segunda-feira, 12 de abril de 2010

Grand Prix (segunda entrada)

(continuação do episódio anterior)

No dia seguinte, após a passagem do médico ortopedista e das enfermeiras pelo seu quarto, e enquanto não apareciam as visitas, Peter Aaron começou a reflectir sobre a sua carreira na Formula 1 e o que tinha acontecido desde que venceu o título "in extremis" em Monza, dois anos antes.

Naquela corrida, viu os seus rivais ou a baquearem, ou a pagarem o preço mais alto por puxarem os seus prórios limites, e os do carro. No pódio, tinha visto o fumo proveniente do Ferrari de Jean-Pierre Sarti, com o cadáver do seu piloto ao lado, a ser levado dali pelos socorristas. Todos naquele pódio sabiam que o sucedido a Sarti poderia ser qualquer um deles, só não sabiam era quando. Mas o que não sabiam era que isso seria somente o inicio de uma sequência infernal.

O ano de 1967 parecia ser a continuidade da luta entre a Ferrari, Jordan e Yomura. E depois de Aaron ter conseguido vencer em Kyalami, na prova seguinte, no Mónaco, assistiu-se a um duelo épico entre Stoddard e Barlini, com Aaron a assistir aos eventos à distância. Parecia que Stoddard, recuperado dos seus ferimentos, iria vencer calmamente a corrida, a bordo do seu Jordan-BRM. Mas na volta 82, em cem giros à volta do Principado, a impetuosidade de Barlini na chicane do Porto o fez perder o controle do seu Ferrari e pegar fogo. Os espectadores assistiam, horrorizados, à morte lenta da esperança italiana na Formula 1 e ao segundo acidente mortal de um piloto da Ferrari em poucos meses.

Barlini tinha chegado vivo ao hospital de Nice, na unidade de Queimados, mas nessa altura, pouco mais se podia fazer que não rezar para que não sofresse muito. Mas nem isso Barlini foi bafejado pela sorte. A sua morte foi anunciada 27 dias depois, no mesmo dia em que, nas areias de Zandvoort, se disputava o GP da Holanda. Esse anuncio ensombrou de que maneira a vitória de Stoddard e da sua nova máquina.

Por essa altura, Jeff Jordan, o velho astuto, já pensava na retirada, e queria dar as rédeas da sua equipa a alguém de sua confiança. O seu filho Bruce, recém-saído da universidade técnica de Londres, era um apaixonado pelo automobilismo desde que o seu pai competia nos Cooper 500 nas várias corridas um pouco por toda a Grã-Bretanha, e tinha uma ideia radical para a equipa: construir o seu proprio motor, como fazia a Ferrari. E vender os seus próprios carros. O seu projecto final tinha sido um "kit-car", o Mark One, e queria construi-lo para vender aos entusiastas, para comeptir nas "Club Races" de cada Domingo. E aos poucos, estava a ser um sucesso.

A nova máquina já tinha dedo do Brian, e era um salto em frente. E tinha um novo motor dentro do chassis: a Cosworth. Era o resultado de um acordo feito entre Jordan e a Ford, que lhes tinha ajudado a preparar o modelo GT40 nas suas oficinas, e implicou que eles tivessem prioridade na estreia desse novo motor, na nova era dos 3 litros. Resultado final: vitória à primeira, com o seu companheiro Bob Turner no segundo posto.

Para Aaron e a Yomura, esta era concorrência a sério. Com a Ferrari em processo de luto, e fazendo uma pausa para conseguir um novo piloto, seria uma luta a dois. A sorte é que o novo Jordan-Cosworth era pouco fiável e quando falhava, Aaron aproveitava. E com vitórias na Belgica, Grã-Bretanha e Alemanha e uma grande regularidade, o bicampeonato foi facilmente conquistado no mesmo sítio: Monza, e da mesma forma, mas... ao contrário. Stoddard, depois de um furo no inicio da corrida, fez uma recuperação notável e bateu Aaron por menos de um segundo.

Mas o segundo lugar soube a vitória, pois o título era dele. Mas nessa altura, o Jordan-Cosworth já era um carro fiável... e ganhador. Stoddard venceu as corridas americanas de Watkins Glen e da Cidade do México, solidificando o seu vice-campeonato, já que Aaron ficava sempre atrás dele, como que a controlar.

No dia de Ano Novo de 1968, Scott Stoddard vencia pela quarta vez consecutiva no Mundial de Formula 1, e era o candidato numero um ao título, já que Pete Aaron não tinha chegado ao fim, numa altura em que a equipa preparava um novo chassis e motor. Uma nova era pairava sobre a Formula 1, com novas equipas, feitas por ex-pilotos, como Bruce McLaren, antigo piloto da Cooper, que decidiu fazer o seu próprio chassis, e motor Cosworth.

Enquanto isso, Jeff e Bruce Jordan refletiram melhor e chegaram à conclusão de que correr com os Cosworth de três litros era muito melhor do construir o seu próprio motor. Para além de poupar tempo, recursos e dinheiro, os beneficios eram largamente superiores que os prejuízos.

