domingo, 3 de janeiro de 2010

O piloto do dia - Jacky Ickx (3ª parte)

(continuação do capítulo anterior)

O ano de 1973 iria ser para Jacky Ickx um dos mais custosos para ele e para a Ferrari. O modelo 312B2 já estava ultrapassado por outros modelos como o Tyrrell 006, o Lotus 72 ou o mais recente McLaren M23. E o seu sucessor, o 312B3 “Spazzaneve” foi um autêntico fracasso, fazendo com que a Scuderia caísse posições na grelha. Ickx chegou a largar do 19º posto no GP da Grã-Bretanha, dada a pouca competitividade do carro. Para piorar as coisas, a Ferrari decidiu saltar algumas corridas, em ordem de melhorar as performances do seu modelo.


Só que uma das corridas que decidiram saltar foi Nurburgring, o seu circuito favorito. Para o belga, foi demais e pediu para ser dispensado de correr pela marca. Ofereceu-se para o terceiro carro da McLaren nessa prova, e terminou na terceira posição, mesmo atrás da dupla Jackie Stewart - Francois Cevért, nos Tyrrell dominadores nesse ano no Nordschleiffe. Ickx regressou à Ferrari para correr em Monza, mas seria a ultima prova ao serviço da casa de Maranello. Ainda correu em Watkins Glen, num Iso-Marlboro, uma equipa dirigida por Frank Williams, terminando a temporada na nona posição, com 12 pontos.


Em termos de Endurance, as coisas correram um pouco melhor. Venceu os 1000 km de Monza e de Nurburgring, com Brian Redman a seu lado, mas estas foram as únicas vitórias do piloto belga naquele ano horrível para ele na competição.


Em 1974, Ickx segue para a Lotus, para substituir Emerson Fittipaldi, que seguira caminho para a McLaren. Ickx iria guiar o modelo 72 da Lotus, mas os dias de glória do modelo já tinham passado, e em muitas ocasiões, era batido pelo seu companheiro de equipa, o sueco Ronnie Peterson. Nesse ano, ambos estrearam o modelo 76, cujo objectivo era de ser um bom substituto para o 72, mas era um carro complicado de guiar. Ickx nunca terminou qualquer corrida com este modelo, e o máximo que conseguiu foram dois pódios, no Brasil e na Grã-Bretanha, no circuito de Brands Hatch. O mesmo palco onde alguns meses antes, conseguira a sua última vitória num monolugar de Formula 1.


Na Race of Champions daquele ano, debaixo de chuva, Ickx partira do 11º posto nos treinos para uma memorável condução debaixo de chuva, onde foi ultrapassando tudo e todos, até chegar ao líder Niki Lauda. Quando assim aconteceu, atacou o austríaco, a bordo do seu Ferrari, e conseguiu ultrapassá-lo… por fora, na famosa Paddock Hill Bend. Nessa altura, Lauda já guiava um modelo Ferrari 312B3 redesenhado, e desta vez… a marca de Maranello acertara! Um tremendo azar de Ickx, que tinha saido da marca na pior altura possível.


Em termos de Endurance, com a retirada de cena da Ferrari, Ickx corria em termos de “freelance”. Venceu pela terceira vez na sua carreira os 1000 km de Spa-Francochamps, num Matra-Simca 650, ao lado de Jean-Pierre Jarier, e ainda as 4 horas de Salzburgo, num BMW 3.0 CSL, ao lado de Hans-Joachim Stuck.


Em 1975, as coisas na Lotus iam de mal a pior. Somente conseguiu um segundo lugar no caótico GP de Espanha, em Montjuich, num modelo 72 nitidamente ultrapassado. Após o GP de França, Ickx abandonou a Lotus de vez e concentrou-se nas provas de Endurance. Correndo pela Alfa Romeo no Mundial, com duas subidas ao pódio, o seu momento alto foi nas 24 horas de Le Mans, ao volante de um Gulf-Mirage GR-8, tendo como parceiro Derek Bell. O seu patrão, John Wyer, planeava a sua retirada da competição, dado que já tinha 66 anos de idade, mas agora que domara o seu principal problema, a fiabilidade do motor Cosworth em baixa rotação, atacou a prova mais emblemática da Endurance com a confiança que a parceria Ickx/Bell lhe proporcionava.


Os largos favoritos para a corrida, os Gulf-Mirage tinham a oposição dos Ligier JS2, também com motores Ford Cosworth, e os Lola T380 do “gentleman-driver” inglês Alan de Cadernet. Apesar de problemas com o tubo de escape a meio da noite, causadas pelas vibrações do motor Cosworth V8, Ickx e Bell não tiveram problemas em vencer a corrida. Para Ickx, era a sua segunda vitória, e para Bell era a primeira. Mas a parceria com o piloto inglês iria ser das mais duráveis da história da Endurance, desde a segunda metade dos anos 70 até ao final da carreira de Ickx, principalmente na Porsche.


A partir de 1976, o seu interesse na Formula 1 diminuiria gradualmente. Correndo nesse ano pela Wolf-Williams, sofreria com a pouca competitividade do chassis e a desorganização que reinava na equipa. Após o GP de Inglaterra, sai da Wolf e vai para a Ensign, para substituir outro veterano e seu ex-companheiro na Ferrari, Chris Amon. A temporada termina sem conseguir pontuar, e safa-se quase miraculosamente de uma colisão a alta velocidade em Watkins Glen, onde só se magoa numa perna. Em 1977, só corre no GP do Mónaco, em substituição de Clay Regazzoni, que corria nesse fim-de-semana as 500 Milhas de Indianápolis.


