimento perfeito das questões técnicas e era um perfeccionista que controlava tudo em grande detalhe. A melhor combinação era Gilles. Ele tinha uma excelente compreensão do carro, talvez não ao nível de Lauda, mas ele certamente tinha a habilidade de Ronnie e garantia-me 100% de agressividade de cada vez que competia”.

Note-se que Ronnie Peterson era o piloto que Gilles mais admirava desde que o tinha visto em acção no GP do Canada de 71 em Mosport. O estilo generoso de Peterson que atacava as curvas em slide controlado, quase ao estilo dos Rallys, tinha tudo a ver com o estilo Villeneuve e as suas técnicas de condução na neve e assim, estas palavras de Wardell, explicam e significam muito.

Este ano de 1976 foi o ano de consagração para Gilles, pois ganhou praticamente tudo o que havia para ganhar. Das 10 corridas que compunham os dois campeonatos de F. Atlantic no Canada (Player´s Challenge Series) e nos EUA (IMSA séries), Gilles ganhou 9, fez 9 Pole Positions e 6 voltas mais rápidas. Foi campeão das duas séries com um total de 200 pontos tendo o segundo classificado, Bertil Roos, obtido apenas 72.

O nome de Gilles corria solto no meio automobilístico mundial e um “espertalhaço” chefe de uma equipa de F2, que daria muito que falar no futuro, e que dava pelo nome de Ron Dennis, convidou Gilles para competir na sua equipa no célebre GP de Formula 2 em Pau, nos Pirinéus Franceses. Com Wardell a tiracolo, Gilles apresentou-se para se medir com as estrelas europeias no ambiente deles … Jacques Lafitte, René Arnoux, Eddie Cheever e Patrick Tambay eram alguns deles. Gilles não fez feio apesar de nunca ter corrido num Formula 2 e logo de chapa ter levado com Pau. Fez 10º nos treinos e na corrida já estava em 6º quando o sobreaquecimento do motor o levou ao abandono. Ganhou Arnoux e Lafitte fez a volta mais rápida.

A revanche seria em Trois-Riviéres … um pouco mais á frente … e que para nós é já agora. O meeting de Trois-Riviéres era a cereja em cima do bolo nos campeonatos Americano e Canadiano de Formula Atlantic. Nesse ano os organizadores não se pouparam e convidaram nem mais, nem menos, que o britânico James Hunt, que estava a somente 4 corridas de se consagrar campeão do mundo de F1. Além dele, vieram também Parick Depailler, Patrick Tambay, Alan Jones e Vittorio Brambilla, que se juntaram ás estrelas locais Rahal, Roos e Villeneuve. Hunt seria companheiro de equipa de Depailler e de Villeneuve na Ecurie Canada e os três disporiam exactamente do mesmo equipamento.

A grande história está nos treinos pois Gilles empenhadíssimo como estava tudo fez para obter a "Pole-position" e usou e abusou do seu estilo de procurar o limite pelo excesso e assim sendo não foram poucos os piões que efectuou em busca da melhor velocidade naquelas trajectórias que só ele conhecia. Hunt, estupefacto com os tempos obtidos pelo minúsculo Canadiano, só já pedia que lhe pusessem as mesmas afinações no seu carro. Era inútil, ele soube nesse dia o que era enfrentar o melhor piloto do mundo num carro igual ao seu.

Gilles fez a pole e ganhou brilhantemente a corrida á frente de Alan Jones. No dia seguinte, Gilles Villeneuve fez o cabeçalho da imprensa especializada mundial com a sua performance e Hunt, como verdadeiro homem que era, quando regressou a Inglaterra teceu enormes elogios a Gilles e reconheceu a sua derrota. Fez mais: recomendou a sua contratação imediata a Teddy Mayer, patrão da Mclaren e a John Hogan, Director da Marlboro Sports. Gilles Villeneuve era agora um nome que corria em velocidade e “Kurwas” alucinantes os “corredores” da F1 e eram várias as equipas que queriam que ele corresse por eles...

(amanhã, a terceira parte!)

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