Bernie Ecclestone está afastado da Formula 1, mas não deixa de dizer de sua justiça sobre o que os novos próprietários querem fazer dela. Depois de ouvir declarações em que os responsáveis apoiam uma maior aproximação da competição ao público, e "americanizá-lo", de uma certa forma - não que o modelo da NASCAR seja o ideal - o octogenário decidiu falar de sua justiça, a uma semana do primeiro Grande Prémio de uma temporada que, em muitos aspectos, foi desenhada por ele.
Numa entrevista ao Daily Mail inglês (atenção que os tablóides têm tendência para exagerar...) Ecclestone disse que desejava ter ficado por um pouco mais de tempo - fala em mais um ano - mas que agora, o outro lado nem quer ver "pintado a ouro". “Eu não posso fazer nada. O staff foi informado que não podia sequer falar comigo”, começou por contar ao tabloide britânico. “Eles querem acabar completamente com a era Ecclestone. Estão sempre a dizer a mesma coisa, talvez pensem que me deixa contente mas não: ‘Ele fez um bom trabalho mas temos de seguir em frente’. Se calhar são eles que têm razão…”, continuou.
"Eu olho para a Formula 1 de uma maneira diferente do que as outras pessoas. Toda a gente queria ir a um ‘restaurante’ onde não se conseguia arranjar lugar. Então eu era muito rigoroso com essas coisas, como por exemplo os passes do paddock. Agora, a filosofia da Liberty é muito mais aberta. Eles têm uma cultura americana e numa corrida americana estão todos no paddock e podem conversar com os pilotos e sentar-se nos carros", declarou.
“Na Formula 1, temos dirigido um restaurante de três estrelas Michelin, não como um restaurante de fast-food, mas talvez agora a culinária seja mais acessível. Talvez tenha um sabor melhor”, gracejou, em jeito de conclusão.
Falando sobre aquilo que ele referiu, o que será que os adeptos preferem? Elite ou acessibilidade? Um desporto de poucos com dinheiro, como por exemplo, o boxe, onde uma audiência selecta pagar centenas de dólares para ver na televisão um combate, no qual ao vivo cobrariam milhares só para se sentar num topo qualquer de um pavilhão num sitio onde o dinheiro manda? Ou um regresso às origens para que a quantidade e a acessibilidade para todos seja a norma, e do qual haja dinheiro suficiente para todos, distribuído de forma equitativa e cabendo ao promotor uma percentagem relativamente baixa - dez por cento, pelo menos - no qual todos saem contentes?
Muitos vão dizer que a elitização é o preço a pagar para a qualidade da Formula 1, mas outros gostariam de ver a população nos paddocks, a ver os carros, a cumprimentar os pilotos, pois é o público que faz mexer isto tudo. Só que nos últimos tempos, essa procura incessante por mais dinheiro levou-nos a localizações exóticas com dinheiros vindos de sitios pouco transparentes, para locais onde ter um Grande Prémio é mais um capricho do déspota local do que por exemplo, existe público para tal. Não tenham dúvidas: a Formula 1 é uma competição do qual se tira imenso dinheiro, e é altamente lucrativa. Tanto que distribui parte dessas receitas às equipas, numa proporção desigual, do qual as equipas adoram e não desejam mudar tão cedo.
Contudo, sempre tive a sensação que nessa procura das "três estrelas da Michelin", perdeu-se algo pelo caminho. E para piorar as coisas, há muitos tempo que se diz que a falta de adesão da Formula 1 às redes sociais, aliado aos sinais fechados em certos países, fizeram com que se perdesse boa maioria desses potenciais novos membros. A idade do espectador médio aumentou, e isso é mau, porque se não há renovação de fãs, há menos gente, logo, menos dinheiro...
É verdade que nesse campo, Ecclestone pensou mais na ideia de que "os outros que resolvam isso". Só que, agora que os outros chegaram, parece não gostar lá muito das ideias deles. É que - voltando à analogia do restaurante - se comer micro-comida num restaurante com estrelas Michelin pode ser uma experiência fora do vulgar, um churrasco com os amigos, bebendo cerveja, também é muito bom. E acho que não se pode perder as raízes.
Contudo, sei que até à sua morte, o Bernie não vai perder qualquer chance de alfinetar a nova gerência. Disso tenho a certeza. Ainda iremos ouvir muito dele.
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