quarta-feira, 14 de julho de 2010

Grand Prix (excerto numero 32, começo em Kyalami)

27 de Fevereiro de 1970, Kyalami, Africa do Sul

Oliver Henderson olhava para a folha de papel com a lista de inscritos enquanto combatia o calor que se fazia dentro do seu gabinete. A ventoínha que deveria servir de ar condicionado não tinha potência suficiente e o suor escorria da cara deste homem de pele rosada de meia idade, com a cara completamente aparada, dado que iria receber tão ilustres visitas naquele fim de semana.

Já olhava para a lista com alguma descontracção, depois das preocupações dos últimos dias. Quando ouvira que poderiam estar inscritos até 25 carros, começou a preocupar-se, pois não sabia se tinha dinheiro suficiente para pagar as entradas de tantos carros assim, pois para além dos carros vindos de fora, tinha os carros do campeonato local, um dos mais activos do mundo, com provas não só no seu país, mas em sitios vizinhos como a Rodésia, Moçambique, Namibia e Angola.

O Grande Prémio da Africa do Sul tornara-se nos últimos anos um dos mais ricos do calendário, pois começava a ser acarinhado pelo governo local, cada vez mais isolado pelo regime do Partido Nacional e pelas leis do "apartheid" que separavam uma minoria da polpulação, que não chegava aos 15 por cento e de origem branca, de uma esmagadora maioria constituida por negros, mestiços e indianos. E à medida que se tornava num regime pária em termos desportivos, no futebol, cricket e rugby, para além de ter sido explusa do Comité Olimpico Internacional, modalidades como o automobilismo, que tem poucos escrupulos do que outras modalidades, eram crescentemente acarinhadas pelo governo local.

No inicio do mês, Oliver Henderson pedira ajuda do governo local para engordar os prémios, pois os seus contabilistas tinham-lhe dito que depois de pagar a toda a gente, desde os comissários de pista até aos bombeiros e policias, iria haver muito pouco dinheiro para o clube, pois as receitas de bilheteira e os patrocinios chegavam para pouco mais do que tudo. Assim, Oliver pediu a um amigo seu na Federação local que contactasse alguém no Governo para os ajudassem. Conseguiu com que o policiamento fosse feito de graça por elementos da policia local, bem como um "fee" de 750 mil rands, que mais tarde teria de ser pago em espaço publicitário a preços vantajosos. Pete engoliu em seco e acedeu, mas recebeu o seu dinheiro a tempo e horas.

Ao olhar para a lista, via que tinha conseguido tudo. As equipas oficiais estavam em Kyalami, e em força: a Apollo tinha dois carros para John O'Hara e Teodoro Solana, assistindo o Eagle, já com dois anos, do local Philip de Villiers, inscrito originalmente pela Kruger. A BRM tinha dois carros, para Bob Turner e o jovem sueco Anders Gustafsson, e a italiana Ferrari tinha outros dois carros, para o belga Patrick Van Diemen e o italiano Toino Bernardini.

A Jordan, agora com Bruce ao leme, tinha dois carros oficiais, absolutamente novos e totalmente revolucionários, para o alemão Pieter Reinhardt e para o britânico Bob Bedford, numa manobra algo arriscada. Inicialmente, Bruce Jordan não o queria, pois não sabia se estariam prontos a tempo, mas quando viu os dois chassis da Apollo a voarem direto para Joanesburgo, decidiu acelerar a montagem do segundo chassis e o trouxe para aqui, ainda com algumas peças por montar.

Já a francesa Matra, que tinha o previlégio de ser a equipa que trazia o campeão do Mundo, tinha trazido dois carros para os franceses Pierre de Beaufort e Gilles Carpentier, apresentava um novo chassis, o MS120. E para finalizar, a McLaren, com Bruce ao volante, tinha consigo o americano Peter Revson, assistindo, tal como a Apollo, um terceiro carro para John Rhodes, um já veterano piloto da Rodésia.

Para além dos locais, havia uma equipa privada que iria correr durante todo o campeonato: a Ecurie Holmgren. O Inverno tinha sido tão longo como os que aconteciam nos países nordicos, e existiam imensas dúvidas sobre a continuidade da obra após o trágico desaparecimento de Peter sobre os destroços do seu Porsche 917 em Le Mans. Mas a sua viúva decidiu continuar, depois de pedir ajuda ao melhor amigo de Peter: o britânico Brian Temple. Este acedeu, e comprou dois chassis Jordan, um para alugar a um piloto local, e mais um outro chassis. Inicialmente queria Anders Gustafsson, mas ele estava mais interessado em ficar na BRM, com um contrato oficial, e conseguira tal desiderato.

Assim, na Africa do Sul correria com dois locais, mas durante a semana que passou, falara com Philip de Villiers, após ter consultado alguns dos seus contactos locais. Após uma conversa inicial, o astuto Temple perguntou se gostaria de correr na Europa:

- Claro, adoraria ter uma oportunidade dessas.
- E estaria disposto a pagar quanto?
- Tenho o equivalente a oito mil libras, de prémios acumulados nestes últimos dois anos. Mas seria fantástico se ganhasse o campeonato.
- Ah é? Porquê?
- O prémio é muito bom, e há rumores que a Federação poderia pagar uma bolsa para correr na Grã-Bretanha, caso seja um jovem a vencer. Há eu e um rapaz muito bom, chamado Brian Hocking.
- Ele é mesmo bom?
- Tem a minha idade, 25 anos, e é um dos meus rivais no campeonato. Ganhou-me em Kilarney, no inicio do ano, e conduz um Jordan. Mas destruiu o seu carro em Sailsbury, há 15 dias, e está apeado.

Quando ouviu isto, Temple não perdeu tempo. Contactou-o e em dois dias tinha o negócio fechado. Em Kyalami, ele iria conduzir o Jordan do ano passado, bem melhor do que o carro que costumava ter, que já tinha sido usado na corrida de 1968, conduzido por Bob Turner. Com um carro mais desenvolvido, Hocking teria hipóteses de dar nas vistas na unica chance do ano em que os locais dariam espctáculo perante o resto do mundo. Quanto ao outro carro, estava nas mãos do experiente local Gaston Pieterse, prestes a fazer 36 anos de idade. Ambos os chassis estavan de branco, com o desenho de uma faixa azul e laranja, para angariar o apoio dos locais.

Assim, Oliver olhava um pouco mais aliviado para a lista de inscritos. Dos 25 que julgava ter ali, estavam 22 carros, o que lhe permitia respirar melhor. E alguns dos melhores pilotos do seu país estavam apoiados pelas equipas oficiais. E no meio daquele calor, abanava a folha de papel, como se fosse um leque, com um sorriso na cara. Combinado com os mais de cem mil espectadores esperados durante o fim de semana, iria ser um fim de semana em cheio.

(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...