Para quem conhece o Euromilhões - escrevo esta parte para os meus seguidores brasileiros - o lema é "Todos os dias a criar excêntricos". A ideia é simples: se ganhares 100 milhões de euros (é possivel, se o prémio acumular por sete ou oito semanas seguidas) podes fazer o que quiser com o dinheiro. E claro, normalmente, as pessoas perdem a cabeça com tanto dinheiro à vista. É um pouco estas petro-monarquias do Golfo: com tanto dinheiro a chegar sem eles a fazerem muito por isso - basta furarem o subsolo - podem fazer o que quiser com ele. E como há também "petrolheads", não seria mau de todo se tiverem a Formula 1 no seu quintal.
E foi o que fizeram o Bahrein e Abu Dhabi. Para terem uma ideia, ambos os lugares pagaram cerca de 60 milhões de dólares cada um para serem as provas de abertura e encerramento do campeonato. Isso prefaz cerca de 120 milhões. Numa competição que gera cerca de 1500 milhões de dólares de receitas brutas, isso faz com que quase dez por cento das receitas venham de apenas duas provas. Não admira que Ecclestone seja o maior defensor das provas arábicas no campeonato, contra tudo e todos, contra agitações sociais e censuras da comunidade internacional, especialmente no caso do Bahrein.
A corrida barenita calhou ser a 900ª da história da Formula 1 - não acreditem no "calhou", porque acho que o governo deve ter dado um extra para que ficassem com esse lugar - e para comemorar isso, mais o décimo aniversário da chegada da categoria máxima do automobilismo por essas paragens, a corrida passou por ser à noite. E se isso era para ser um "one-off", no dia de hoje, a organização disse que a partir de agora em diante, ela será a segunda prova noturna do calendário, depois de Singapura.
Contudo, quem conhece a história da Formula 1, sabe que qualquer Grande Prémio "redondo" costuma ser emocionante. A corrida numero 300 (Africa do Sul 1978) acabou com um duelo pela liderança entre Ronnie Peterson e Patrick Depailler, com o vencdor a ser decidido nas últimas curvas, a favor do sueco da Lotus, a corrida numero 500 (GP da Austrália 1990) acabou com um duelo pela liderança entre Nigel Mansell e Nelson Piquet, com a vitória a acontecer nas curvas finais e a calhar para este último, e a corrida numero 700 (GP do Brasil 2003) acabou com a inesperada vitória de Giancarlo Fisichella, atribuida... duas semanas depois. E claro, todos nós conhecemos a corrida numero 800 por outro nome: Crashgate. Singapura 2008.
A partida começou com os Mercedes a irem embora, com Lewis Hamilton a largar melhor do que Nico Rosberg - apesar de na Curva 4, o alemão tentou passar o inglês por fora, sem sucesso - enquanto que Felipe Massa fez uma excelente largada e ficou com o terceiro posto, surpreendendo Sergio Perez e Valtteri Bottas. Atrás, Kimi Raikkonen sofreu um toque - aparentemente do McLaren de Kevin Magnussen - e atrasou-se um pouco. De resto, não houve mais nada de especial.
Com o passar das voltas, poderia ver-se que estavam a decorrer duas corridas: as dos carros cinzentos e a do resto. Logo na oitava volta, a diferença entre o segundo e o terceiro já era superior a seis segundos, e continuava a aumentar. A partir da 12ª volta, começaram as trocas de pneus, com algumas a saírem bem, outras nem por isso. Felipe Massa, depois de perder o terceiro lugar para Sergio Perez, perdeu algum tempo e saiu atrás de... Bottas.
Na frente, pareciam que as coisas estavam tranquilas. Mas era só aparência. Na volta 18, o alemão atacou agressivamente o britânico na primeira curva, mas Hamilton defendeu-se, quase levando ambos os carros de fora. Na volta seguinte, o filho de Keke Rosberg voltou a atacar e ficou momentâneamente na liderança, antes de Hamilton voltar a atacar e recuperar o comando. E no inicio da 20ª volta, Hamilton, vai às boxes para novos pneus, para Rosberg ir logo a seguir.
Atrás, os motivos de interesse eram em relação aos Williams e aos Force India, e ambas as equipas tinham os seus pilotos lutando sem ordens. Ao longo das voltas, Bottas aguentava Massa, que por sua vez aguentava Perez e Hulkenberg. Por alturas da volta 28, os Force India levavam a melhor, mas os Williams reagiram rápido, indo para as boxes.
A partir daqui, as coisas tranquilizaram-se um pouco... até a volta 42, quando na saida para as boxes, o Lotus de Pastor Maldonado bateu na traseira do Sauber de Esteban Gutierrez e o carro do mexicano capotou na pista. Safety Car na pista, com muitos pilotos a aproveitarem a altura par irem às boxes. Entretanto, o McLaren de Kevin Magnussen teve problemas e acabou por parar na berma.
O Safety Car estave na pista nas quatro voltas seguintes, até que na volta 47, a corrida recomeçou com os Mercedes a lutar pela liderança, com os Force India logo atrás. Mas se as pessoas pensavam que isto iria ser um passeio, com ambos os pilotos a fazer turismo até à meta... foi engano. Sem ordens de equipa, Rosberg andou a lutar com Hamilton, disputando curva a curva, metro a metro, numa luta por vezes no limite, mas sempre real. E à medida que as voltas passavam e se via que ambos os pilotos não desistiam de vencer - e abrindo uma vantagem cada vez maior para a concorrência - a adrenalina entre todos os que viam aumentava.
Atrás, Ricciardo lutava para subir de posições, conseguindo superar Vettel e indo atrás dos Force India. Aumentou o ritmo e passou Hulkenberg na volta 53, mas quando o fez, já Perez tinha-se distanciado o suficiente para estar mais tranquilo em relação ao lugar mais baixo do pódio. Mas o australiano não desistiu e foi atrás do mexicano, encostando-se na sua traseira, mas foi nas curvas finais, logo, demasiado tarde para conseguir um terceiro posto que também merecia.
E com a amostragem da bandeira de xadrez, ambos os Mercedes mostravam que eram os melhores da Formula 1, e que provavelmente, a luta pelo título passaria por estes dois pilotos. Segunda dobradinha no campeonato em três corridas, com a Force India a comemorar o seu segundo pódio da carreira, desde o GP da Bélgica de 2009, com o Giancarlo Fisichella. Um pódio todo Mercedes, a mostrar que nesta temporada, serão outros alemães a mandar.
Mas esta corrida em particular vai ficar na nossa memória futura. Como acontece nos momentos em que ganhamos a lotaria (ou o Euromilhões), os melhores momentos são sempre os mais inesperados. Nem mesmo o mais ardente defensor desta pista esperaria uma coisa destas. Esta corrida, à partida, tinha tudo para ser esquecida, mesmo com os números redondos em disputa. Mas acabou por não acontecer. Pelo que conheço da história, esses números redondos devem ter algum encanto, julgo eu.
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