Sempre me admirei o que passam nas mentes dos pilotos de outras eras que, passado o tempo de pilotos sem grandes ferimentos, iriam passar o resto das suas vidas. Vejo-os nas reuniões de automobilismo como Goodwood, a falar com os fãs da modalidade e jornalistas especializados, a contar estórias sobre o seu tempo e como sobreviveram aos acidentes e incidentes que tiraram a vida dos seus amigos e colegas. E de que como eram um "grupo de irmãos", que passavam juntos as alegrias e tristezas da competição, festejavam os ganhos e choravam as perdas, tudo com "fair play" e muito respeito.
Dos primeiros tempos do automobilismo, os anos 50, só resta Stirling Moss, Tony Brooks e pouco mais. Mesmo dessa era foram poucos os que viveram muito para lá desses anos. Juan Manuel Fangio, Maurice Trintignant, Froilan Gonzalez, Tony Brooks, Jack Brabham e Stirling Moss. Esta semana, quando soube do acidente doméstico de Moss, onde fracturou ambos os tornozelos e mais alguns ossos do pé depois de uma queda de três metros no fosso de um elevador, reflecti-me sobre estes "Elder Statesmen" do automobilismo, e cujos testemunhos estão quase a desaparecer.
Fangio morreu em 1995, com 84 anos cheios de vida e maravilhado por ter sobrevivido ao seu tempo. Mas nos últimos tempos da sua vida, debatia-se com uma grave crise renal que, quando no inicio de 1995, os argentinos celebravam o regresso do seu Grande Prémio, estavam preocupados por poderem ter de o cancelar, caso ele morresse nesse fim de semana... a corrida foi em Abril, Fangio morreu a 17 de Julho. Maurice Trintignant morreu em 2005, com 87 anos, e dos sobreviventes, Froilan Gonzalez vai a caminho dos 88 anos, e deve sofrer as maleitas da idade. Já Jack Brabham, cuja carreira se estendeu até 1970, tem 83 anos e há mais de três que tem de fazer diálise três vezes por semana, porque os seus rins já falham.
Se avançarmos uma década, temos como sobreviventes pilotos do calibre de Brian Redman, Jackie Stewart, Dan Gurney, Jean-Pierre Beltoise, Jacky Ickx ou Mario Andretti. E todos andam pela casa dos 70 anos, excepto Ickx, que fez 65 anos. O americano Gurney, fundador da Eagle, fará 80 anos em Abril. Ou seja: mesmo aqui, já não existe muito mais tempo para os vermos no seio do nosso convivio. E todos estes são testemunhas de um tempo onde as relações eram mais chegadas, as oficinas eram mesmo oficinas, com peças espalhadas pelo chão, com um "pitlane" estreito e até espectadores pendurados no muro das boxes, a menos de um metro de um Lotus, Brabham, McLaren ou Cooper...
A Formula 1 como conhecemos, a da grande explosão da TV, só aparece nos anos 70, inicio dos anos 80. O primeiro autódromo dito "moderno" é o de Paul Ricard, inaugurado em 1971, a tempo do GP de França: moderno, com boxes espaçosas, pitlane verdadeiro. Muitos afirmaram que era impessoal. Mal sabiam que estavam a ter uma visão do futuro...
Futuro esse que Bernie Ecclestone agarrou com as duas mãos. É certo que a sua ideia o cobriu de dinheiro, mas matou a essência da Formula 1. Por um lado é bom: não morrem pilotos há 16 anos, apesar de um susto ocasional. Mas por outros, determinou o escalar dos custos, o afastamento e alienação das pessoas, os fãs do desporto, uma cada vez maior elitização e impessoalidade nas pessoas, nos circuitos. A Formula 1 deixou de ser oficina e passou a ser um hospital: esterilizado, liofilizado. E cada vez mais caro, sinal de que o lucro está acima de tudo, incluindo da competição pura e dura. Sim, porque de outra forma, as corridas que temos no Bahrein e em Abu Dhabi carecem de outra explicação...
Estes pilotos de uma era distante são provavelmente uma das últimas ligações existentes com um certo passado. Muito mais perigoso e mortal, mas certamente mais humano. E à medida que eles mostram a sua vulnerabilidade e mortalidade, mais consciencializamos que uma parte da nossa relação de amor com o automobilismo está prestes a desvanecer. Portanto, "Carpe Diem", aproveitemos o convivio com estes campeões, antes que façam apenas parte dos livros de História.
Estes pilotos de uma era distante são provavelmente uma das últimas ligações existentes com um certo passado. Muito mais perigoso e mortal, mas certamente mais humano. E à medida que eles mostram a sua vulnerabilidade e mortalidade, mais consciencializamos que uma parte da nossa relação de amor com o automobilismo está prestes a desvanecer. Portanto, "Carpe Diem", aproveitemos o convivio com estes campeões, antes que façam apenas parte dos livros de História.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...