segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O ano americano de Francois Cevért

Se estivesse vivo, Francois Cevért faria hoje 75 anos de idade. O piloto francês, que correu na Tyrrell entre 1970 e 73, terminando tragicamente a sua carreira no circuito de Watkins Glen, no fim de semana do GP dos Estados Unidos, apenas tinha conseguido uma vitória, precisamente naquele circuito, dois anos antes. A sua carreira na Formula 1 foi essencialmente de ser escudeiro de Jackie Stewart, esperando que fosse, depois da sua retirada, capaz de lutar pelas vitórias e títulos, algo do qual, infelizmente, não foi capaz.

Contudo, existe uma faceta pouco conhecida do piloto francês, e que aconteceu no ano anterior à sua morte. Em 1972, em paralelo com uma temporada modesta na Formula 1 - um pódio - Cevért aceitou o convite para participar a Can-Am, onde ao serviço da Young American Racing, fez uma temporada interessante, culminando com a vitória em Donnybroke. Tudo isto num ano onde a Porsche dominava com o seu 917/10, o "Can Am Killer".

A matéria que escrevo neste canto baseia-se num artigo que li na edição numero 7 da revista francesa "AutoDiva", dedicado ao automobilismo antigo, e até achei interessante conta este capítulo relativamente obscuro de uma curta, mas intensa carreira.


AS CIRCUNSTÂNCIAS


Cevért, então com 27 anos, iria encarar a temporada de 1972 de uma maneira versátil e ocupada. Ao contrário do que se passa hoje, não havia exclusividade nos pilotos de Formula 1. Os salários eram baixos e o calendário mais enxuto, com espaços suficientes para poderem correr noutras categorias. O francês tinha um contrato com a equipa de John Coombs para correr na Formula 2 a bordo de um March, e havia um contrato para a temporada de Endurance, como piloto oficial da Matra, ou seja, iria participar nas 24 Horas de Le Mans, numa altura em que os franceses pretendiam ganhar de novo, depois de quase trinta anos de ausência. E iria correr na mesma equipa que Jean-Pierre Beltoise, casado com Jacqueline, irmã de Francois.

Contudo, naqueles tempos havia uma competição que fascinava muitos pilotos: a Can-Am. Criada em 1966 para albergar os carros construídos de acordo com as regras do Grupo 7, tinham essencialmente blocos de 7 litros da Chevrolet ou da Ford, e pouco mais. Em suma, todas as loucuras aerodinâmicas eram permitidas, e cedo se tornou na coutada da McLaren, que dominou o campeonato entre 1967 e 1971. A tal ponto em que enceram todas as corridas de 1969, transformando a temporada num "The Bruce and Denny Show", em honra dos seus pilotos, Bruce McLaren e Dennis Hulme.

McLaren morreu nas vésperas de nova temporada, a 2 de junho de 1970, e o seu substituto, Peter Revson, tomou conta do espectáculo, vencendo a temporada de 1971, contra a oposição de Jackie Stewart, a bordo de um Lola inscrito por Carl Haas. Em 1972, a McLaren continuaria, com Revson e Hulme, mas havia a ameaça da Porsche, que decidiu converter o 917 numa "barchetta", inscrito por Roger Penske e pilotado pelos americanos Mark Donohue e George Follmer. E tinham um motor Turbo, capaz de roçar os mil cavalos, uma verdadeira ameaça aos dominantes McLaren.

Mas ter um desses chassis ainda valia a pena. Foi assim que pensava Gregg Young. Vindo de uma familia multimilionária, Young adorava correr e decidiu montar uma equipa, comprando dois M8F de fábrica, com ele a pilotar um deles. Contudo precisava de um segundo piloto para o complementar, de preferência, um profissional, capaz de lutar pelas vitórias, pois o seu chassis apenas seria superado pelos "papaya orange" oficiais. 

A equipa de Young não compra só dois chassis. Está muito bem equipada, com um camião de serviço e cerca de duas dezenas de bons mecânicos, e os carros eram preparados por Sid Davis, um dos melhores no ramo. A mãe de Young, grande financiadora do projeto do filho, sabe que um piloto profissional era necessário, e um dos mecânicos, que era francês, sugere Cevért.

E não era por acaso. O francês era fascinado pelo automobilismo americano, e depois de algumas tentativas, iria correr nessa temporada na Can-Am. Mas inicialmente, noutra equipa...

