quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Grand Prix (numero 80, Zeltweg)

A paisagem era de um verde deslumbrante, num vale cercado pela imponência dos Alpes, que ainda mostravam as suas neves eternas nos pontos mais altos. O sol batia forte, naquela quinta-feira de Agosto, e o calor que se fazia sentir convidava muitos a tirar a parte de cima para a suportar melhor. À volta do circuito, milhares de pessoas já acampavam à volta do novo circuito de Zeltweg para acompanhar as incidências do fim de semana competitivo, apesar de ser ainda quinta-feira.

Todos já tinham dado uma volta no circuito e elogiaram a velocidade e a segurança do circuito austríaco, devido aos rails de protecção nas curvas e as escapatórias nas curvas interiores, bastante grandes. Contudo, quando se fala nesse termo, a definição tinha a ver com largas parcelas de terreno plano, sem espectadores por perto, mas com espaço para os carros sairem e travarem com calma, sem consequências para eles e para os que vêm a corrida.

A velocidade era tremenda nas rectas e nas curvas. Aliás, podia-se dizer sem problemas que elas eram mais falsas curvas do que rectas, devido à grande velocidade em que se ia nelas. Nas últimas semanas, um dispositivo de última hora tinha sido colocado na pista: um rail entre a pista e as boxes, semelhante ao que havia em Hockenheim. Os pilotos tinham feito esse reparo à organização, e este foi arranjado de imediato, como medida provisória. Mais tarde, os organizadores tinham prometido que iriam colocar um separador mais definitivo.

Na caravana da Apollo, Teresa estava sentada à porta, contemplando a paisagem que estava diante de si enquanto fumava o seu cigarro. Uma bicicleta estava encostada à porta, e o seu ocupante descansava lá dentro. Tinha decidido passear com ela à volta do circuito, e descobriu que os declives eram enormes, quase demasiado ingremes para que ele pudesse passear de bicicleta. Mas conseguiu.

Pam aproximou-se da caravana e perguntou por ele.

- Está a dormir. Decidiu armar-se em herói e passear pelo circuito de bicicleta. Resultou que ele está com as pernas doridas e antes de adormecer, andava a amaldiçoar o circuito.
- Bom, ele quis tentar. Foi por sua conta e risco e conseguiu. Agora temos de o recuperar para a corrida, não é?
- Pelo menos ficamos a saber que não é uma pista plana... afirmou, soltando uma baforada. Eu não vou massajar as pernas, Pam.
- Mas devias ajudar o teu namorado.
- Já estive a ajudar. Coloquei uma almofada no meio das pernas, que é para ver se o sangue circula. Queres ver?

Pam espreitou para dentro da caravana e viu Alex a dormir, de tronco nu e com uma almofada debaixo das pernas, com estas viradas ligeiramente para cima. Estava num sono profundo, depois de ter andando infernalmente de bicicleta à volta do circuito, entre altos e baixos. Quando chegou, queixou-se: "da próxima vou de mota. Isto de andar de bicicleta dá cabo das pernas!"

As duas estavam à conversa quando viram chegar Teddy Solana e Pedro Medeiros. Teddy ia ver Alex quando se cruzou com o novato brasileiro, que lhe perguntou sbre alguns aspectos da Formula 1, ele que tinha chegado há poucas semanas. Como o seu inglês ainda não estava muito desenvolvido, recorria a Teddy, que falava espanhol, e ao casal Alex e Teresa, que podia falar português com eles.

- Olá! O Alex anda aí?
- Está a dormir, depois de se ter armado em herói ao fazer o circuito de bicicleta...
- Pois é, o que é que tinha em mente quando fez isso?, perguntou Teddy.
- Queria ver se era possivel, ora, respondeu um estremunhado Alex, de dentro da caravana.

