Há alguns dias, ainda no mês de abril, comprei um exemplar da revista britânica Motorsport, aquela que considero a melhor revista de automobilismo do mundo. É aquele tipo de revista que gostaria de fazer um dia, numa das novas plataformas da Internet, onde agora se pode colocar toda uma edição e se pode até ganhar algum dinheiro, desde que se possa arranjar a devida publicidade para viabilizar tal projeto.
Mas a razão porque gastei 10,50
euros por algo assim – nunca gastei tanto dinheiro por uma revista, confesso! – foi pela
razão que se comemorou a vida e carreira de Gilles Villeneuve, que no próximo
dia oito de maio se comemorará os 30 anos da sua morte, na pista belga de
Zolder. E assim sendo, para começar, coloco aqui a coluna mensal escrita por um
dos jornalistas que acompanharam Villeneuve no seu tempo, e eventualmente se
tornou num dos seus amigos no “paddock”: Nigel Roebuck.
O seu artigo é tão grande e tão extenso que achei por bem dividir isto em três partes, que publicarei entre domingo e terça-feira, para demonstrar as suas impressões sobre este piloto canadiano que deixou uma marca no automobilismo, e porque, após estes anos todos, continua a ter um lugar especial no coração dos "petrolheads", um pouco por todo o mundo.
“O final de maio de 1981 foi um
tempo muito ocupado para mim. No dia 24 de maio estava em Indianápolis para
assistir às minhas primeiras 500 Milhas, e na noite a seguir estava a voar para
casa, chegando na terça de manhã a Londres. 24 horas depois, estava de volta a
Heathrow para um vôo em direção a Nice para o GP do Mónaco, que iria decorrer
no domingo seguinte. Se era puxado para mim, imaginem para Mário Andretti, que
estava a competir em ambos os eventos.
As pessoas hoje em dia custam a
acreditar que, por muitos anos, era assim como Andretti governava a sua vida
profissional. No final dos anos 60 e inicio dos anos 70, ele guiava em tudo que
era corrida, em tudo que era carro, sempre que o calendário da Indycar
permitia. E mesmo quando em meados dos anos 70 ele inverteu as suas
prioridades, passando a focar-se na Formula 1, ia correr na Indycar sempre que
podia. Aliás, a sua primeira corrida após ter vencido o seu título mundial, em
setembro de 1978, em Monza, foi uma
corrida da Indycar em Trenton, ao serviço da Penske. E ganhou.
Por alturas da Indianápolis 500 –
mas particularmente nos fins de semana da qualificação – Mário estava sempre a
mercê de potenciais problemas, principalmewnte os relacionados com o boletim
meteorológico. Em 1981 esteve na Speedway na primeira semana, mas choveu
durante grande parte dela, logo não teve a oportunidade de fazer as suas voltas
de qualificação. Para outro piloto qualquer, isso não tinha muita importância,
pois havia uma segunda semana, que nesse ano, apesar das condições atmosféricas
ameaçarem chuva, a pista esteve seca.
Mas para Mário isso foi um
problema, porque nessa semana, estava em Zolder, a correr ao serviço da Alfa
Romeo. Na sua ausência, Wally Dallenbach qualificou o seu Wildcat-Cosworth da
Patrick Racing no 32º lugar, a última fila da grelha. Mário fez uma corrida
fantástica, chegando ao fim na segunda posição, muito perto do Eagle vencedor
de Bobby Unser, que guiava pela Penske. Contudo, quando abandonei o circuito
nessa noite, circulavam rumores de que poderia haver um protesto contra Unser
por este ter, alegadamente, ultrapassado vários carros sob bandeira amarela
quando regressava à pista após uma paragem para reabastecimento. Para mim,
nunca houve em ‘alegado’ infrigimento: tudo isso aconteceu à minha frente.