"Eu fui atraído por esses enormes monstros de potência que eram os Grupo 7. Dominar máquinas de 800 cavalos era, sem dúvida, uma experiência apaixonante. À partida, deveria correr ao serviço da Carl Haas [certamente, a conselho do seu companheiro de equipa, Jackie Stewart], mas infelizmente, o patrocinador não se materializou e tive de abdicar. Foi por isso que aceitei o convite de correr de novo na Formula 2. Nem acreditei quando surgiu o convite...", disse o piloto, na matéria que vêm na AutoDiva.

De facto, o convite caiu do céu, "aos trambolhões", e o calendário estava desenhado de tal forma que a primeira corrida da temporada coincidia com as 24 Horas de Le Mans, onde ele iria correr ao lado do neozelandês Hownden Ganley, terminado na segunda posição. Assim sendo, apenas Youg estaria presente em Mosport, numa prova vencida por Hulme. Apenas se estrearia na ronda seguinte, em Road Atlanta, nos ambientes da série norte-americana.


A ESTREIA E AS DIFERENÇAS PARA OS DE FÁBRICA


Mas antes de correr em terras americanas, ainda teve de cumprir os compromissos de uma agenda cheia. Primeiro, uma ronda de Formula 2 em Rouen - sexto classificado - depois, o GP de França de Formula 1, em Charade, onde terminou na quarta posição, uma prova vencida pelo seu companheiro de equipa, Jackie Stewart. Só depois, na semana seguinte, é que podia conduzir um desses poderosos monstros da série americana.

Não foram treinos fáceis. Um dos motores explodiu, desperdiçando tempo precioso para o trocar, e o novo motor parece não ter a potência que julgava ter. E para piorar as coisas, os "gentleman drivers" atrapalham mais na pista que facilitam... mesmo assim, consegue o quarto melhor tempo. A prova começa relativamente bem para ele, que aproveita o acidente de Dennis Hulme e o abandono de Peter Revson para ser segundo, mas pouco depois, o seu motor parte e fica a ver o resto da berma. No final, George Follmer é o vencedor, e o companheiro de Cevért, Gregg Young, será segundo, a uma volta, num desempenho aplaudido por todos, porque trata-se de um "gentleman driver"...

No final, o piloto descreve como foi o seu fim de semana: "Tinha enfim os meus 750 cavalos! Aliás, direi que estava num outro mundo. Os cavalos, o pacote aerodinâmico semelhante ao da Formula 1, mesmo que não era lá muito utilizável. Mas numa CanAm, não é só a potência, quase o dobro de uma Formula 1 [os motores Cosworth V8 de 3 litros tinham em média 450 cavalos] é um andamento de tal forma que não necessitas de mudar de velocidade. A partir das 4000 rpm, pode-se acelerar em linha reta sem qualquer esforço. Mesmo num circuito pequeno como o de Road Atlanta, alcança-se uma velocidade de ponta bem elevada, mesmo com poucas retas. E a travagem tem uma performance surpreendentemente agradável", contou.

A partir daqui, Cevért vai andar incessantemente em viagens transatlânticas. Com a Formula 1 a decorrer calmamente, com o GP britânico, a 23 de julho está de volta à ação em Watkins Glen, palco da sua vitória de estreia na Formula 1, meio ano antes. Ali, os McLaren dominam, e Cevért vai ter os seus primeiros doze pontos, resultantes de um terceiro posto, atrás dos dominantes McLaren de fábrica, de Denny Hulme e Peter Revson.

Mas ali, já se via a diferença entre os carros aspirados da McLaren e os Porsche Turbo, e poderia haver uma mudança de forças a favor das máquinas alemãs. E ambos eram bem superiores ao carro de Cevért guiava.

"Vendo o nível dos Porsche Turbo da Penske, que pode jogar com a pressão com os seus 900 a mil cavalos, e os McLaren de fábrica, com os seus 800 cavalos com um chassis melhorado, não posso esperar mais do que um lugar de honra, numa equipa independente como a minha. Não estamos ao nível deles. Em termos de velocidade de ponta, somos dez milhas mais lentos, e em aceleração, estamos ainda pior..."

Depois de ter disputado o GP da Alemanha, Cevért voltou aos Estados Unidos para correr em Mid-Ohio, para a quarta prova do ano, numa corrida onde por causa de problemas de motor, não conseguiu melhor que o décimo tempo. Mas apesar da chuva que fez a sua aparição pouco depois do inicio da corrida, para desaparecer algumas voltas depois, Cevért andou bem até que a seis voltas do fim, quando era terceiro na corrida, o seu motor rebentou e acabou por abandonar.

Depois de voltar à Europa para correr o GP da Áustria, lá estava de novo a bordo de um avião para nova travessia transatlânica, rumo a Elkhart Lake, onde foi segundo na grelha, atrás de Hulme. No dia da corrida, perante 50 mil espectadores, foi superado pelo neozelandês, e contentou-se com o segundo lugar, por causa dos problemas sofridos por Follmer, que o passou com o seu Porsche, para depois abandonar. Ali, ele viu que eles estavam numa categoria à parte.

