sábado, 4 de novembro de 2017

Regulamentos e Primadonnas

A Ferrari tem história. Está na Formula 1 quase logo depois da sua fundação, em 1950, mas Enzo Ferrari já tinha experiência no automobilismo, primeiro na Alfa Romeo, e depois, quando a mesma marca lhe impediu de usar o nome por cinco anos, a partir de 1938, a II Guerra Mundial apareceu pelo caminho.

Contudo, Ferrari era conhecido pelo seu "bullying". Não tanto em 1961, quando o regulamento dos motores de 1.5 litros entrou em vigor, mas mais quando cinco anos depois, os motores dobraram de tamanho. Se da primeira vez, lá aproveitaram bem, vencendo o campeonato, de segunda, o despedimento de John Surtees da marca, durante as 24 horas de Le Mans, graças ao nacionalismo de Amadeo Dragoni, e a morte de Lorenzo Bandini, no ano seguinte, impediu a marca de ser um sucesso com o novo regulamento. Aliás, apenas em 1975, doze anos depois, e nove anos com o novo regulamento, é que foram campeões com Niki Lauda ao volante.

Em 1987, sabia-se que iria haver o novo regulamento dos motores de 3.5 litros, mas a Scuderia queria voltar aos V12, algo do qual a FIA não estava muito a fim disso. Em Maranello fez-se birra e disseram a alto e bom som que iriam para a CART. Fizeram um motor para isso, bem como um chassis, para dizer que estavam a levar a sério. Jean-Marie Balestre lá cedeu e apareceram os V12 em 1989, no primeiro ano do novo regulamento. Aliás, eles e a Lamborghini tinham V12, seguidos da Honda. A Renault construiu um V10 e foi mais eficaz.

Agora, a birra voltou. Desta vez não tem a ver tanto com regulamentos, mas sim a distribuição dos dinheiros. É que a Ferrari ganha cem milhões de "verdinhas" ainda antes de fazer o primeiro parafuso da primeira peça do carro de cada ano. Só por ser a Ferrari. Clausulas de veterania, etc e tal. Também a Red Bull, McLaren e Mercedes tem esse tipo de clausulas, mas são mais pequenas. Claro, há o Grupo de Estretágia a puxar por isso, mas todos entenderam que isto é uma birra da Scuderia para ver se tudo fica como está, ou até, ganhem mais algumas coisas, como Bernie Ecclestone fazia no seu tempo, para satisfazer as suas... birras. 

Imagino a Ferrari como se fosse uma matrona italiana, de grandes peitos e ancas de tamanho igual, drimindo insultos na sede da FIA, na parisiense Place de Concorde, mandando uns "vaffanculo" e outros insultos em baixo calão italiano e criando um escândalo antes de ir embora, para que as suas únicas consequências serem que os novos regulamentos fossem desenhados à medida das necessidades da Scuderia e abrir uma era de domínio como tiveram no inicio da década passada. É isso que imagino a Ferrari fazer ao longo da sua história.

Contudo, a realidade nos diz que a Ferrari precisa da Formula 1. E a competição precisa da Ferrari. De uma certa forma, as "mamas" - leia-se, os incentivos extra que Bernie Ecclestone deu ao longo dos últimos anos - a fizeram dependente dos dinheiros da FOM. Sem ela, provavelmente terá de ser mais eficiente, a justificar as dezenas, senão centenas de milhões de euros que gastam por ano para tentar estar à tona. Sem ela, e se perderem campeonatos por muito ou por pouco, cabeças rolarão. É uma questão de eficiência. 

E tem mais uma coisa: é na Ferrari que se pagam os melhores salários, os mais altos do pelotão. Uma das razões porque Sebastian Vettel foi para a Scuderia, para além do prestigio do nome e a chance de ser como Michael Schumacher, de ser multicampeão com o Cavalino, é o de ganhar muito bem. Nos seus tempos da Red Bull, estima-se que ganhou cerca de 70 milhões de euros nos quatro anos em que foi campeão. E não foi pelo salário base, mas sim pelos extras, os bónus que recebeu por levar para Milton Keynes os seus troféus. Bem merecidamente, diga-se de passagem.

Em suma, tirar alguns dos incentivos é louvável, pois provavelmente a Ferrari iria ser mais parcimonioso nos dinheiros que gastava para ser campeão. Quando a Force India gasta 150 milhões de libras, dólares ou euros para ser constantemente a quarta classificada do campeonato de Construtores - mais cem milhões do que a Williams, por exemplo - é provável que a Liberty Media olhe para eles como exemplo a seguir de que as coisas, bem feitas, poderão dar lucro e felicidade para todos, desde os pilotos e engenheiros, passando pelos patrocinadores.

Contudo, como é sabido, a Formula 1 tem novos xerifes, que é a Liberty Media. Pessoal como Chase CareyRoss Brawn - um antigo empregado da Ferrari, a propósito - quer fazer as coisas um pouco mais competitivas, para que uma Sauber da vida tenha um chance de ganhar, e não dar à Ferrari sempre uma chance de vitória, pelo menos em termos de orçamentos. Só que Sergio Marchionne deve ter lido o manual de negociação do Commendatore e decidiu ir pelo mesmo caminho, esperando que no final, a Liberty Media e a FIA recuem e tudo fique na mesma. Se calhar vai acontecer... mas eis uma chance de fazer as coisas de modo diferente. Indicar a porta de saída seria chocante para muitos, é verdade, mas se calhar, ao dizer a eles que podem ir à vontade e dizer que a Formula 1 sobrevive sem eles, seria interessante. Já provou no passado que isso aconteceu, quando equipas como a BRM, nos anos 70, e a Lotus, nos anos 90, foram se embora da competição. A vida continuava para a Formula 1, e se calhar seria prejudicial para a Scuderia. Para além da Formula 1 e da categoria GT da Endurance, onde é que eles andam? Em lado algum, certo?

Em suma, sair da Formula 1 seria mais prejudicial para eles do que para a competição. Não vão ser as vendas dos seus carros que irão compensar as centenas de milhões de dólares que perderiam numa eventual saída da competição. Logo... talvez a Liberty Media possa ter uma grande chance de disciplinar a Scuderia.

Veremos.

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