Entretanto, Ickx decidira concentrar a sua carreira na Endurance, correndo na equipa oficial da Porsche, ao volante dos modelos 935 e 936. Ao lado do alemão Jochen Mass, a temporada de Ickx foi exactamente ao contrário da Formula 1: vitórias nos 1000 km de Mugello, nas Seis Horas de Vallelunga, nas Quatro Horas de Monza, nos 500 km de Imola, nas Seis horas de Dijon e nos 500 km de Dijon.


Mas o melhor aconteceu em Junho, na prova rainha da endurance, as 24 horas de Le Mans. Com o modelo 936 que se estreava nesta competição, e tendo como companheiro o holandês Gijs Van Lennep, dominaram sem problemas a corrida, dando ao belga a sua terceira vitória na competição, segunda consecutiva. No ano seguinte, repete a dose pela terceira vez consecutiva, e quarta no palmarés, no mesmo modelo Porsche 936 Turbo, com dois companheiros de corrida: o alemão Jurgen Barth e o americano Hurley Haywood. Para Ickx, a sua vitória na edição de 1977 foi a mais memorável de todas, especialmente pelas circunstâncias que a rodearam:


Comecei ao volante do Porsche 936 numero três, ao lado de Henri Pescarolo. Mas rapidamente tivemos de desistir por causa de um motor partido. O segundo Porsche, o numero quatro, teve também um problema mecânico que foi resolvido pelo pessoal da Porsche. Mas tinha sido uma reparação demorada, e quando largou, estava na 49ª posição, várias voltas atrás do líder. Qualquer esperança de uma boa classificação estava destruída, especialmente porque sabíamos que os nossos rivais, a Renault, tinha uma excelente armada e estava determinada a vencer esta prova. Escusado será dizer que a moral da equipa estava em baixo.


Então, o director da equipa obrigou-me a guiar o Porsche numero quatro, conduzidos pela dupla Barth e Haywood. Tinha chovido durante toda a noite e conduzi boa parte do tempo, até onde os regulamentos permitiam. Tinha dado o meu melhor e à medida que conduzia nos meus limites, percebi que estava num estado de graça divina. Aquela era uma noite mágica para mim, e a equipa, que de inicio estava psicologicamente devastada, começou a acreditar num milagre, especialmente quando começaram a ver a subida na classificação. Com isso, todos começaram a dar o seu melhor, e quando disse, durante um dos reabastecimentos, que iria continuar, o meu engenheiro alemão somente dizia, enquanto abanava a cabeça “Não acredito…!”


Ao alvorecer, estava completamente exausto. Tinha levado o carro até ao segundo posto, atrás do Alpine-Renault de Jean-Pierre Jabouille e de Derek Bell, e pouco depois, esse carro desistia com um motor partido. O carro acabou em mau estado, porque tinha o motor a funcionar em somente cinco cilindros. Apesar de estar nos limites, eu mesmo e o carro, tinha sido um momento fantástico.”


Nesse ano, para além das vitórias nas 6 Horas de Silverstone, Brands Hatch e Watkins Glen, todas em parceria com Jochen Mass, Ickx ainda foi fazer uma corrida extra na prova mais importante da Austrália: a Bathurst 1000. Ao volante de um Ford Falcon Cobra, ao lado do canadiano Allan Moffat, dominou a corrida, tornando-se num dos poucos estrangeiros a vencer esta lendária competição disputado à volta do traçado de Mount Panorama. Mais uma prova da sua versatilidade em competição.


Em 1978, Ickx voltaria à Formula 1 por quatro corridas, de novo ao serviço da Ensign, sem resultados de relevo. Mas o principal estava na Endurance, onde somente venceu as 6 Horas de Silversone, ao lado de Mass. No final do ano, correu uma das provas de suporte ao GP de Macau, ao volante de um Ford Escort, vencendo a corrida.


Em 1979, com 35 anos, Ickx tem uma nova oportunidade de correr na Formula 1. Depois de perder o piloto Patrick Depailler, num acidente de asa delta, Guy Ligier decidiu chamar Ickx para o substituir no resto da época, ao volante do modelo JS11, e ao lado de Jacques Laffite. Ickx consegue como melhor resultado um quinto lugar em Zandvoort, mas os seus dias de glória na Formula 1 tinham ficado para trás. Apesar de tudo, tinha conseguido três pontos nessa meia temporada. Depois da corrida de Watkins Glen, a última da temporada, fechava definitivamente o capítulo da Formula 1, depois de treze temporadas.


A sua carreira na Formula 1: 120 Grandes Prémios em treze temporadas (1967-79) oito vitórias, treze pole-positions, catorze voltas mais rápidas, 25 pódios e 181 pontos no total.


Ainda no capítulo da Endurance, nesse ano de 1979, Ickx aceitara o convite de Carl Haas para guiar um dos seus carros, um Lola-Chevrolet T333CS. A Can-am tinha sido revitalizada depois da Crise petrolífera de 1973, que levou a ser interrompida no ano seguinte, mas então tinha perdido boa parte da aura original. Ickx venceu cinco das oito provas que constituía esse campeonato, e venceu facilmente o título. Em termos de Le Mans, as coisas não correram muito bem, quando foi desclassificado por ter recebido ajuda externa no seu Porsche 936, que nesse ano guiava em conjunto com Brian Redman.

(continua amanhã)

1 comentário:

  1. Muito legal estes artigos sobre esta lenda do automobilismo mundial e o melhor com fotos de todos os carros que correu, legal mesmo. Muito Obrigado. Este era o "rei da chuva" na década de 70. Um grande piloto que ainda deu-nos sua filha como piloto. Uma realização para este gênio do volante.

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