terça-feira, 6 de julho de 2010

Grand Prix (parte 30, testes em Kyalami)

Kyalami, arredores de Joanesburgo. 16 de Fevereiro de 1970

O sol estava abrasador naquela manhã. O Verão austral estava ali em toda a sua força, naquele sitio a alta altitude do planalto africano. Ao longe via-se o "skyline" da capital financeira do país, rodeado das várias townships, onde sem que se saiba, máquinas, mecânicos e pilotos sabiam, mas poucos ou quase nenhuns reclamavam do facto de terem aterrado numa sociedade legalmente segregada entre raças.

Como é obvio, ali ninguém pensava na politica. Outros pensamentos estavam presentes, como os pneus usados e o estado dos carros naquele calor abrasador. Jordan e Apollo lá estavam, bem como um dos Matras, guiado pelo campeão do mundo, Pierre de Beaufort. A sua equipa era pequena, como uma ponta de lança da maior, que viria na semana que vêm, com mais um carro, preparando-se para a jornada inaugural do Mundial, no dia 1º de Março.

Na Apollo, Pete Aaron já estava há alguns dias em Kyalami, com John O'Hara, que veio directamente de Dublin, com a sua irmã a ficar na sede de Silverstone. John já sabia da venda do chassis anterior a um desconhecido piloto vindo de um país sem grande tradição automobilistica, a Sildávia. O projectista do carro lá estava, para ver a evolução do seu novo projecto. Até agora, tudo corria sobre rodas, sem problemas de maior na estrutura do seu chassis. Mas o problema maior era a resistência do carro, pois a velocidade não se questionava.

A partir de hoje, a equipa iria receber os carros da Kruger Racing Team, um deles era uma Eagle, que Dan Gurney tenha vendido mais de um ano antes e que corria no campeonato local. Era uma equipa que recuperava do choque da morte do seu fundador, há pouco menos de um ano num acidente. As duas equipas de mecânicos estavam à volta do carro, distinguindo-se pelas cores dos fatos. As da equipa de Aaron eram azuis, e os sul-africanos eram laranja.

Na tribuna improvisada, havia um grupo de entusiastas que viam as movimentações nas boxes. Atrás, no paddock improvisado, um Triumph Dolomite de cor vermelha parava por lá, e saiam um casal. O homem, no lugar do condutor, tinha um fisico imponente, parecendo um jogador de rugby dos Springbocks: mais de 1.80 metros e relativamente e encorpado, enquanto que a rapariga era um pouco mais nova, de cabelo longo, loiro, e quem a visse mais de perto, tinha uns olhos azuis muito expressivos. O rapaz veio à parte de trás e foi buscar um saco, que tinha o capacete e o fato de competição.

Entrados no paddock, ambos cumprimentaram o chefe dos mecânicos, um senhor chamado Thomas Nel, uma velha raposa local, com mais de cinquenta anos de idade, e sabia afinar carros como ninguém. Pete o conhecia desde os tempos da Jordan, há quase uma década, e o recorria sempre que testavam e corriam em Kyalami, dado o seu conhecimento do circuito e do facto de como extrair o melhor do carro em altitudes como esta, mais de 1500 metros acima do nível do mar. Cumprimentou o casal em afrikaans, e conversaram um bocado sobre o carro. Depois ele virou-se para Pete e disse:

- Amigo Pete, deixa-me apresentar este belo casal. Ele é o Philip de Villiers, o actual campeão nacional. Vai ser o nosso piloto aqui em Kyalami.
- Prazer. Quantos anos tens?
- Tenho 23 anos, farei 24 em Novembro, se tudo correr bem.
- Já correste no Eagle?
- Só duas vezes, no final do ano passado. Mas parece ser um carro bom.
- Confesso não te ver a caber ali... mas se sentes confortável, ótimo.
- Acredita, caibo ali sem problemas.

Depois de um momento de pausa, ele avançou:

- Ainda te lembras dela?
- De quem?
- Da Jacqueline.

Pete emudeceu ao ver a rapariga que estava à sua frente. Muito loira, e profundos olhos azuis, a tal menina que ele falava era agora uma bela mulher. Sorridente, cumprimentou Pete com um aperto de mão, enquanto que ele, que raramente ficava surpreendido, se encantava com a beleza de alguém que já não via há muito tempo.

- Como está a Pat?
- Otima, obrigado. Vem na próxima semana.
- Excelente. Estou ansiosa por a ver. Como andam as coisas por aqui?
- Como podes ver, combatemos o calor...
- Tipico desta época. E estamos perto das dez da manhã. Onde anda o teu piloto?
- Já deve vir... agora.

Ao longe, ouvia-se um carro a fazer a Leeukop Bend, acelerando a caminho da meta. Depois de virar ligeiramente à direita para fazer a curva Kink, subia em direcção à linha de meta, onde imediatamente mergulhava no famoso "The Dip" indo velozmente, sempre a descer, em direcção ao Crowthorne Corner, iniciando mais uma volta naquele dia.

- É o John O'Hara?
- Só ele. O Teddy só vem na semana que vêm, quando vier o outro chassis.
- Até que ponto é que é bom?
- Estamos otimistas, parece ser um chassis bem nascido.
- O que falta?
- Resistência. Tem de aguentar a corrida. Há sempre um ou outro componente que nos falha... daí ter recorrido ao teu mecânico.
- Ainda bem.

Após nova passagem pela meta, Pete vira-se para Jackie e pergunta:

- Como tens estado?
- Vai passando aos poucos. Sempre achei que isto viria a acontecer, mas não desta maneira...
- Compreendo a tua dor.
- Ver os dois a irem daquela forma até parece que foi uma brincadeira de mau gosto. Ainda tenho dias que acordo e penso que estão a dormir no quarto ao lado, mas quando chego lá e vejo tudo vazio, é que volta a realidade.

Pete emudeceu, tentando afastar os maus pensamentos.

- Vais continuar?
- Eu vou. Confesso a minha "contaminação" por um lado, mas por outro, acho que é altura de fazer alguma coisa.
- Eu sei. Mais segurança. Está a ser feito, mas...
- É preciso fazer mais. Sabes que há pistas demasiado perigosas.
- Sei perfeitamente. Tenho uma placa na perna a comprová-lo.
- Então... temos de fazer algo, não é?
- E estamos a fazer. Aos poucos, estamos a fazer.
- Eu sei, Pete.
- Jackie... quero dizer uma coisa. Desculpa por não termos ido ao funeral dos teus pais. Eu e a Pat. Nós só soubemos no dia a seguir, pelo Tom.
- Não faz mal. E ainda bem que ele está aqui. Sem ele, o meu tio e outros, as coisas teriam sido bem piores. Tive de crescer de um dia para o outro.
- Compreendo, Jackie.

Ela sorriu e virou-se para Thomas, que estava com os seus mecânicos à volta do carro de Philip de Villiers, que já estava dentro do seu carro, pronto para dar umas voltas ao circuito. No momento em que ligou o motor do seu Eagle, Jackie disse em voz alta, tapando os ouvidos com os dedos indicadores:

- E agora Pete, vais ver do que ele é capaz.

(continua)

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