Em princípios de Junho de 1970, enquanto que a Itália e o mundo se entretinha com o Mundial de futebol, jogado na alta altitude do México, o ambiente na sede da Lamborghini, em Sant’Agata Bolognese, era pesado. O argentino Pedro Cavenaghi, recém-chegado à fábrica, se via no centro da tempestade. As tensões entre Don Ferruchio e a equipa de técnicos, constituida pelo engenheiro Alessandro Patrese e pelo projectista Giacomo Caparino, todos mais ou menos da mesma idade de Cavenaghi, estavam a ficar ao rubro, e parecia estar numa espécie de quebra. Naqueles dias de Junho, o ambiente em Sant'Agata Bolognese era de cortar à faca, especialmente depois do acidente mortal de Bruce McLaren no circuito britânico de Goodwood. Mas depois, a providência decidiu salvar o dia. Primeiro, causando um ataque cardiaco não fatal a Don Ferruchio, que o levou ao hospital.
Estando temporariamente fora de combate enquanto convalescia, naquele Verão, tomou uma decisão importante: iria vender a sua empresa. Pelo menos uma parcela maioritária. Víuvo desde 1947, tinha descoberto na cama de hospital que os seus 30 anos tinham passado a 54, e aquilo tinha sido o aviso para gozar a vida que lhe restava. Assim sendo, naquelas semanas que teve para refletir, chegou à conclusão de que vender a sua divisão de tratores e automóveis era a melhor solução.
Isso aliviou as tensões dentro da empresa. E para começar, rendeu o seu lugar para um dos seus homens de confiança, Andrea de Agostini. Era economista de formação, dez anos mais novo que Lamborghini, e ao contrário deste, entusiasta de automóveis. Sabia que, tendo os homens certos nos lugares certos, podia fazer andar a empresa e rumá-la ao sucesso.
Nos primeiros dias de Julho, ainda Lamborghini estava no hopsital, Agostini chamou Cavenaghi ao seu gabinete para ter uma conversa sobre o futuro do projecto. Em bom italiano, conversaram:
- Quero ouvir sobre o que acha disto tudo.
- Do motor?
- Obviamente.
- Uma merda.
De Agostini franziu o sobrolho, mas não retorquiu. Deixou que ele justificasse:
- Caro senhor, confesso que não sei quem teve a ideia de pedir a alguém para preparar este motor, mas ele é pouco potente e nada fiável para a sua disposição. Certamente não é nosso, pois não temos nada assim. É da Autodelta?
- Aparentemente sim. Foi ele que disse, depois da sugestão de um dos nossos.
- Quem?
- O teu antecessor, caro Cavenaghi. O Eng. Cavalese. Aliás, só tens esse lugar porque ele foi trabalhar para a Autodelta, do Chiti...
- Com todo o devido respeito, é uma bela bosta. Eles que ardam no Inferno...
- Caro Cavenaghi, antes de amaldiçoarmos alguém para a Eternidade, temos de ter uma razão para tal. Se acha que este projecto foi uma sabotagem, são acusações graves...
- Não vou por aí, mas eu tive uma conversa com o novo dono da McLaren, o sr. Teddy Mayer.
- E então?
- Ele não tem intenção de continuar com isto.
- Compreendo, mas ele que tenha calma. Há um acordo assinado...
- Com todo o devido respeito, eu concordo com ele.
- Ah é?
- Sim.
- Sendo assim, temos de formalizar isso daqui a pouco. E qual é a sua ideia?
- Continuar.
- Como assim?
- Deitamos fora o antigo e partimos para o novo. Com o material da casa.
- Com que objectivo?
- Um motor V12, dos nossos. Com o objectivo supremo da Formula 1 e das Interseries. Se me der luz verde hoje mesmo, em 1972 estaremos lá.
- Hmmm... é possivel?
- É. Aliás, se quiser fazer uma aposta comigo, eu aceito.
- Qual é?
- Sou capaz de desenvolver 520 cavalos nesse V12 que desejo em 72, e dali a dois anos, 600. Se conseguirmos, seremos simplesmente campeões do mundo. Eu penso que é possivel, e se não conseguir fazer isso no final de 1974, pode simplesmente despedir-me.
- Gosto da ideia. E a quem é que vamos fornecer tal bomba?
- A ninguém. Faremos sozinhos. Vamos desafiar a Ferrari nas pistas. Venda os carros e arranje um bom financiador, que eu construo os motores. Garantido!
Agostini sorriu ao que ouvia, e respondeu:
- Você tem "coglioni", Cavenaghi. Daqueles de Touro, como o simbolo da nossa marca. Vou dar-lhe a sua prova de confiança. Que precisa?
- Por enquanto... nada. Tenho tudo aqui. E provavelmente nem vai gastar muito dinheiro para o desafio, por agora. Basta não cortar no financiamento... logo, tem de arranjar um bom comprador. Ou um bom patrocinador.
Depois de um primeiro momento, De Agostini riu-se e estendeu a mão, em sinal de confiança. A partir dali, aquele era o primeiro passo da verdadeira entrada da Lamborghini na Formula 1.
