quinta-feira, 12 de julho de 2012

5ª Coluna: As corridas do meu dia

Tenho a sorte de o meu aniversário calhar na data de duas corridas mais emblemáticas de um período, num dos circuitos que mais gosto, que é Silverstone. As corridas de 1987 e 1992 foram, de uma certa maneira,  Há mais um Grande Prémio que aconteceu num dos meus aniversários, em 2009, e que foi em Nurburgring, na Alemanha, onde Mark Webber levou a melhor. Mas esse é ainda muito recente nas nossas memórias para uma reflexão como esta que ando a fazer.

Lembro-me bem da corrida de 1987. Estava de férias num sitio chamado Monte Gordo, no Algarve, e aqueles tempos eram um grande contraste com o que passamos agora neste retângulo como o nosso. Havia prosperidade, vivia.se uma campanha eleitoral que iria resultar na primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, e estavamos "casados de fresco" com a União Europeia, então CEE. Eramos doze, muito longe dos 27 que somos agora, e a ideia do fim da Guerra Fria e do desmoronamento da Cortina de Ferro, embora longinqua, já tinha parecido estar ainda mais.

E os Turbo dominavam na Formula 1, embora já se sabia também que estava tudo a prazo. Sabia-se que dali a ano e meio iriam acabar, sendo substituidos pelos motores atmosféricos de 3.5 litros. E sem motores Renault, eram os Honda os dominadores, espalhados por Williams e Lotus. Queria ver se Ayrton Senna iria quebrar o dominio da dupla Nelson Piquet e Nigel Mansell, e o que se falava muito era uma coisa chamada "suspensão ativa", pois ambas as marcas estavam a desenvolver esse sistema. Haviam os Ferrari, os McLaren e os Benetton, mas eles mais preciam ser atores secundários.

E nessa corrida de 1987, toda a gente era ator secundário perante os Williams-Honda. Nelson Piquet e Nigel Mansell estavam a fazer uma corrida à parte, pois facilmente ficavam na frente desta gente toda e davam uma volta a todos. Mas o que Mansell fez nesse dia entra nos anais de história: um atraso por causa de um problema num cubo de roda, o coloca nas boxes na volta 28, mas com pneus novos, foi buscar Piquet como se não existisse mais amanhã, e quando o conseguiu, a pouco mais de duas voltas do fim - tinha 65 nessa altura - engana-o com uma manobra em que o coloca pela direita, para que Piquet o bloqueasse. Mas como ele abriu o flanco, aproveitou e ultrapassou-o.

As bancadas ficaram em delírio e eu, que estava a ver isto tudo na TV, em companhia da minha familia - tios, pais, prima e o meu irmão - estava espantado por ver como é que tal coisa era possivel. Não que era legal, porque era - nada dessas regras estúpidas que existem agora - mas porque como é que foi capaz de o enganar. Conseguiu enganar o mestre da manha, Nelson Piquet, que menos de um ano antes, tinha feito uma fabulosa ultrapassagem por fora e no sujo (!) no GP da Hungria, sobre Ayrton Senna.

Claro, no final, a multidão entrou em delírio pela manobra e demonstrou todo o seu amor pelo "brutânico". Não o "amor" norte-coreano, mas o espontâneo, o verdadeiro, pelo "Leão", que todos o adoravam, apesar de ser fogoso, puxar pelo carro como se não existisse mais o amanhã, e ter perdido mais títulos do que ganhou, como disse certo dia - e com razão - Nelson Piquet. E como sabem, nesse ano, o último a rir foi Piquet, que levou para casa o seu terceiro título mundial. Silverstone não passou de mais um episódio. Mas que episódio!

Cinco anos depois, o calendário deu outra coincidência: mesma corrida, mesmo circuito, mesma equipa, mesmo piloto. Quem não conhece muito bem a história, vai pensar que Mansell nunca saiu da Williams. Nada mais errado, pois o "brutânico" esteve na Ferrari por duas temporadas, a começar em 1989. Tinha sido a última contratação de Enzo Ferrari ainda em vida, em 1988, e Mansell teve a ingrata tarefa de correr numa era onde estavam a experimentar a caixa de velocidades semiautomática. Apesar de quebrar constantemente, na sua primeira corrida, em Jacarepaguá, assistiu-se a um milagre quando não só aguentou até ao fim, como ganhou a corrida.

