domingo, 2 de outubro de 2016

Quebrar sob pressão

Há muita gente que acha que a verdadeira personalidade das pessoas se revela quando estão na mó de baixo. Há quem seja como os caranguejos e os caracóis, que recuam para as suas tocas, preparando em silêncio para a próxima jogada, que deixe os seus desabafos para os que lhe são próximos, um pouco para se proteger do desgaste. Outros acham que vocalizar o seu desagrado por alguma coisa é a única maneira de dizer o que sentem, e há outros que preferem culpar outros pelos seus estragos, numa espécie de "eu contra o mundo".

Como é sabido, ninguém ganha sempre, mas também não há eternos perdedores. Há quem ache que o seu ídolo deveria ganhar todos os campeonatos, mais para poder dizer aos seus amigos que está do lado certo e fez bem em apoiá-lo, e diz que o adversário - ou os adversários - são inferiores ao seu ídolo. E tudo o que ele diz está certo, numa lógica de "nós contra eles".

Neste momento, é Lewis Hamilton, mas no passado já foi em tantos outros pilotos. Com a minha infância a ser marcada pelo Ayrton Senna, houve o seu "inimigo" na figura de Alain Prost. Como ambos tinham os seus defeitos - um não tinha paciência, o outro tentava ganhar na secretaria quando não conseguia ganhar na pista - ambos fizeram o seu melhor para marcar toda uma geração. Depois disto tivemos Michael Schumacher, Fernando Alonso e Sebastian Vettel. Agora, é Lewis Hamilton, que esta temporada, depois de vencer as duas últimas, está com problemas sérios. 

E este domingo, quando parecia que iria vencer depois de três provas seguidas do seu rival, Nico Rosberg, o motor do seu Mercedes explodiu, deixando-o a pé e a sair de Sepang com um atraso de 23 pontos. 

No final da corrida, disse à imprensa o seguinte: "Não quero acreditar quando temos oito carros com motores Mercedes e só no meu é que acontecem estas quebras. Há algo do qual não está a bater certo. A Mercedes já deu 43 motores esta temporada e só comigo é que acontecem os problemas. Não há muito mais que possa fazer. Eu e a minha equipa sabemos que temos o que é preciso para regressar às vitórias, mas sei lá eu que motor vou ter na próxima corrida…", disse à imprensa, nas boxes da Mercedes.

É verdade que Hamilton não está a ter uma grande temporada. Desde que a Formula 1 voltou da sua pausa de verão que ele teve de trocar tudo em Spa-Francochamps, largando do último lugar, mas acabando no terceiro posto. Outras quebras aconteceram nos treinos, nunca na corrida, e a outra vez que desistiu foi quando bateu em Nico Rosberg em Barcelona. Esta foi a sua primeira quebra em muito tempo, quase a lembrar Michael Schumacher no Japão, quase dez anos antes, e que deu o campeonato a Fernando Alonso. Fala-se que houve uma troca de mecânicos, com alguns dos que trabalhavam com Hamilton a migraram para Nico, ajudando a melhorar a sua performance. Daí que se explique o bom inicio do alemão, mas não explica a recuperação de Hamilton a meio da temporada, que acabou no famoso "encontrão" na última volta do GP da Áustria.

Contudo, provavelmente ele pensava que depois do verão, estava tudo resolvido, que o tetra era uma questão de tempo, que se calhar já estava a marcar alguns dias em Las Vegas para comemorar com os seus amigos de Hollywood, pensando que o título seria seu em Austin. Só que as pessoas não ficam paradas e o resultado foi o que vimos nas últimas três corridas. E quando deve ter visto no espelho o pião de Nico, após o toque por parte de Sebastian Vettel, pensou que a sua maré estava de volta. E entende-se a frustração pelo facto de ver visto a esfumar 25 pontos, mas insinuar que na Mercedes, eles querem este ano um alemão a ganhar, é feio. Parece desculpa de mau perdedor, e não pode ser assim.

Como é óbvio, a Mercedes veio logo a público dizer que isso é um disparate, com Paddy Lowe a assegurar que ninguém está a favorecer um piloto em detrimento de outro. “Nenhuma falha é planeada. Damos o nosso melhor e até temos vindo a melhorar a fiabilidade, como provam os nossos resultados. Mas por alguma razão algo tem acontecido com o carro do Lewis. No entanto, não existe nenhum padrão que possa relacionar essas falhas. A Fórmula 1 é um desporto duro e as coisas são assim às vezes”, referiu.

Niki Lauda pediu desculpas pelo sucedido: “Estou realmente aborrecido e desapontado comigo e com a minha organização porque sinto que o deixamos ficar mal. Temos que perceber o que aconteceu. Era um motor praticamente novo e portanto temos que analisar o que conduziu a isto, mas estas coisas podem acontecer. Sinto-me muito triste por ele”, concluiu. 

E claro, mais tarde, com a cabeça mais fria, ele retratou-se:  “Tenho cem por cento de confiança na equipa. É o meu quarto ano nesta equipa e tenho confiança em todos os que estão na garagem e na fábrica. Sem eles não teria ganho dois campeonatos. Quando disse que alguém não queria que eu ganhasse, estava me referir a ‘alguém superior’, que estava a intervir. Mas ao mesmo tempo sinto-me um privilegiado com a grande oportunidade que tenho de estar nesta grande equipa. Estou eternamente grato”.

O mais engraçado nisto tudo é que Hamilton já recuperou 43 pontos de desvantagem, logo, nada está perdido. Mas na mente dele, como acontece normalmente às pessoas competitivas, onde ele mesmo é o melhor contra "o resto do mundo", pensar que há uma conspiração para o derrubar pode acontecer, quando estás sempre a treinar, quer em termos físicos e mentais, para ser o melhor, é real. Mas a realidade conta outra história: é que por vezes, és superado. Quando ele desabafa ao chegar nas boxes, dizendo "alguém não quer que eu ganhe", se calhar é isso mesmo: é o Destino que conspira contra ele. E é nestes momentos que tens de ver que tipo de pessoa és. Portanto, mas do que dizer às pessoas que há uma força estranha a derrubá-lo, é voltar ao cockpit e superar o mau momento, mais nada. Tudo o resto não só é supérfluo, como também é desnecessário, inútil e venenoso.

Faltam cinco corridas, ainda há tempo para recuperar. E se não der, é melhor olhar e dizer que conseguiu três títulos na sua carreira.

3 comentários:

  1. Realmente faltou a humildade por parte do Lewis Hamilton.

    ResponderEliminar
  2. "Há quem ache que o seu ídolo deveria ganhar todos os campeonatos, mais para poder dizer aos seus amigos que está do lado certo e fez bem em apoiá-lo, e diz que o adversário - ou os adversários - são inferiores ao seu ídolo. E tudo o que ele diz está certo, numa lógica de "nós contra eles".

    Como detesto esse tipo de gente! Se dependesse desses, a Fórmula 1 já teria perdido o seu 'mojo' há tempos. E é contraditório: são fãs de esportistas sem serem fãs do esporte.

    ResponderEliminar
  3. Salve!!!

    Acho que depois do que aconteceu hoje, principalmente pela sua força mental, Rosberg está com uma das mãos na taça!!!

    ResponderEliminar

Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...