segunda-feira, 24 de maio de 2010

Grand Prix (dix-sept, arrivé a Le Mans)

(continuação do episódio anterior)

A noite chegou, e com ela aumentaram as dificuldades. Aos poucos, as mecânicas dos vários cediam, atrasando ou até parando definitivamente as máquinas em liça. Porsche e Ferrari lutavam pela liderança da corrida e a vitória numa das corridas mais longas e mais duras do mundo, e enquanto as horas se passavam, as coisas ficavam cada vez mais definidas.

Quando o dia surgiu atrás do horizonte, o Porsche de Hansi Muller e Manfred Linzmayer perdera muito tempo nas boxes devido a problemas com a pressão de óleo. Quando este começou a dar, as paragens começaram a ser frequentes, e pelas seis da manhã, o atraso já era quase irremediável. Para a marca de Estugarda, as esperanças de ver um dos seus novos modelos no lugar mais alto do pódio residiam num dos mais inesperados pilotos: o veterano Pete Aaron, que ajudado pelo irlandês John O'Hara, e com alguma sorte mecânica à mistura, estava muito perto do lider, o Ferrari oficial de Patrick Van Diemen e de Peter Reinhardt.

Aliás, muitos estavam espantados pelo facto de ao fim de quase 18 horas de corrida, ambos os carros estarem na mesma volta, e a menos de meio circuito. Quando um passava pela recta das Hunaudriéres, bastava chegar mais ou menos a meio dela para que o seu perseguidor passasse pela Tetre Rouge e iniciasse a sua passagem por aquela longa, veloz e temível reta.

À medida que os espectadores saíam das suas tendas e caravanas e preparavam-se para saber das novidades, o burburinho começava a espanhar-se sobre o duelo à distância entre duas marcas, separadas por um minuto e meio. E nenhum deles dava sinais de ceder. Nas duas horas seguintes, sobre aquele céu nublado que ameaçava chover desde a hora da partida, mas que nunca a concretizou, Pete Aaron e John O'Hara conseguiram apanhar o carro da Scuderia de Maranello e às 11 da manhã, estavam à vista um do outro. E nenhum deles dava sinais de quebrar.

Nas boxes, a ansiedade era enorme. Mesmo um veterano como Mike Weir não escondia a ansiedade do que se passava ali. Dentro de alguns minutos, o carro de John O'Hara pararia para reabastecer e trocar de piloto, com Pete Aaron a condizir o carro até ao final. Apesar de ter sido ele a arrancar, John O'Hara conduziu mais vezes com ele, especialmente no trecho noturno.


- Meu Deus, como será que isto vai acabar? afirmou Mike.
- Esperemos que acabe bem para os nossos lados, não é? respondeu Pete.
- Quem diria? Tão perto do fim e isto continua emotivo, comentou Michael.
- Das duas uma: ou um deles explode, ou só saberemos quem ganhou na bandeirada de xadrez, concluiu Sinead, olhando para o relógio. São quase 11 e meia, temos duas horas para conseguirmos o que queriamos.
- Espero que sim, afirmou Michael.


Mais atrás estava o segundo Porsche de Pierre de Beaufort e Gilles Carpentier. Com alguns pequenos problemas pelo caminho, era agora o terceiro classificado, a três voltas do duo da frente. Era um dos Porsches sobreviventes na corrida, mas o quarto classificado era um Ford GT40 privado que mesmo após quatro anos de serviços excelentemente prestados, continuava a ser uma grande máquina, especialmente na Endurance. Entre eles e o Porsche oficial de Hans Muller e Manfred Linzmayer havia mais quatro Fords GT40, o que demonstra a sua resistência.

Cerca das 12 e 45, o Ferrari e o Porsche param ao mesmo tempo na boxe. Trocam de piloto e colocam a gasolina necessária para continuar, enquanto viam por qualquer problema com desgaste dos pneus, fugas de óleo e eixos deslocados. Antes de entrar, Mike dá umas palmada das costas de Pete, que já tinha o seu capacete colocado e diz:


- Boa sorte, Pete. Leva-o até ao fim.

Quase ao mesmo tempo, o Ferrari e o Porsche saem das boxes, mas sem alterar a ordem das coisas. Ficam ambos colados, lutando volta a volta, dando o seu máximo. Se aaron estava ao volante, na Ferrari estava o alemão Reinhardt, um piloto altamente eficaz e bem veloz, apesar de ter já 29 anos de idade. Um piloto constante, não era um piloto que cometia erros não mecânicos. Aguentava bem a pressão e sabia defender-se dos ataques de alguém já experimentado como Pete.

- Como é que isto vai acabar? perguntou John, já refeito do seu turno de condução.
- Boa pergunta, ao qual receio não ter nem a resposta, nem adivinhar o seu desfecho, caro amigo. Só sei que ambos são capazes, respondeu Mike, pragmático.


Sem perder a vista um do outro, ambos passam pela Tetre Rouge, caminhando pela longa recta das Hunanudriéres. O motor do Porsche conseguia ser mais rápido em recta, mas a traseira saltitante o impedia de ser rápido nas curvas. A meio da reta, ambos os carros ficam lado a lado, competindo um com o outro pela maior velocidade de ponta. Quando a pista corta para a direita, Reinhardt tem de ceder a vez a Aaron, e este passa á frente da corrida. Já tinha acontecido no passado, mas não conseguira distanciar-se muito, pois o motor já começava a trabalhar em onze cilindros. E o Ferrari também estava nessa mesma situação...

