Chamam-lhe “El Maestro”. Outros o chamam de “El Chueco” (O Manco), mas toda a gente reconhece que foi uma dos melhores pilotos de todos os tempos. Calmo, intransponível e até enigmático, levava os seus carros até ao seu limite aceitável, sem arriscar o seu pescoço. Só que o seu limite era bastante superior do que o resto da concorrência e muitos morreram ao tentar superá-lo. Daí ele ter afirmado certo dia: “Conheci pilotos mais corajosos do que eu. Estão mortos”. Foi um dos pilotos que correu na temporada inicial da Formula 1, em 1950, numa idade em que todos optam pela sua retirada, aos 39 anos, mas conquistou o seu último título mundial com 46 anos, após ter conseguido aquilo que ficou para toda a gente como a sua melhor corrida de sempre, no perigoso Nurburgring Nordschleife. E outro exemplo da sua genialidade era a sua adaptação a qualquer carro: foi campeão em quatro modelos diferentes. Alfa Romeo, Mercedes, Ferrari e Maserati. No ano do centenário do seu nascimento, falo de Juan Manuel Fangio, o maior piloto que a Argentina já deu.
Vinte e quatro de Junho é do Dia de São João, e nesse ano de 1911, em Balcarce, os Fangio, de descendência italiana, esperavam pelo nascimento do seu sexto filho. Loreto, o pai, e Hermínia, a mãe, poderiam ter, respectivamente, 28 e 25 anos, mas já tinham tido cinco filhos: Hermínia, José, Célia, Ruben e Cármen. Pela meia-noite e dez desse dia, na Calle 13, nascia Juan, batizado em honra do santo desse dia. Começou a estudar aos cinco anos, mas aos nove, já trabalhava numa ferraria onde se reparavam os carros da zona de Balcarce. A partir de então, aprendeu o oficio de mecânico, enquanto prosseguia os estudos, até 1924, altura em que se empregou na Ford Argentina como aprendiz de mecânico.
Lá, começou a aprender tudo que fosse automóvel, e também aprendeu a conduzir. Em 1929, aos 18 anos, Fangio começou a participar em corridas locais, como ajudante de Manuel Ayeza, num Ford A modificado. Nessa altura, as Carreteras eram corridas entre cidades, em vez de serem em circuitos fechados. Eram corridas longas e duras, em estradas muitas vezes de terra batida, pois eram raros os quilómetros de asfalto na Argentina. Continuou a correr em 1930 e 31, antes de a interromper para cumprir o serviço militar. Quando regressou da tropa, Fangio montou o seu negócio em companhia de José Duffard, ao mesmo tempo de corria e jogava futebol nos clubes locais, como Leandro Alem e Bartolomé Mitre. Foi aí que ganhou a alcunha de “El Chueco” devido às suas pernas arqueadas, e o seu talento foi o suficiente para chamar à atenção de clubes do Mar del Plata.
Mas apesar disto tudo e da sua participação em corridas, não era piloto, apenas mecânico. A sua primeira oportunidade nesse aspecto aconteceu em 1936, quando concorreu numa prova de Turismo Carrera, a bordo de um Ford A modificado por ele mesmo. Apesar do negócio sempre crescente, Fangio não estava completo: “O automobilismo me apaixonara, e com todo o espírito de aventura que me leva. E, pensei que se ganhasse uma corrida, seria boa promoção para a nossa oficina”, contou anos depois.
O Ford A modificado, um táxi emprestado pelo pai de “Pinchon” Viangulli, um dos seus amigos da oficina, tinha pneus dados pelo comissário municipal, Óscar Rezusta, e com os macacos para trocar os pneus providenciados por outro taxista de Balcarce, participou numa corrida a 24 de outubro daquele ano, em Benito Juarez. O carro modificado fez uma boa corrida até à 23ª volta, altura em que uma biela do motor se fundiu. Fangio, que corria sob pseudónimo de “Rivadalvia”, andava pela terceira posição.
