Para os que viram tudo isto ao vivo, em Imola e nas televisões de todo o mundo, naquele dia, foram imagens que não vais mais esquecer. Eu, particularmente, lembro-me de tudo o que fiz nesse dia, do momento em que acordei até quase à hora de me deitar. E até me lembro dos eventos que aconteceram no mês anterior à sua morte. Sei em que dia foram as primeiras eleições multipartidárias na Africa do Sul. Sei que o Kurt Cobain morreu três semanas antes disto. Sei quando morreu Richard Nixon, o presidente que se demitiu devido ao escândalo Watergate, porque foi uma semana antes, sei quando é que começaram os massacres no Ruanda, porque foi também três semanas antes destes eventos. Sei de cor e salteado os seis primeiros classificados desse dia e quem fez a volta mais rápida.
Tudo isto que vos disse é o resultado do que dá imprimir na tua mente um dia que foi um choque para mim e para toda uma geração, semelhante ao que iriamos ver, sete anos depois, quando os dois aviões bateram no World Trade Center, a 11 de setembro de 2001.
Agora olhas para o calendário e descobres que já passaram dezoito anos sobre este dia. Uma maioridade. Descobres que os bebés desse tempo viraram adolescentes e que desejam tirar a carta de condução para sair à noite com os colegas e beber copos. Isso era o que tu pensavas nessa altura, quem tinha 17, 18 anos, como eu, porque era esse o meu desejo maior, mais até do que ir para a Universidade: tirar a carta de condução. Sei guiar há dezoito anos, mas parece que foi no ano passado ou algo assim que tenho o famigerado documento rosa.
Em suma, estamos a ficar velhos. A vida continua, e só notamos isso quando vemos os cabelos brancos e a careca, A barriga a crescer e o maior cansaço que temos quando andamos. Ou então, para quem tem filhos mais pequenos, as noites sem dormir porque o rapaz ou a rapariga acordam a meio da noite e dizem que querem fazer xixi.
Porque é que, ano após ano, voltamos sempre neste 1º de maio e falamos sobre ele e sobre o que aconteceu? Porque é que fazemos tal coisa, se não falamos tanto assim sobre o dia em que as torres do World Trade Center cairam perante os nossos olhos, que foi um ato terrorista que causou muitas mais mortes?
Creio que há uma explicação psicológica ou sociológica sobre o que aconteceu, mas eis a minha versão dos acontecimentos, que se resume à ideia do ídolo. Aquele que faz representar as ideias e os anseios de toda uma geração. A ideia da esperança, da capacidade de superação, de ser "alguém como nós". De alguém que "nos" pertence - nós, povo - e que nos faz mostrar ao mundo aquilo que nós somos. É como a geração mais nova com o Cristiano Ronaldo e o Leonel Messi. Os argentinos e os portugueses, quando se identificam fora do país, ou num lugar distante, os locais lembram-se de que eles são do pais de Messi e Cristiano.
Ayrton Senna era isso, num país em frangalhos em termos económicos, politicos e sem auto-estima como era aquele país nos anos 90: era o Brasil que dava certo. Dava certo com o Nelson Piquet, tinha dado certo - ou mostrado ao mundo - com Emerson Fittipaldi ou o Pelé e o futebol. Só que o brasileiro quer mostrar ao mundo que "somos os melhores". O segundo lugar não serve. É por isso que enxovalharam Rubens Barrichello - ainda mais depois do episódio da Austria - e agora no caso de Felipe Massa.
Creio que vá demorar duas ou três gerações até que se comece a discutir Ayrton Senna com distanciamento, pelo menos no Brasil. Quando as pessoas que estavam à frente da televisão naquele 1º de maio de 1994 copmeçarem a desaparecer fisicamente, e as testemunhas do que estiveram em Imola forem muito poucas, tão poucas que serão procuradas por equipas de cinema para os documentários, se calhar, poderemos discutir Senna sem ser ídolo ou mito.
Ainda bem que todos no Facebook e noutros lados se lembram dele, colocando as suas imagens no lugar das suas fotos. Bom saber que não foi esquecido, que "viverá eternamente" nas nossas mentes e corações, que as novas gerações o vão descobrir e adorar, e que aquele dia foi uma ferida nas suas vidas. Acredito até que isso sirva para expressar a sua admiração por ele e até que ponto sentem a sua falta. Mas gostaria também de dizer que a vida continua, e a melhor coisa que poderiam fazer para honrar a sua memória seria nas vossas vidas do dia a dia. Fazer daquilo que dizia e fazia, para se superar e ele mesmo e aos outros, a vossa filosofia de vida, vencer.
Se calhar essa pode ser a melhor homenagem que já fizeram a ele.
Lindo texto. Parabéns
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