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No resto do Verão de 1970, as coisas organizaram-se rapidamente. Andrea de Agostini conseguiu convencer um milionário suiço, Pieter Hauser, para que comprasse 51 por cento das acções da Lamborghini Automobili, enquanto que a divisão de tratores era também vendida, mas a cem por cento, à uma sua concorrente. O nome permanecia, mas seguiria o seu caminho. A venda foi muito lucrativa, o equivalente a três milhões de dólares, e o mesmo tinha sido dado pelos 51 por cento da divisão automobilistica, o que muitos achariam exagerado.
Entretanto, as vendas da marca tinham aumentado nos Estados Unidos, graças a uma estratégia de marketing agressiva, mas Hauser achava que não seria mau de todo se apostassem num carro mais acessivel, saindo um pouco do segmento de "supercarro". A ideia dele era fazer algo equivalente ao Porsche 911, e que estaria pronto por alturas do arranque do projecto da Formula 1, do qual também era apoiante.
Hauser manteve De Agostini à frente da fábrica, pois sabia que era melhor não mexer nas equipas vencedoras. E ao longo de 1971, o motor era melhorado dia a dia. Primeiro, na potência. No final de 1970, fizeram-se os primeiros ensaios no bloco do V12 de 3 litros. Primeiro, conseguia-se dar 410 cavalos. Mas não aguentava mais do que cem, 120 quilómetros em banco de ensaios, a mais de 7500 rotações por minuto.
Incessantemente, procurou por materiais resistentes. Descobriu o titânio, mas era caro demais para ser produzido, então decidiu fazer uma liga de aluminio mais forte, com materiais os mais resistentes possivel. Isso diminuia a potência, a principio, mas aumentava consideravelmente a fiabilidade. Em Setembro de 1971, estava muito perto dos 500 cavalos, a uns impressionantes 10.500 rotações por minuto e a sua fiabilidade já ultrapassava os 450 quilómetros. Andava muito perto do objectivo proposto, logo, Cavenaghi era um homem feliz: tinha feito a sua parte!
Faltava a parte do chassis. A Lambo tinha o projetista da casa, Carlo Caparino, que também projetava os automóveis de estrada. Este começou por projectar um chassis básico, com a ajuda de um dos irmãos Pedrazani, da Tecno, em troca destes usarem um dos seus túneis de vento para desenvolver o chassis. Em meados de 1971, estava construido um primeiro protótipo, de forma secreta, e quando instalaram o motor, Cavenaghi pediu a John Hogarth, que meses antes, em Monza, tinha aceite o convite para tomar conta do projeto automobilístico da marca, para que desse as suas primeiras voltas no carro, em Imola.
Quando em meados de 1970, John não tinha ficado impressionado com o que tinha experimentado, ficou sem vontade de voltar a pisar o palco após aquela temporada final na McLaren. Mas na véspera dos eventos que levaram ao acidente mortal de Pierre de Beaufort, Cavenaghi explicou o que estava a acontecer na fábrica, convencendo-o a aceitar o desafio para desenvolver o carro e organizar uma equipa capaz de rivalizar com as existentes: McLaren, Matra, BRM, Ferrari, Jordan e a Apollo.
No final da temporada de 1970, Hogarth veio a Itália começar a trabalhar na Lamborghini como director técnico, mas também com a possibilidade de ser piloto ocasional de testes, quer para a Formula 1, quer pela Interseries. No inicio de Outubro de 1971, quase um ano depois de ter dado mãos à obra ao projecto, testou o motor V12 desenvolvido pelo engenheiro ítalo-argentino, na pista de Imola. Após meia dúzia de voltas, num chassis McLaren altamente modificado na Tecno, tinha saido do carro a dizer, espantado:
- Quem fez este motor?
- Eu, afirmou Cavenaghi.
- Não acredito.
- Mas é verdade, fui eu, e todos lhe dirão o mesmo.
- Então és um génio, rapaz. Guio carros há mais de 15 anos, já guiei Ferrari, BRM, Yomura, Cosworth, e nunca vi nada igual. Isto é ouro, acredita!
Pedro e os outros engenheiros sorriram abertamente.
- Quem vai guiar isto?
- Pena não ser você a guiar o carro...
- Nesse aspeto, repito o que te disse em Monza: estou demasiado velho. Vou a caminho dos 42 e quero sopas e descanso. Sou um sobrevivente, filho, e pretendo continuar assim.
- Mas sempre quer ser o director desportivo da marca?
- Claro... foi por isso que estou aqui. Desde que possa ser eu a escolher pilotos.
- Assim seja. Mas há uma condição: um deles tem de ser italiano.
- Então, vão-me buscar o Guarini. A qualquer preço.
- Está na Ferrari...
- E não brigam com ela? Então, eis uma chance de darem nas vistas.
- Muito bem, seguiremos o teu conselho. E o outro?
- Nesse aspeto, deixem isso comigo.
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