No passado dia cinco de julho comemorou-se o centenário do nascimento de Georges Pompidou, antigo primeiro ministro sob a batuta de Charles de Gaulle, e depois da demissão deste, em 1969, tornou-se Presidente da República, cargo no qual se manteve até à sua morte, a 2 de abril de 1974, aos 62 anos, vítima de um linfoma detectado no inicio do seu mandato como presidente e que o escondeu até ao fim. Tanto que o anuncio da sua morte, às nove da noite desse dia, deixou a França em estado de choque.
Um dos blogs que normalmente acompanho é o francês "Memoire des Stands" e esta semana coloca um post dedicado a Pompidou. E ele tinha dois amores: a arte e o automobilismo. Sobre o primeiro, conhece-se bem esse legado que é o Centre Pompidou, no centro de Paris, projetado quando era primeiro-ministro e inaugurado em 1977, três anos após a sua morte. Mas do segundo, não é muito conhecido fora de França. E é sobre isso que falo hoje.
Licenciado em Literatura - onde conheceu e tornou-se amigo de Leopold Senghor, o primeiro presidente do Senegal independente - foi professor de Liceu e conheceu Charles de Gaulle no final da II Guerra Mundial. Mas o seu envolvimento na politica começa apenas em 1958, quando De Gaulle sobre a Presidente e inaugura a V Republica. Pompidou, que estava a trabalhar no Banco Rotschild, torna-se chefe de gabinete. Quatro anos depois, torna-se primeiro-ministro.
E é aqui que começa com mais intensidade o seu envolvimento com o automobilismo. Porquê? A Matra deve muito a Pompidou, pelo menos nos seus incentivos. Pompidou, no seu dia-a-dia, sabe o poder do automóvel e a sensação de velocidade que lhe dá. O seu automóvel do dia-a-dia, nos tempos do Banco Rothschild, é um Porsche 356, do qual irá lamentar não poder usar muito nos tempos de primeiro-ministro. Assim, para não ficar parado, deu-o à sua mulher, desde que pudesse usá-lo nos finais de semana ou nas férias. O carro ficou na familia durante quase cinquenta anos, e agora está num museu.
Voltando ao automobilismo e á Matra: Pompidou é presença frequente nas 24 horas de Le Mans e nos Grandes Prémios de França de Formula 1, especialmente a partir de 1965. No ano seguinte, De Gaulle cruza-se com Jean-Luc Lagardére, que tinha construido o Grupo Matra e nesse ano tinha adquirido a companhia automóvel René Bonnet, e lhe diz "Você ganha corridas, mas não tem um motor francês". Pompidou ouve a conversa e para ele é um sinal de consentimento a dar incentivos à equipa. No ano seguinte, concede um subsídio de sete milhões de francos à Matra, e Lagardére, em resposta, promete que em cinco anos, irá vencer as 24 horas de Le Mans com esse motor. Pompidou diz: "Nessa altura, provavelmente estarei fora da politica, mas posso lhe dizer que o visitarei em Le Mans."
Com esse dinheiro, Lagardére constroi o seu V12 e mete a sua equipa na Formula 1 e em Le Mans, com resultados óbvios: graças à liderança de Ken Tyrrell e às capacidades de pilotagem de Jackie Stewart, a Matra consegue o título mundial de pilotos e construtores em 1969, acompanhados de dois pilotos franceses: Jean-Pierre Beltoise e Johnny Servoz-Gavin. Mas Tyrrell usa nesse ano motores Cosworth V8, que sabe serem melhores do que os V12 da Matra. Quando Lagardére quer que Tyrrell largue o seu contrato com a Cosworth para usar os seus motores, Tyrrell decide seguir o seu caminho, levando Stewart consigo, e comprando chassis da recém-chegada March. no final desse ano, começa a construir os seus próprios chassis.
Em 1972, Pompidou já era presidente a Matra ainda está nas duas frentes: Formula 1 e Le Mans. Mas da primeira frente interessa-se cada vez menos (nesse ano só inscreve um carro, para o neozelandês Chris Amon) e aposta todas as fichas para as 24 Horas, pois queria ser o primeiro construtor francês a vencer essa prova desde 1950. Pompidou cumpre a promessa e está lá, com Lagardére a dizer: "Senhor Presidente, por si vamos fazer algo que nunca se deve fazer numa corrida de Endurance: ocupar os três primeiros lugares no final da primeira volta."
Lagardére tinha razão ao dizer tal coisa: no inicio da segunda volta, o motor do carro de Beltoise explode à vista do público e dos VIP's... Mas mesmo assim, vê a dupla Graham Hill e Henri Pescarolo a vencer destacadamente aquela que virá a ser a primeira das suas três vitórias consecutivas na clássica da Endurance. Pouco depois, Pompidou convida a equipa vencedora à sua residência oficial, o Palácio do Eliseu.
Por essa altura, a Renault também queria fazer o seu programa desportivo e tinha entregue um pedido de subvenção para a construção de um motor V8 de três litros, como era norma na Formula 1. A Renault, nacionalizada em 1944 pelo governo gaulista como castigo pela colaboração do seu fundador Louis Renault às autoridades de ocupação alemãs (morrerá na prisão nesse mesmo ano), tinha adquirido duas preparadoras, a Alpine e a Gordini, e queria apoio estatal para os seus projetos. Pompidou leu o dossier e respondeu: "A Regie terá o que quer e não pagará qualquer tostão!" Só que pouco tempo depois, a Renault mudou os planos e decidiu construir um motor Turbo. Primeiro para Le Mans, depois para a Formula 1.
Mas é nessa altura em que está no poder que as vias rápidas e as auto-estradas conhecem um enorme impulso. Serão construidos mais de dois mil quilómetros de auto-estrada, que ligam Paris até às grandes cidades como Marselha e Lyon, e constrói também uma série de vias rápidas à volta da capital francesa. Conta-se certo dia, que quando ouve as criticas aos seu planos de expansão de estradas, desabafou: "Cessez d'emmerder les Français, les Français aiment la bagnole!" (Parem de lixar os franceses, eles amam as suas viaturas!)
São anos de prosperidade despreocupada, pré-choque petrolífero de 1973, que o incomodará nos últimos seis meses da sua presidência (e da sua vida).
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