Como qualquer amante do automobilismo, sou bastante critico da posição atual da Formula 1, do rumo que esta está a tomar, devido à sua busca quase incessante de dinheiro, especialmente na Ásia e Médio Oriente, por parte de Bernie Ecclestone. Esta semana lia o The Mole, o blog provavelmente mais "insider" da Formula 1 que pode existir, e dizia que a principal razão pelo qual a Formula 1 estava no Golfo Pérsico, por exemplo, era que a CVC Capital Partners, que comprou a FOM (Formula One Management), tinha feito algures em 2006, um enorme emprestimo - mais de mil milhões de dólares - e uma das maneiras de pagar rapidamente esse empréstimo era o de ir para a Ásia, para países como Singapura, India, China ou Bahrein, era que ganhariam um "status" e respeitabilidade na cena internacional. Em suma, tiques de novo-rico.
E com Bernie Ecclestone a mandar no circo, como faz há mais de 35 anos, onde ele quer é onde vai. E foi por isso que a Formula 1 está no Bahrein: porque as autoridades locais lhe pagam sem problemas 40 milhões de dólares para o ter, numa ilha pequena, no meio do Golfo Pérsico, e com uma população de menos de um milhão de habitantes. Tem um enorme poço de petróleo debaixo dos seus solos, e com o preço do petróleo pela hora da morte, ganham milhares de milhões de dólares, só nessas receitas.
Contudo, estes são tempos agitados. O Médio Oriente vive a sua Primavera Árabe, com revoluções na Tunisia e Egito, com gerras civis na Líbia e Síria, ditadores pendurados na ponta de uma corda, como aconteceu a Muhammar Khadaffi, e o Bahrein não foi excepção. Houve agitação social em fevereiro desse ano, e este foi tal que as autoridades não tiveram outra alternativa que cancelar o Grande Prémio, que iria ser a primeira corrida do ano. E para isso, tinham pago... 60 milhões de dólares.
Contudo, Bernie Ecclestone quer que a Formula 1 volte ao Bahrein este ano. Nunca desistiu disso. Tentou remarcar a corrida para outrubro de 2010, e só após muitos protestos, é que recuou nessa decisão. E agora quer levar para lá, custe o que custar, para compensar os 40 milhões - agora - que o regime barenita paga. Mas a situação não se acalmou, muito pelo contrário. Continuam as manifestações, as agitaçoes, as mortes. Podemos ser neutros até um certo ponto, mas não podemos ser surdos. Há sempre "linhas vermelhas" do qual estabelecemos em nós mesmos e do qual não atravessamos, pois faz parte da nossa "persona".
E como Ecclestone tomou o partido de um lado, quando decidiu levar a Formula 1 para o Bahrein, contra tudo e contra todos, eu tomo o partido do outro. Ou seja, decidi boicotar o GP do Bahrein, da mesma forma que tomei a decisão de não falar sobre o GP da Hungria de 2010, após a decisão da Ferrari em que Felipe Massa de ceder a vitória a favor de Fernando Alonso.
Não acredito - e não me tentem convencer - que a Formula 1 "leve alegria ao povo barenita" como o governo quer fazer crer. Aliás, duvido que a Formula 1 naqueles lugares seja um desporto popular, como é na Europa. Sempre acreditei que a história do Bahrein não é mais do que o sonho de um "petrolhead" que está num lugar muito proeminente, o principe herdeiro. O governo gastou mais de 150 milhões de dólares para construir um circuito decididamente aborrecido, do qual a extensão de 2010 o fez aborrecer cada vez mais. Também sempre achei o GP do Bahrain um "corpo estranho" do qual uma pessoa pagou tudo o que Ecclestone pediu só para dizer aos seus amigos: "Vêm? Trouxe a Formula 1 ao meu lugar". Que a Formula 1 vive numa bolha, isso é certo. Mas sempre achei a Formula 1 no Bahrein um desses extremos.
Suspeito que se isto for para a frente, será um desastre de relações públicas. Nada impede os manifestantes de invadirem a pista e perturbarem os treinos ou a corrida. Certamente que a população fará demonstrações hostis, do qual a policia reprimirá com gás lacrimogéneo, coisa que fazem há muitas semanas. Recomendo-vos um artigo que li esta semana na versão inglesa da Al-Jazeera, onde se fala que esse ar crescentemente irrespirável poderá ter efeitos a longo prazo nas pessoas, especialmente nas crianças. Um dos piores pesadelos será eles fazerem manifestações no final de semana de Grande Prémio, do qual a policia poderá reprimir com gás lacrimogéneo, e isso afetar pilotos ou funcionários das equipas.
E também há outra coisa do qual eu boicoto o Bahrain: aquilo é um tilkódromo. Um aborrecido tilkódromo. Simboliza toda aquela modernidade irritativa e aborrecida e que nos impõem. Para mim, é como se fosse óleo de figado de bacalhau: engulo aquilo com dificuldade. Os únicos que deixo "escapar" serão Sepang e Istambul, e este último já não está mais no calendário da Formula 1. E pior do que isso, não "engulo" de todo a existência de um circuito urbano em Valencia, uma cidade que tem uma pista permanente como o Ricardo Tormo. Só porque é desenhado pelo Hermann Tilke? É mais um exemplo, se quiserem, de como a Formula 1 é há muito tempo uma "Formula Ecclestone".
Em suma: a Formula 1 não deveria tomar partido por ninguém. É uma competição desportiva e não politica, mas com Bernie Ecclestone ao leme, ou a puxar os cordelinhos, é infelizmente o dinheiro que manda. E muitas vezes no passado, os regimes autoritários pensaram muito em operações de relações públicas, para passar ao resto do mundo uma imagem de normalidade. Foi assim na Argentina entre 1977 e 1981, e um pouco no Brasil, no tempo do regime militar, foi assim na Africa do Sul no tempo do "apartheid", que foi a unica modalidade que visitava o país, muito depois do Comité Olimpico Internacional, a FIFA e até as organizações de rugby e cricket o tivessem banido. Até 1985, quando grande parte dos governos ocidentais exigiu à então FISA para que cancelasse o Grande Prémio. Nesse aspecto, Bernie Ecclestone mostrou-se um teimoso de primeira classe, fazendo com que a corrida fosse adiante. Com estes episódios do passado, não é agora, no "baixo" dos seus 81 anos, que vai mudar de opinião ou cederá às pressões da maioria. É por isso que adora ditadores, regimes autoritários, ou se preferirem, os que pagam o preço que pede sem fazer perguntas...
Mas se Bernie Ecclestone pode tomar partido por governos autoritários, para poder receber do seu bolso o dinheiro que lhes pagam, eu também posso tomar partido. E o meu é simples: boicoto o GP barenita. E como eu, muitos pensarão e farão assim, mesmo os que não vão para lá cobrir o Grande Prémio e os que ficam como eu, sentados nas suas secretárias a escrever sobre aquilo que mais gostam.
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