Apesar do aparente mau resultado da corrida, o seu desempenho fez com que participasse em mais corridas ao longo de dois anos, obtendo bons resultados e ganhando prestigio a nível local, e a sua cidade começou a apoiá-lo, fazendo tômbolas para tornar possível a compra de carros melhores, pois as suas vitórias levavam o nome pelo resto da Argentina, e mais tarde, pelo resto da América do Sul.
Em 1938, participa na sua primeira corrida oficial, em Necochea. Qualficou-se em quinto e acabou na sétima posição final, depois de ter sido terceiro na primeira manga. Um resultado encorajador, mas ainda faltava muito para chegar às vitórias. E a mais importante, a que projetou o seu nome a nível internacional, aconteceu em 1940. Nesse ano havia o Grande Prémio Internacional do Norte, uma prova de nove mil quilómetros entre Buenos Aires e Lima, a capital do Peru… e volta. Fangio corria num Chevrolet 39 Coupé, comprado graças a uma tômbola entre os habitantes da cidade. Depois de dias em que a resistência do piloto era levado ao limite, Fangio levou a melhor sobre a concorrência, e aos 29 anos, a sua fama crescia.
Começou a correr em pistas de circuito de asfalto, quer na Argentina quer no estrangeiro (ganhou no Brasil o Circuito Presidente Vargas em 1941, batendo Oscar Galvez) mas em 1942, a sua carreira é interrompida quando o governo de então decide racionar a gasolina devido aos eventos da II Guerra Mundial. As corridas são banidas, apesar da Argentina ser um país neutral, e Fangio volta à sua oficina, mas com mais uma coisa: compra camiões usados e vendendo pneus, cuja importação tinha sido banida. Assim foi ao longo de três anos, até ao final da guerra. Quando acabou, Fangio vendeu os camiões, que tinham uma enorme procura, pois precisavam deles para transportar as safras de grãos e carne para uma Europa devastada pelo conflito. Fangio prosperou e guardou o dinheiro para comprar carros novos.
E com o final a II Guerra, as restrições à venda de gasolina foram levantadas e as corridas de automobilismo voltava a acontecer no país. Em 1947, Fangio pegou num ford T modificado e foi correr em provas de Turismo Carrera, ganhando no circuito de Retiro, em Buenos Aires, e alguns meses depois, fez o mesmo em Rosário. No ano seguinte, ganhou em Pringles e Entre Rios, antes de ir correr para o Uruguai e Estados Unidos, graças ao apoio do Automovil Club de Argentina (ACA). No Verão, vai para a Europa, onde as suas prestações são mais do que suficientes para receber o convite de Amedeé Gordini para guiar um dos seus carros. Fangio aceitou e fez a sua estreia europeia em Reims. As suas prestações eram mais do que suficientes para que fosse convidado para fazer nova temporada na Europa, no ano seguinte.
Mas a carreira na Europa esteve para não acontecer. Em outubro desse ano, no Peru, Fangio participa numa prova de estrada, o Gran Premio de la América del Sur. Na zona de Huanchasco, tem um acidente com um Chevrolet e o seu navegador, Daniel Urrutia, morre. Devastado, Fangio pondera abandonar a competição por uns tempos, mas acaba por voltar à competição, deixando de vez esse tipo de corridas e concentrando-se nas provas de circuito.
No inicio de 1949, pega num motor de camião Chevrolet e foi correr no circuito de Palermo, em Buenos Aires, contra todas algumas estrelas internacionais, e bate-os, mas não vence a corrida, esta ganha por Oscar Galvez. Em Mar del Plata, em março, é o vencedor, e depois viaja para a Europa para demonstrar a sua classe perante os melhores. Com a prosperidade pós-guerra e o apoio do Automóvel Clube Argentino (ACA) e do governo argentino, de Juan Peron, adepto do automobilismo, leva uma embaixada para Itália onde corre e consegue alguns bons resultados. As corridas de San Remo, Pau, Perpignan, Albi, Marselha e Monza foram ganhas por ele. No regresso, é recebido por Juan Peron na Casa Rosada e é honrado pelo Automovil Club de Mendonza, por mérito.
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