"Não podia fazer nada contra Hulme e quando Follmer me passou, compreendi que jogava numa classe à parte, que eles eram inalcançáveis. Felizmente, o Porsche acabou por abandonar e fiquei com o segundo posto, mas o meu motor começou a falhar e acabei quase em agonia... os carros retardatários começaram a passar-me na reta, ainda bem que a corrida terminou!" 

Como depois se soube, os motores Turbo da Porsche, aliados ao chassis 917, que tinha sido retirado da Endurance no final de 1971 a favor do motores de 3 litros, acabariam por dominar a competição em 1973, que aliado com o primeiro choque petrolifero, transformou esses carros nos "Can-Am Killers".


A VITÓRIA DE DONNYBROKE


No inicio de setembro, Cevért e Stewart estavam em Paul Ricard para participarem, com os Capri 2600, numa prova de turismos. Uma semana depois, a 10 de setembro, ambos estavam a participar no GP de Itália, vencida por Emerson Fittipaldi, que lhe deu o seu primeiro título mundial na Formula 1. Nenhum deles chegou ao fim, numa temporada que não foi grande coisa para a Tyrrell. Contudo, pouco depois, iriam estrear o modelo 006, que iria dominar o campeonato do ano seguinte.

Enquanto isso acontecia, Cevért fazia nova travessia transatlântica, esta mais demorada, porque também iria coincidir com os GP's do Canadá e dos Estados Unidos. E a 17 de setembro, estava em Donnybroke para mais uma ronda da CanAm. Nos treinos, ele não conseguiu mais do que o nono tempo na grelha de partida, pois já tinha os McLaren oficiais e os Porsche 917/10 na sua frente, inalcançáveis. Sendo assim, ele foi "o melhor dos outros".

Mas a corrida foi uma hecatombe: primeiro, o motor de Hulme explode, e algumas voltas depois, o mesmo acontece a Revson. Mark Donohue sofre um furo num pneu, despista-se e embate fortemente contra os rails de proteção, ele que estava de volta à competição depois de um acidente grave durante uma sessão de testes em Road Atlanta ter fraturado ambas as pernas. Isso deixou Follmer na frente, mas na última volta... ele fica sem gasolina! Assim, a vitória de Cevért cai do céu, mas de uma certa forma, até que merecia.

"Nem acreditava no que os meus olhos viam quando vi aquele enorme Porsche branco parado na berma! Era o meu dia E nao me restava mais senão comemorar a minha primeira vitória na CanAm. Quando voltei às boxes, vi a minha equipa a celebrar de alegria. Foi um delírio totalmente inesperado!". comentou depois.

Contudo, a vitória foi sol de pouca dura. Era verdade que eram os melhores privados numa competição onde eles tinham cada vez menos chances, mas em Edmonton, pouco depois do GP do Canadá de Formula 1, é que tocaram num ponto baixo. O seu companheiro de equipa, e o "gentleman driver" Gregg Young, sofreu um forte acidente durante os treinos, acabando por fraturar a clavícula e terminar precocemente a sua temporada na competição. Cevért ficou a cuidar da equipa nas rondas finais, em Laguna Seca e Riverside, onde foi terceiro na primeira ronda californiana.

"Adorei o circuito e o sol da California, infelizmente, não pude fazer mais que duas voltas na sexta-feira antes de ter uma quebra de motor. No sábado de manhã, quebrei de novo o motor, e como caiu uma chuvada antes do meio dia, acabei por ficar com o último lugar na grelha de partida. Na corrida, acelerei e não parei de dobrar os concorrentes atrasados, pilotei muito bem e acabei no pódio...", afirmou, quando descreveu a sua performance em Laguna Seca.

No final da temporada, o quinto lugar, com uma vitória e dois pódios, foi até o resultado justo de uma competição do qual até sonhara correr, mas apanhou aquilo que foi o inicio do fim da era dourada da CanAm. No final da temporada, a McLaren retirou-se oficialmente da competição, e a temporada de 1973 foi chamada de "Panzer Show", porque os carros da Penske ganharam todas as provas. No final do ano, veio a crise do petróleo, a Porsche também foi-se embora e apareceu novo domínio, os da Shadow, que já corriam na Formula 1. Depois, houve um interregno até voltar em 1977, mas com a maior parte dos carros a serem Formula 5000 modificados, a competição perdeu o seu brilho, apesar da participação de imensos pilotos da Formula 1 e da CART.

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