A Yomura tentava reagir ao novo carro da Jordan, e anunciou que haveria um novo piloto ao lado de Tim Randolph, que tinha ido embora para os Estados Unidos: o francês Pierre Charles de Beaufort, 28 anos de idade, de origem aristocrata, mas com talento. A sua estreia aconteceria em Jarama, em Espanha, o mesmo local onde a Yomura iria mostrar o seu novo chassis e motor. A prova estava marcada para Maio, mas duas semanas antes... o pelotão ficaria em estado de choque.

Como de costume, os pilotos de Formula 1 faziam outras provas, e uma delas era a BOAC 500, em Brands Hatch. Era um prova de Endurance, e Scott Stoddard estava a correr com um modelo da Jordan, o J68 5.0, que não era mais do que uma evolução do Ford GT40, mas mais radical. Pete Aaron também estava lá, guiando um Chaparral 2F, com uma asa na traseira do seu carro, a convite de Jim Hall e reunido de novo com o seu ex-companheiro, Tim Randolph. A corrida não tinha história até pouco mais a meio da corrida. Scott Stoddard corria com uma jovem esperança alemã, Peter Reinhardt de seu nome, enquanto que o companheiro Bob Turner corria com um jovem britânico de 22 anos, chamado Robert Bedford.

O carro de Stoddard/Reinhardt estava na frente, seguido pelo Chaparral de Aaron/Randolph, perseguido por perto pelo segundo Jordan de Turner/Bedford. Mas a caminho da quarta hora, duas voltas depois de uma troca de Reinhardt para Stoddard, uma grande explosão foi ouvida entre a Hawthorn Bend e a Westfield Bend. Era o Jordan de Stoddard, com o piloto lá dentro. Quando os bombeiros conseguiram extinguir o fogo, nada se podia fazer para o salvar. A corrida foi interrompida e Stoddard foi declarado vencedor. A título póstumo.

Quatro dias depois, em Falkirk, o lugar onde nasceu, mais muitos dos que vieram de todos os cantos da Grã-Bretanha, assistiam em peso à passagem do seu caixão pela cidade. Com uma inédita transmissão em directo pela BBC, sinal da sua imensa popularidade nas Ilhas Britânicas. Para o velho Jordan, isso foi um golpe demasiado grande para ele. Duas semanas depois, enquanto dormia, sofre um ataque cardíaco fatal, e o seu filho, ainda não tinha completado trinta anos, via-se inesperadamente como herdeiro da equipa do seu pai. Mas como aconteceu imediatamente antes da corrida espanhola, decidiram não participar. Sem a Jordan, Aaron e Beaufort estrearam o novo carro... mas não venceram. Ambos desistiram e Bruce McLaren ficou com o troféu.

No Mónaco, a Ferrari estava de volta, com uma jovem promessa: o alemão Pieter Reinhardt. Já se sabia do seu talento, mas o Commendatore não estava muito interessado em voltar, pois estava mais concentrado na Endurance e em vencer nas 24 Horas de Le Mans. Contudo, colocou sempre um carro a andar, para mostrar o seu interesse na Formula 1. Até então, a sua máquina tinha sido pilotada por um italiano, Gianfranco Scarlatti. Mas era mais um piloto "burocrático" e não conseguiu vitórias para Modena. Sendo assim, despediu-o e contratou Reinhardt no seu lugar. E estava de olho noutro jovem piloto...

Bob Turner e Robert Bedford eram os pilotos da Jordan, e no final, Turner conseguiu a primeira vitória desde as mortes de Stoddard e Jordan. Bruce estava em lágrimas, mas a presença de espírito do quarentão Turner era o suficiente para reunir os cacos e mostrar que o conjunto que tinham era o melhor para ganhar o campeonato, já que os Yomura debatiam-se com os usuais problemas de juventude, ainda por cima com um motor mais complicado do que o habitual...

McLaren volta a vencer em Spa-Francochamps, enquanto que o recém "quarentão" Aaron finalmente dera um pontapé no azar quando venceu em Zandvoort, com Beaufort a fazer dobradinha. E as esperanças estavam altas em Rouen, palco do GP de França. Um terceiro carro estava inscrito para um veterano piloto local, Jacques Marroc, amigo e mentor pessoal de Beaufort e durante muitos anos a esperança francesa na Formula 1.

Aos 43 anos, Marroc era um piloto muito experiente. Era de Le Mans, logo tinha a melhor escolha de pilotagem à porta de casa. Tinha participado em todas as edições da 24 Horas de Le Mans desde 1950 e nas últimas três edições das 24 horas de Le Mans, tinha-as feito a bordo de um Matra, uma equipa que projectava imitar o sucesso da Ferrari nas pistas de todo o mundo, e que o resgatara de uma semi-retirada. Conhecia muito bem o circuito de Rouen e ainda por cima, era o seu centésimo Grande Prémio da sua carreira, desde o seu começo no já longinquo ano de 1956, ao volante de um Maserati 250F. Mesmo com a veterania, que compesaria o relativo desconhecimento do carro que tinha entre mãos, surpreendera muita gente ao bater os dois pilotos da Yomura e colocava o seu carro na primeira fila, ao lado do Jordan de Turner e do Ferrari de Reinhardt.