Mas três anos depois, ele estava de volta para a Williams, atraído pelos motores Renault e por um salário tão grande dado por Frank Williams, o suficiente para retirar-lhe qualquer pensamento de retirada da competição. Em 1992, ele estava no topo do mundo: tinha o melhor carro, tinha o melhor motor, ganhava todas as corridas. Ayrton Senna estava secundarizado na McLaren - apesar de o ter batido no Mónaco, uma corrida que nunca venceu - Alain Prost cumpria um ano sabático, Nelson Piquet estava a convalescer no hospital, depois da batida de Indianápolis. E novos valores surgiam, como um certo alemão, de seu nome Michael Schumacher.

Quanto ao mundo à volta, havia coisas que não tinham mudado, mas outras que tinham mudado tudo. Não havia mais Muro de Berlim, nem União Soviética. Estavamos todos mais preocupados e curiosos com os Jogos Olimpicos que iriam acontecer em Barcelona e a União Europeia ainda continuava a ser de doze, mas já se falava de uma "união monetária", uma moeda comum a todos.


A corrida não teve história, pois Mansell "comeu tudo" do inicio até ao fim. O que mais me impressionou foi a reação das pessoas no final da corrida. Estavam mais de 200 mil pessoas, segundo me contaram. Todas a celebrarem Mansell, todas a exteriorizarem as frustrações que sentiram todos esses anos pela má sorte do "brutânico", todos a ver que, por fim, o título mundial não seria mais do que um "pró-forma". Iria ser, um mês depois, na Hungria. Mas Mansell já tinha 39 anos, e no final daquele ano, quando soube que Alain Prost iria para a equipa, decidiu bater a porta com estrondo e ir para os Estados Unidos, correndo na CART e vencendo aquilo tudo sem grandes problemas.

Em suma, duas corridas no mesmo dia, no mesmo local, com a mesma equipa e o mesmo piloto. Mas com imensas diferenças. São coisas que tive o privilégio de ter visto no dia dos meus anos.

5 comentários:

  1. Salve, meu caro!

    Por muito pouco não partilhamos do mesmo tempo de vida (sou também de Julho de 4976, porém do dia 07)... mas temos mais em comum (sou filho de pai português, nascido no Brasil, adepto do Benfica...).

    Calhou que meu aniversário diversas vezes se decorria em dia de Grande Prêmio, só que da França... e me recordo bem da grande corrida deste em 1985, quando nem a precariedade dos pneus Pirelli tirou-lhe o brilho.

    Sem mais, saúdo-te desejando hoje e sempre o melhor, e agradecendo pelos inúmeros presentes aos fãs de automobilismo que tens nos propiciado.

    Um grande abraço!

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  2. Salve!

    Partilhamos de muito em comum (sangue português - sou brasileiro filho de pai lusitano; admirador do Benfica, etc.).

    Por pouco não partilhamos do mesmo tempo de vida, pois também sou de Julho de 1976 mas nascido no dia 07...

    Calhou que em alguns aniversários era também dia de Grande Prêmio, e me recordo nesse sentido do GP da França de 1985...

    De uma corrida genial de Nelson Piquet, mesmo com a fragilidade dos pneus Pirelli... que dia aquele!

    Sem mais, deixo um grande abraço, e desejo o melhor sempre!

    E agradeço a alegria que eu, fã deste desporto, sempre tenho ao visitar teu blog!

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  3. Mansell faz aniversário dia 8 de agosto... Acredito que ele não tenha problemas com inferno astral!

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  4. Já que se fala em aniversários, eu não tive muitos em que coincidiram com GPs, mas tive o de 1993 que foi no mesmo dia da ultima vitória do Ayrton.

    Abraço

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  5. É um dia glorioso, Paulo! E ainda me lembro bem dessa corrida.

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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...