Alex surgiu de tronco nu, e coçar os olhos da soneca que teve dentro da caravana, e como de costume quando acordava, resmungão. Colocou a mão à frente da vista, pois o sol batia de frente, e quando os identificou, disse:

- Ah, são vocês.
- Da próxima, vai de moto, afirmou Teddy, entre risos.
- Ah, pois vou, respondeu Alex. E se fosse um de vocês a fazerem esse truque, eu não me ria. Raios que partam, tou todo lixado dos musculos...
- Finalmente vou ganhar uma corrida por auto-eliminação do meu oponente, respondeu Teddy, a rir.
- Já chega, rapazes, respondeu Teresa. É que não sei se sabem, mas quem vai dar sopas e massagens sou eu. Afinal é o trabalho de uma mulher, não é querido?, perguntou em tom sarcástico.
- Pois...

Teresa pegou numa revista, bateu nas pernas de Alex e disse:

- Eu não larguei o jornal para ser o teu pau mandado. Queres uma criada, contratas uma! Quem mandou andar de bicicleta num sitio que é no meio de montanhas, hein? Isto não é Monza, deste cabo de mim e das tuas pernas. Hoje, quem faz o jantar és tu! respondeu à medida que batia nas pernas doridas de Alex, que estava ao lado dela na caravana. Com a revista enrolada, ela batia nele e fugia dali, para evitar as dores que já eram lancinantes. E todos se riam da situação.
- Agora é que não me caso, dizia Teddy. Já sei quem manda em casa! exclamou à gargalhada.

Imediatamente a seguir, ela voltou e ele aproximava-se à distância. Ao vê-lo, o olhar fulminante de Alexandre dizia tudo. Apontou o dedo a Teddy e disse:

- No Domingo vamos ver quem ri por último. Quando estiver no lugar mais alto do pódio...
- Vai sonhando Alex! Se os outros te deixarem ganhar...
- Se ganhar, lavas os pratos da equipa!
- É uma aposta?
- É!
- Apostado. E se eu te ganhar, tu lavas os pratos a toda a gente na equipa. E os carros também, disse, estendendo a mão para o cumprimentar.
- Aceito. Vai ser uma maravilha ver um mexicano lavar pratos.
- E vai ser uma maravilha ver o marido a lavar os pratos da mulher...
- Teria mais piada se cozinhasse o jantar, acrescentou Medeiros.

Com um olhar fulminado, Monforte disse:

- É melhor estares calado, maçarico, porque vai sobrar para ti. Porque se eu ganhar, vocês os dois vão fazer o jantar e lavar os pratos. Ah pois!
- Mas não sei estrelar um ovo...
- Desenmerda-te - respondeu, encostando a mão no ombro dele - vocês brazucas não fazem churrasco?

Pam assistia a tudo isto e perguntava à Teresa:

- O que estão a falar?
- Apostas idiotas, tipicas de machitos. Dizem que se um deles ganhar, o outro lavará os pratos.
- Essa seria engraçada. Não sei se o Pete vai gostar, mas pronto...
- Falando no Diabo...

Pete acabava de chegar à caravana e vê a discussão entre os três pilotos. Chegou-se ao pé de Pam e Teresa e perguntou:

- Não me digam, tem a ver com o disparate do Alex?
- Tem, mas é mais uma aposta para o fim de semana: se um deles ganhar, o outro lava os pratos.
- Vai ter a sua graça. E se nenhum deles ganhar?
- Devia ser o melhor classificado.
- E se os dois baterem?
- Não sei, deixa-me perguntar, disse Teresa.

Ela colocou os dedos na boca no sentido de assobiar, e disse:

- Ei, ó mentes brilhantes, se nenhum de vocês acabar, a aposta fica sem efeito?

Os dois olharam-se e responderam:

- Transfere-se para Monza.

Teresa traduziu isso para Pete, que disse:

- Não faz sentido. Duvido que ganhemos aqui. Isto e Monza são pistas para Ferrari e Matra.

(continua)

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