Marroc aproveitou bem a largada para liderar a corrida, mas naquele dia o asfalto estava húmido, pois tinha chovido pouco tempo antes, e a baixa temperatura, apesar de estarmos em Julho, não ajudava a secar a pista. Igorando a prudência ou confiando na sorte, Marroc tentou abrir a maior distância possivel. Contudo, no final da décima volta, acontecia o desastre. Começara no momento em que tocou na berma da Virage Samson, e o eixo traseiro ficara danificado. Contudo, aguentou o suficiente para mais meia volta. No inicio da volta onze, mais precisamente na Virage des Six Fréres, o Yomura bateu fortemente nas árvores e pegou fogo. Tal como acontecera três meses antes a Stoddard, o francês Jacques Marroc era mais uma vítima da Formula 1.

Para Izo Yomura, que tinha vindo de propósito a França para assistir à corrida, ver um dos seus pilotos morrer a bordo de uma das sua máquinas causou-lhe um profundo sentido de culpa, embora o acidente tivesse sido causado pelos excessos do piloto francês, desejoso de mostrar serviço, do que uma falha da máquina, aprefeiçoada por Aaron e Beaufort. Não retirou os seus carros logo a seguir, numa corrida ganha por Peter Reinhardt, com Turner em segundo e aaron em terceiro, mas após algum tempo de reflexão e de ter pedido desculpas públicas à familia do jovem piloto francês, decidiu que a aventura da Yomura na Formula 1 iria terminar no final do ano.

Comunicou a decisão a Pete Aaron na corrida seguinte, em Brands Hatch, palco do acidente mortal de Stoddard na prova de Sport-Protóitipos. Pete pediu a ele que reconsiderasse, pois ele tinha dado o seu melhor para afinar a máquina que tinha entre mãos. E para provar que estava enganado, começou a dar o seu melhor, batendo Turner e vencendo a corrida. O mesmo fez em Nurburgring, debaixo de chuva e nevoeiro, no "Inferno Verde", batendo Turner e McLaren. E em duas corridas, Pete Aaron relançava a sua candidatura a um terceiro título mundial.

Bruce McLaren vencia uma terceira vez em Monza, com Aaron a bater Turner pelo segundo posto, mas em Mosport, Turner reagiu e conseguiu vencer, com Pierre Beaufort a fazer o seu melhor resultado do ano, ao ser segundo classificado. Nessa corrida, estreava-se uma nova equipa: a Matra, o projecto francês que queria Jacques Marroc no seu lugar, caso o destino não tivesse sido cruel em Rouen. Para o seu lugar vinha um jovem piloto belga, Patrick Van Diemen de seu nome, que tinha prometido muito na Formula 2, especialmente nas corridas à chuva. Mas apesar de Peter Aaron somente ter conseguido um quarto lugar, isso o colocava no caminho do título, pois McLaren desistira. Quanto a Van Diemen, terminou em sexto, a duas voltas do vencedor.

E o pelotão chega a Watkins Glen. Aaron faz a pole-position e nas boxes, tenta mais uma vez persuadir Yomura a reconsiderar a sua decisão de abandonar a competição, mas o velho samurai não estava pelos ajustes: não queria continuar mais. Perferia concentrar-se na construção dos seus carros de estrada, agora que tinha a tecnologia para tal. Izo Yomura tinha como sonho construir o primeiro supercarro japonês, e de mostrar a sua marca um pouco por todo o mundo. O automobilismo tinha sido um excelente meio para divulgar os seus carros, e estes começavam a ser vendidos um pouco por todo o mundo, especialmente na Europa. Na América, mesmo com um americano bicampeão do mundo, os seus pequenos carros de 1.2 litros, e mesmo o seu desportivo de 2 litros, o Altezza, não atraiam muitos consumidores, ávidos por "muscle cars" de motor V8 como o Ford Mustang, agora o carro da moda graças ao filme "Bullit", com Michael Delaney como actor principal...

Para demonstrar que a decisão de Yomura não era a mais indicada, Aaron faz a "pole-position", à frente de Bob Turner e de Pierre de Beaufort, com Bruce McLaren e Peter Reinhardt na segunda fila, e Bob Bedford, Dan Gurney e o jovem piloto da Matra, Patrick Van Diemen. Na partida, Aaron levou a melhor e liderou durante 55 voltas, até que começou a ter um furo lento. Aaron tentou controlar o mais que podia no sentido de levar o seu carro para as boxes, mas na penultima curva, o pneu rebentou e o Yomura deu várias cambalhotas no ar, projectando Pete para o solo, quebrando a sua perna direita em três sitios e fraturando o tornozelo esquerdo. A temporada estava terminada, e para piorar as coisas, o seu rival Bob Turner era o vencedor da corrida, aproveitando também a desistência de Bruce McLaren. E agora, caso ninguém o batesse no México, o campeonato seria do britânico e da Jordan em processo de cura das feridas.

Na cama do hospital, Pete Aaron esperava que dentro de duas semanas acontecessem dois milagres: que Izo Yomura reconsiderasse a retirada, e que Bob Turner não vencesse no México.

(continua)

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