Enquanto boa parte de nós anda entretida em saber se a camada de asfalto coreano irá ou não desfazer-se à passagem dos carros de Formula 1 neste fim de semana, ou se as greves em França colocam ou não aquele país em forma de hexágono à beira do caos, esta semana foi passada a ler os recados de Bernie Ecclestone, que quase octogenário, afirmou por um lado que faz tudo pelo gozo do negócio, mas por outro não quer que ninguém toque na sua parte de leão, os famigerados 50 por cento das receitas provenientes da publicidade, e das somas astronómicas que os proprietários dos circuitos pagam para ter a Formula 1 no seus países, ao enviar recados para as equipas representadas pela FOTA, para que se metam nos seus próprios negócios.
Talvez este tipo de recados tenha a ver com aquilo no qual fui surpreendido esta terça-feira com uma noticia vinda de um site italiano. Aparentemente, Max Mosley pode estar a preparar nos bastidores uma rebelião contra Jean Todt na próxima reunião da FIA, a realizar em Novembro, no Palácio da Concórdia, em Paris, no sentido de incomodar ou derrubar o baixinho francês, ex-navegador e ex-dirigente da Peugeot e da Ferrari.
Os rumores podem ser totalmente infundados (para já, foram prontamemte negados por Mosley), mas ao ler o blog do sempre recomendável Joe Saward, há algumas boas razões pelo quais não consigo colocar isto no dominio da fantasia delirante de alguém sem muito para fazer. Desde que Todt chegou ao poder, com a ajuda de Mosley, em Outubro de 2009, que anda a elaborar uma reforma na FIA, modificando regulamentos nos ralis e Formula 1, uma reforma que até está a cair bem junto de muita gente. Contudo, ao dar poder a algumas entidades, muito provavelmente pode ter levado essa reforma longe demais por ter tocado em alguns interesses de Mosley, por exemplo. Não se consegue perceber, ainda, que tipo de interesses é que estejam em jogo, porque as federações praticamente não tem poder nenhum na FIA, pelo menos em relação à Formula 1.
Contudo, existe um facto inegável: a partir de 2011 começa-se a negociar um novo Pacto de Concórdia, e existe um facto que tem de ser levado em conta: desde que a FIA e a FOTA chegaram a acordo em meados de 2009 para correr com Max Mosley e evitar "in extremis" a separação da Formula 1 em duas entidades que se vive um período de tréguas. Ela irá durar enquanto que o acordo for válido, ou seja, até ao final de 2012. Em finais de 2011, inicios de 2012, este será revisto e entrara em vigor em 2013, e é mais do que certo que as equipas pretendem uma fatia maior das receitas que Ecclestone gere através da FOM.
Ora, o quase octogenário Bernie Ecclestone, apesar de dizer que não está aqui pelo dinheiro, não deseja perder nem mais um tostão daquilo que consegue arrecadar com os direitos televisivos e com aquilo que os circuitos pagam todos os anos, somas cada vez mais astronómicas, mas as equipas querem uma fatia maior, passando dos actuais 50 por cento (divididos agora por 12) para um valor próximo dos 70 por cento. Até pode não ser o dinheiro em questão, mas o poder de decidir onde é que vai esse dinheiro é que está em cima da mesa, para além do calendário.
Assim se pode entender os recados que anda a mandar pelo imprensa ao longo das últimas semanas: Ecclestone tem mandado recados nas últimas semanas aos construtores para que cuidem das suas equipas e deixem os negócios da Formula 1 nas suas mãos, demonstrando que começa a crescer uma guerra surda entre as duas partes. Uma guerra que poderá ser vocal à medida que decorrer a temporada de 2011, com consequências imprevisiveis.
E então onde é que entra Max Mosley nisto tudo? O acordo de 2009 foi uma forma de salvar a face a Mosley, a FOTA e a Formula 1, naqueles dias sombrios de Junho. Mosley engoliu o seu orgulho em nome de algo superior, mas ele não se foi embora para cuidar dos netos, apesar das alegações ditas em contrário. Actualmente, Mosley ocupa um cargo simbólico - Presidente Honorário do Senado da FIA - mas ele não está parado nem calado. Ontem, para atear mais a chama, o sitio britânico Pitpass publicou uma carta aberta que foi enviada no final de Agosto, escrito por um tal "David Smith", referindo que as reformas que Todt quer aprovar, dando mais poder ao presidente executivo, à custa dos clubes e de outros organismos como o Senado da FIA, iria levar o organismo para caminhos perigosos, ameaçando a democraticidade do organismo máximo do desporto automóvel. Todt respondeu que esses receios eram infundados, mas foi também por essa altura que Mosley abriu a boca, uma das suas raras ocasiões que o fez este ano, para dizer que caso fosse ele a julgar o "GermanyGate", teria pura e simplesmente desclassificado a Ferrari e aplicado uma pesada multa à equipa. Simples coincidência ou algo mais?
Este seu silêncio pode não dizer nada, mas como se sabe, Jean Todt teve praticamente a sua eleição assegurada quando pediu às associações para que votassem massivamente nele, em detrimento do candidato opositor, o finlandês Ari Vatanen. Mosley poderia ter pensado que dos bastidores, poderia controlar Todt, ou então que não fizesse nada que perturbasse a ordem existente. Aparentemente, nada disso está a acontecer e Mosley sente-se bastante incomodado. O próprio Pitpass, que normalmente anda bem informado, afirma que o ambiente na FIA é de "cortar a faca" e que Mosley já desabafou a Ecclestone dizendo que se arrepende da escolha de Todt para a presidência do organismo. Se isto tudo é verdade ou então tudo isto não é mais do que um plano para o seu regresso à ribalta, delineado nestes últimos meses, ainda não sabemos.
Em jeito de conclusão, mesmo que os rumores agora sejam agora desmentidos terminantemente por todas as partes, a impressão fica: Max Mosley tem contas para ajustar e não desistiu disso. A reforma pode ter apenas servido para se preparar para o contra-ataque. Nem quero ver o que poderá acontecer se os piores receios se confirmarem.
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