Este "jogo do gato e do rato" era o que mantinha a emotividade e o suspense em Le Mans. Nunca se tinha visto algo semelhante desde 1923: dois carros a disputarem a vitória como se fosse uma mera corrida de formula 1. Só que nesse fim de semana se disputou o equivalente a uma época inteira, e nenhum dos seus carros tinha cedido. E muitas unhas estavam a ser roídas a cada minuto que passava...

Pelas 13:30, a diferença entre os dois era de meros 20 segundos, com o Porsche agora à cabeça. Mas era a condução de Aaron, conseguindo controlar o carro nas saídas mais complicadas, com a sua traseira dançante, que mantinha Reinhardt à distância. Mais uma vez, ambos faziam a Tetre Rouge e encaravam de novo a longa recta. Quando passou por ali, começou-se a contar os segundos. Cinco, dez, quinze... Reinhardt passava por ali mais uma vez, ultrapassando os 911 sobreviventes, que levavam mais uma volta de atraso, e encarava também a longa reta, acelerando até aos 300 km/hora, naquele ronco rouco do motor V12.

Algum tempo depois, chegavam a Mulsanne. Primeiro o Porsche, depois o Ferrari. Encaravam novamente o transito, mas tinham passado sem problemas. Ambos se viam à distância, mas de repente, quando chegavam a Indianápolis... um rastro de fumo negro saía do Ferrari vermelho. Motor ou óleo, qualquer problema mecânico tinha afectado o carro de Pieter Reinhardt, e a sua corrida tinha acabado ali. O unico Ferrari oficial a correr, terminava a sua aventura com a meta à vista, mais de 21 horas depois de a ter começado. Fora por pouco.

Quando se soube da noticia, um bruá enorme se ouviu pelo circuito. Na boxe da Porsche, Mike Weir mostrou a placa a dizer "P2 OUT, SLOW PETE". O outro Porsche estava a três voltas, não era qualquer ameaça a ele. Podia finalmente descontrair e levar o carro até ao fim da prova. O alivio nas caras de todos era mais do que óbvio, agora só tinha de cruzar a meta e comemorar a sua incrivel vitória em Le Mans.

Pelas 15 horas, a bandeira de xadrez foi mostrada, e Aaron ergueu o seu punho em sinal de vitória. Sentia-se aliviado, pois hoje tinha feito uma boa acção. Tinha passado por tudo e hoje, fechava uma página da sua vida. Não iria correr mais, acabara com uma vitória na corrida mais dura do mundo. Parabéns, Pete!

Quando parou, uma multidão de fotógrafos, cameramans e jornalistas, para além de caçadores de autógrafos, se aberiravam do carro de Pete. John O'Hara e Mike Weir estavam felizes, ao lado da porta do condutor, e Mike tinha a mulher de Pete a seu lado, que era para poderem cumprimentar. Quando saiu, ela foi a primeira a ser abraçada fortemente por ele.

Tirou o capacete, recebeu imediatamente a coroa de louros, para simbolizar o vencedor e foi ter com John O'Hara, qua já estava no pódio, para ir receber a taça do vencedor. Para ele era a sua primeira vitória em Le Mans. Para Pete, era a segunda vitória. E a última da carreira.

Quando o "speaker" de serviço lhe estendeu o microfone para que este pudesse dizer umas palavras, não se fez rogado e disse:

"Há momentos, terminei a minha carreira competitiva. Não deveria estar aqui, voltei a correr para ajudar os meus amigos, e creio que fiz um bom trabalho, mostrando que esta é uma excelente máquina. Quero dedicar esta vitória a todos eles, que bem merecem."

"Diga uma coisa, aquele seu gesto na partida, de ser o ultimo a partir, foi um protesto ou outra coisa qualquer?"

"Eu não quero criticar a organização ou coisa assim, mas acho que este tipo de partida não nos é seguros. Acho demasiado confuso e muitas das vezes pode dar mal. Acho o que aconteceu ao Peter Holmgren ontem à tarde - e já agora, quero expressar as minhas condolências à familia - é o resultado de alguma da nossa pressa em ganhar lugares. Acho que temos de fazer algo para mudar essa situação. Aquilo que fiz foi somente uma chamada de atenção."

"Obrigado, Monseiur Aaron. Passo agora para o outro piloto, Monseiur John O'Hara"

À medida que O'Hara dava as suas impressões da corrida, Pete olhava para a multidão que os celebrava, a ele e a John. Com o sol a romper-se, estava sorridente, não tanto pela vitória alcançada. Sentia-se alividado. Não tanto por ter acabado esta corrida, mas por ter sobrevivido a ela. Agora, podia olhar para os troféus com outros olhos e dedicar-se ao seu novo projecto, a Anglo-Irish Racing, sob a capa da Apollo. E finalmente, podia colocar os seus olhos para a tempoarada de 1970, a primeira como construtor. A sua nova vida no automobilismo.

(continua)

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