No dia seguinte, estava a meio de
um vôo de Indianápolis para Washington, e o piloto anunciou para os passageiros
a seguinte informação que Unser tinha sido penalizado por uma volta devido à
transgressão, e por isso, Mário Andretti tinha sido declarado o vencedor da 65ª
edição das 500 Milhas de Indianápolis. Aparentemente, toda a gente no avião
ficou contente com o que tinha ouvido.
Porém, Roger Penske decidiu
apelar da decisão, e 138 dias depois – não mais, não menos – a USAC, a United
States Auto Club, decidiu dar razão ao apelo de Penske, voltando atrás na
decisão de penalizar Unser e em vez disso, aplicou-lhe uma multa de 40 mil
dólares. Até hoje, Andretti permanece amargo acerca dessa decisão.
Contudo, quando estávamos a ir
para o Mónaco, naquela última semana de maio de 1981, Mário era todo sorrisos.
Na quinta-feira de manhã, durante a primeira sessão de qualificação, quando
passávamos pelas boxes da Ferrari, veio uma pequena figura a correr atrás de
nós para o abraçar. Era Gilles Villeneuve, muito contente com o sucesso de
Andretti. Quando recentemente perguntei ao Mário quais eram as suas memórias de
Gilles, ele se lembrou daquele momento: ‘Quando penso nele agora, a primeira
coisa que vem à minha cabeça é o seu sorriso…’
Eu alinho na ideia. Como Jody
Scheckter disse certo dia, ‘Mais do que todos nós, Gilles estava apaixonado
pelo automobilismo’, e isso via-se pela sua cara. Por muito mau que o carro pudesse
estar naquele final de semana, o ambiente no paddock era verdadeiramente a sua
casa. Villeneuve era um corredor no seu estado puro, uma categoria onde
colocaria apenas Mário Andretti e Stirling Moss.
O maior corredor britânico de
todos os tempos, que nunca venceu o campeonato do mundo, contou-me certo dia quando
é que esse assunto não o preocupou tanto. Em 1955, 56 e 57, Moss ficou atrás de
Fangio, e era algo que podia aceitar – para ele, Juan Manuel será o melhor piloto
de sempre – mas em 1958 voltou a ser segundo, e desta vez perdeu para Mike
Hawthorn, que ele não o considerava como o seu igual, quanto mais seu superior.
Mais do que isso, ele venceu quatro Grandes Prémios, enquanto que Hawthorn
venceu apenas um: se vencer não era considerado como o fator para ganhar o
campeonato do mundo, talvez isso afinal não era assim tão importante. Afinal de
contas, para Moss, vencer corridas tinha sido sempre o seu fator
importante.
Com o passar dos anos, essa visão
tornou-se cada vez menos importante – de facto, o campeonato do mundo no seu
todo tornou-se importante, e muitas das vezes, o campeão do mundo não era o
melhor piloto da temporada. Isso não importava: era o campeão que ficava
registado nos anais da História e muitos não ganham relevância para além disso.
Essa é uma visão que não subscrevo – aliás, pergunto-me como seria se em 1999,
o McLaren de Mika Hakkinen tivesse tido algum tipo de problema em Suzuka e
Eddie Irvine tivesse acabado como campeão do mundo pela Ferrari.
Quando penso nos meus anos na
Formula 1, são as corridas em si, e não os campeonatos, que me vêm à baila, e é
nas corridas – nos dias da corrida – que as lendas são moldadas. Se tirarem o
romance do automobilismo, mais vale colecionar selos do correio.
Quando a Vanwall decidiu abandonar
a competição, após a morte de Stuart Lewis-Evans em Casablanca, Moss podia
obviamente escolher a equipa onde poderia correr, mas em vez de uma equipa de
fábrica, mas em vez disso, decidiu correr pela Rob Walker Racing, uma equipa
privada. Aqueles que o acharam louco não entendiam o seu pensamento: se
vencesse o campeonato do mundo, era ótimo, mas acima de tudo, estava a fazer
aquilo que mais gostava. Rob era um amigo de longa data – uma relação
semelhante a de Ken Tyrrell e Jackie Stewart, que fizeram um acordo selado com
um simples aperto de mão – e havia também o desejo mais ou menos secreto de
‘dar uma lição às equipas de fábrica’ batendo-os com um carro privado,
ligeiramente obsoleto, simbolizando o talento do piloto. Afinal foi com Moss e
a Rob Walker Racing que a Cooper [Argentina 1958] e a Lotus [Mónaco 1960]
tiveram as suas primeiras vitórias como construtoras de chassis.
