É mais do que óbvio que desde Domingo que o meu estado de espírito é de, no mínimo, cólera. Fúria, não no sentido de querer partir tudo, mas no sentido de que me espetaram uma faca nas costas, especialmente no sentido da traição.
Sim, sinto-me traído. Mesmo com 25 anos a ver automobilismo, e de ter habituado a assistir a coisas tão más ou piores do que vimos este Domingo, acho que o facto de uma equipa violar tão descaradamente regras escritas e não-escritas, e de ver pilotos a venderam a sua alma, abdicando da vitória em nome do superior interesse da equipa, é demasiado. É pisar uma "linha vermelha" (não, não há ironia) a pafrtir do qual determinada modalidade e seus respectivos resultados se tornam em algo parecido com uma farsa. E para aqueles que defendem este desporto perante outros que defendem os seus, deixa-nos indefensáveis.
O jogo de equipa existe desde os primórdios do automobilismo, praticado por génios como Alfred Neubauer ou Colin Chapman, mas tais coisas eram usadas em circunstâncias meramente excepcionais, com regras claras desde o inicio, deixando aos pilotos o critério de as acatar ou não. Ronnie Peterson teve essa escolha em 1978, quando Colin Chapman o acolheu de volta à Lotus, ano e meio depois de ter saído pela porta pequena, e aceitou. Neste caso em concreto, nada estava em jogo nesta altura do campeonato, o que nos deixa ainda mais indignados. Ver safar a Ferrari com uma multa é algo que me revolta, mas os pilotos são, se calhar, os menos culpados. Eles são meros funcionários, então o Massa é candidato numero um a Funcionário do Ano, como existe em qualquer loja do McDonalds...
Aquilo que vi foi uma manipulação descarada por parte de Stefano Domenicalli, uma pura violação das normas escritas e não escritas. Se foi um tiro no pé por parte da Scuderia, problema deles. E as declarações de Luca di Montezemolo, a chamar os criticos de "hipócritas", ou a defesa da Ferrari por parte de Bernie Ecclestone (desse senhor, já só espero que morra) só ajudam a alimentar o fogo.
Se ainda havia uma máscara, uma espécie de "comédia de enganos" nesta Formula 1, a Ferrari ajudou a deixar cair essa máscara. E ao dizer a verdade, de como as coisas são feitas, prejudicou mais do que beneficiou. E neste inicio do século XXI, onde se vive uma crise que está a ajudar a mudar as mentalidades, as pessoas querem ver a verdade desportiva nas modalidades que tanto gostam. Quer seja no futebol, onde se reclama pelo facto da FIFA e do International Board não quererem a introdução de tecnologia no jogo, apesar dos erros crassos se acumularem a cada semana, quer sejam noutros desportos, o facto de uma equipa dizer que "nós é que decidimos quem ganha", é fazer de nós trouxas. Idiotas. Burros que usam a cabeça de forma pavloviana, por estímulos.
O Daniel Médici escreveu no seu post de ontem à noite, o seguinte:
"A troca de posição entre os pilotos da Ferrari no GP da Alemanha violou muito mais do que a malfeita regra da proibição do jogo de equipe na Fórmula 1. Ela violou o pacto da Fórmula 1 com o espectador. Já abordei este assunto aqui uma ou mais vezes, mas creio que vale a pena entrar em detalhes neste caso específico. Em primeiro lugar, há de se convir que a proibição das ordens de equipe é uma dessas besteiras que se encontram aos montes no regulamento desportivo da categoria. Porque, em determinados casos, ela é aceitável: Gilles Villeneuve fez questão de não disputar o título em 1979 para ajudar o seu companheiro, sabendo que time lhe daria uma chance no futuro. Quando ela chegou, em 1982, Didier Pironi não aceitou - se ele tivesse cedido sua posição no GP de San Marino de 1982, talvez não fosse um ato condenável, porque não se trataria de uma questão comercial, mas de duas pessoas lutando por um objetivo comum. Isso também acontece, com muita frequência, nos finais de campeonato, e não há demérito nisso. (...)
Em suma, todos aceitamos o principio das ordens de equipa, mas somente em circunstâncias excepcionais, e em determinadas situações. Fora disso, é considerado manipulação, algo éticamente inaceitável e proíbido por lei. E a seguir, fala na violação de um pacto.
(...) "Se aquilo não era sério, então a Ferrari violou o pacto com o espectador. Ofereceu uma mentira como se fosse verdade. O espectador assiste à Fórmula 1 como esporte, na esperança de que os pilotos estejam brigando por suas posições porque querem mantê-las, não por mera encenação. Os espectadores sabem que há interesse comercial por trás de tudo, e, acima de tudo, que o esporte não é justo, nem sempre vence o melhor (e por que haveria de ser assim, se a vida não é?). Mas, para que isso seja tolerado, é preciso que, da largada ao final da última volta, as implicações com a conta bancária, as relações com o patrocinador não sejam os atores do evento. Uma equipe é uma empresa, mas ninguém torce para uma empresa em uma corrida - torcem para o que ela, como equipe, significa." (...)