Se há alguém que não compreende a
motivação de Moss, então também não haverá muitos que “compreendam” Gilles
Villeneuve. Não me surpreenda que Moss adorasse a face corredora de Gilles, mas
se olharem nas páginas mais adiante aos testemunhos dos que privaram com ele,
irá ler as suas comparações a pilotos que não venceram “campeonatos do mundo”.
Logo, a Stirling Moss.
Villeneuve, obviamente, deixou
muito pouco para as estatísticas: 67 Grandes Prémios seis vitórias. E o mais
interessante é que das suas quatro temporadas completas, apenas em uma – 1979 –
ele teve aquilo que chamamos agora de ‘um carro competitivo’. E apesar de ter
sido, indisputavelmente o melhor piloto da temporada, ele fez apenas duas
pole-positions. Ferrari teve sempre um motor potente, mas nesses tempos, o seu
grande ponto fraco era o seu chassis, e a sua aerodinâmica. Assim sendo,
sobrava o ‘estilo Villeneuve’ de conduzir, e isso fazia suster a nossa
respiração.
‘As pessoas dizem-me que sou
maluco porque ando sempre de lado’ dizia Gilles. ‘Jesus Cristo, um piloto da
Ferrari que não anda de lado nestes últimos anos não deveria ser piloto de
corridas! Posso honestamente dizer que nunca ‘engasguei’ durante a minha
carreira, e estou orgulhoso disso. Mesmo andando no décimo lugar num mau carro,
ainda se pode divertir – mas não se estiveres a ‘engasgar’. Alguns dos que
andam por aí… sinceramente, nem sei como é que lhes pagam no final do mês’
Para ele, era uma questão de
orgulho, e isso definia-o. Um dia em Silverstone, debaixo de chuva, com os
testes interrompidos, sentamo-nos na pequena motorhome da Ferrari e falamos
sobre aquilo que fazia Villeneuve correr. ‘Primeiro que tudo, eu não necessito
ser campeão do mundo – não da maneira como [Didier] Pironi quer. Para tipos
como ele, o campeonato era a motivação que os fazia correr – era como escalar a
montanha para quando chegar ao topo, espetar a bandeira com o seu nome e já está.’
'Se algum dia o vencer, excelente,
não o vou renegar! Mas existem tantos maus pilotos por aí que foram campeões, e
no entanto, Ronnie Peterson nunca o foi. Portanto… o que isso significa
verdadeiramente? O que quero realmernte é ser o melhor, e não tens de ir a
Paris para ir buscar um troféu no final da época – tens de saber que consegues
guiar um carro mais velozmente do que a concorrência. Talvez esteja errado, mas
esse é o meu sentimento, e sou muito feliz com isso…’
Pessoas que acham Villeneuve como
alguém demasiado bravo, demasiado louco, não querem, ou nunca quiseram saber
sobre as razões pelo qual ele decidiu correr, porque eles nunca foram capazes
de o entender. Se os acidentes acontecessem, isso seria porque era alguém que
estava sempre no limite, forçando carros mais lentos ou maius medíocres a irem
acompanhando o seu ritmo mais velozmente do que desejariam.
Outros murmuram que ele tinha
desejo de morrer, mas enquanto penso nos pilotos que pudessem ter esse tipo de
desejo, nunca coloco Gilles nessa categoria. Se existia alguém que amava a vida
acima de tudo, era ele. ‘Tudo o que ele fazia’ – disse Patrick Tambay –
‘fazia-o a 320 km/hora. E gozava cada segundo’…
Amanhã coloco a segunda parte.
Eis outro que merecia um filme...
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