E termina com o seguinte:
"O problema é que a TV permite o anonimato ao espectador. Falar aos quatro ventos que vai boicotar a Fórmula 1 é fácil, difícil é cumprir a promessa, já que ninguém pode fiscalizar se você a cumprirá ou não. Por isso, limito-me a fazer um protesto individual e desesperançado por meio deste blog: não haverá, nele, um comentário sequer sobre o GP da Hungria, a ser realizado no próximo dia 1o de agosto. Nenhuma palavra sobre o que acontece por sobre o asfalto de Hungaroring, pois não posso garantir se lá vai acontecer uma corrida ou a dramatização de uma. A restrição vale por um GP. Qualquer um que sai de uma faculdade de comunicação sabe que só há uma arma mais perigosa que as palavras: o silêncio. Meu silêncio não vai mudar o mundo, mas prefiro calar-me em nome de minha consciência. Quem sabe outras consciências não se sintam impelidas a fazer o mesmo."
Felizmente, os tempos mudam. Estamos a chegar ao final da primeira década do século XXI e nós começamos a ter, graças à Internet, um pouco mais de poder para sair da massa anónima da televisão. E com todos estes novos meios da Internet 2.0, como os blogs, o Twitter e o Facebook, para não falar do Youtube, podemos demonstrar, neste universo fragmentado, a nossa indignação sobre o que se passou, de forma indignada ou humorada.
Mas também nos demonstra que começamos a ter poder, e somos inteligentes o suficiente para que qualquer gesto, por mínimo que seja, pode ter impacto. Sou inteligente e tenho consciência, e estou tremendamente zangado com que aconteceu. E para demonstrar que este insulto a minha inteligência não passa sem dar cavaco, tomei uma decisão simbólica: vou boicotar o fim de semana húngaro.
Neste fim de semana, não farei qualquer post sobre a Formula 1, sobre o que se vai passar no circuito de Hungaroring. Esse embargo começará a partir na Quinta-feira, após a minha 5ª Coluna. Isso não significa que não vou ver a corrida. Irei. Não sou aqueles que digo "nunca mais vou ver Formula 1", por sei perfeitamente que nunca se diz nunca. Apenas recuso-me a falar da actualidade da Formula 1 até ao fim de semana do GP da Belgica, pois mais do que o boicote em si, pretendo fazer um período de "nojo", um período sabático, para ver e refletir se vale a pena falar da actualidade de uma modalidade que, neste momento, perdeu o meu encanto.
Como é óbvio, vou continuar a falar de automobilismo no fim de semana e nos dias que virão depois. Temos o Rali da Finlândia, para começar e ainda existem os 30 anos da morte de Patrick Depailler, que se comemoram neste Domingo, e do qual vocês estão a ver um ou dois posts meus sobre ele por dia. Provavelmente falarei sobre os campeonatos europeus de atletismo, que decorrem em Barcelona. É um desporto diferente, onde as manipulações tem mais a ver com o "doping" e os atletas dopados são severamente punidos pela entidade federativa. Em suma, este meu gesto - simbólico, é certo - serve para mostrar que a "facada nas costas" que me deram no passado Domingo, pela minha parte, não pode, e não vai, passar impune.
Olá, a muito tempo leio seu blog e o acho um dos melhores sobre automobilismo.
ResponderEliminarConcordo plenamente com o que disse, e perdi muito a minha fé na formula 1.
Agora so uma coisa, pode ser que esteja errado, mas você disse no final do post que esses dias vamos "comemorar" os 30 anos da morte de Depailler, é certo comemorar isso???
No mais parabéns pelo otimo blog.
Olá Paulo
ResponderEliminarPermita-me discordar de você em um ponto. Não acho que há ordens de equipes aceitáveis e outras não. Se é para ser contra as ordens de equipe, é para ser de qualquer jeito! O que Gilles Villeneuve fez em 1979 em não atacar Jody Scheckter em Monza não difere muito de Felipe Massa deixar Alonso o ultrapassar. Para mim, é tudo ordem de equipe! E foi tão feio quanto, pois o canadense foi impedido pela equipe em não atacar o companheiro de box, nos impedindo de ver uma bela disputa, assim como na Alemanha no dia 25/07. Ou seja, não adianta ficarmos romantizando certas ordens de equipe. A diferença é como se faz essas ordens. A Ferrari foi perfeita em 2007, quando o fez com Massa para ajuda Raikkonen. Neste domingo, foi idiota e arrogante...