No final do GP de Itália, Lewis Hamilton disse na rádio que tinha aprendido muito com Charles Leclerc ao segui-lo até à meta. Durante a segunda parte dessa corrida, o britânico da Mercedes tentou passar por duas vezes o monegasco da Ferrari, mas numa delas, na travagem para Variante Roggia, o piloto do carro 16 desviou-se ligeiramente para a direita. Propositado ou não, foi o suficiente para Hamilton não ter outra escolha senão ir para a escapatória, para evitar uma colisão.
Charles Leclerc tem 22 anos e já mostrou que tem estofo de campeão. É multivencedor e determinado. E quando quer, pode ser impiedoso. Mas tem um problema: está na Ferrari, e a Scuderia tem outro primeiro piloto, tão disposto a vencer como ele. Só que Sebastian Vettel teve uma má temporada, do qual Leclerc aproveitou bem. Tanto que muitos já queriam a existência de uma hierarquia e secretamente - ou mais às claras - queriam a aposentadoria do alemão de 32 anos.
Só que recentemente, Vettel recuperou o seu equilíbrio emocional. Venceu em Singapura, e ficou feliz por isso. Mas nessa mesma corrida, Leclerc queixou-se do momento em que o alemão saiu das boxes para ficar com o primeiro posto. Via-se a cara de ambos no pódio, com o ar de enfado de Leclerc contra a tranquilidade de Vettel. Ele já julgava que era o primeiro piloto, que as estratégias de corrida deveriam beneficiá-lo e o seu companheiro de equipa limitaria a segui-lo, numa hierarquia... que não existe. Mas quer forçá-lo.
Agora, em Sochi, Leclerc e Vettel combinaram um trato: o alemão passaria para a frente e depois, devolveria a posição para o monegasco, para prejudicar os Mercedes. Só que não disse quando é que faria essa passagem, ou qual seria a altura combinada. Leclerc queria o mais cedo possível, e logo na segunda ou terceira volta, já se queixava no radio que o ettel não estava a cumprir com o trato. Como poderia, se estava a ser um segundo por volta mais veloz? E tinha pneus moles, contra os médios dos Mercedes, que por sua vez, iriam durar mais no asfalto pouco abrasivo de Sochi?
No final, a troca aconteceu nas boxes, igual a Singapura, e como seria o mais lógico. Mas as queixas de Leclerc agitaram toda a gente: porquê Vettel não carregou o pedal de travão e não o deixou passar? Porque nunca teve espírito de segundo piloto. Nunca teve.
E sabem quem nunca teve espírito de segundo piloto? Ayrton Senna. A mesma coisa de Sochi tinha sido combinada entre ele e Alain Prost no GP de San Marino de 1989, onde o primeiro a fazer a curva Tosa, então o primeiro ponto de travagem forte do circuito, era o primeiro piloto para o resto daquela temporada. Prost foi o melhor, mas entretanto, atrás, Gerhard Berger bateu forte na Tamburello e a corrida foi reiniciada. Na segunda partida, Senna foi melhor, e acabou como vencedor, mas no final da corrida, o francês disse que o que contava era a primeira vez, algo do qual Senna negou. E foi isso que aumentou a tensão e terminou em Suzuka, como todos sabemos.
E outro piloto que nunca teve espírito de "empregado do mês" foi Lewis Hamilton. Logo na sua temporada de estreia, em 2007, não teve qualquer problema em bater de frente com Fernando Alonso, conseguindo um pódio na sua primeira corrida e a sua primeira vitória no Canadá, na sétima corrida desse ano. E com a temporada a passar e Alonso cada vez mais incomodado, a tensão explodiu nos treinos do GP da Hungria, quando o espanhol ficou parado de propósito para prejudicar o seu companheiro de equipa. Junta-se isso ao "Spygate", e no final, ambos viram Kimi Raikkonen ser campeão do mundo "sem saber ler ou escrever".
E destes dois exemplos de cima. todos aplaudem. Porque não é assim com Vettel, que tem o mesmo tipo de espírito? Terá a ver com algum ódio anti-alemão, alguma frustração por não ter visto isto com Michael Schumacher?
Sobre este alemão - que como sabem, nunca teve espírito de segundo piloto - contam se episódios sobre o seu comportamento com os que estão à sua volta, mecânicos e engenheiros, quer na Benetton, quer na Ferrari. Este alemão sabia os nomes de quase todos os que trabalhavam à volta do seu carro, porque por muito que desse na pista, estava dependente dos que mantinham o seu bólido. E tinha sempre uma palavra de apreço por eles, quando passavam momentos bons ou maus, especialmente no Natal, quando lhes dava uma recordação a cada um deles, apreciação pelo seu esforço. E digo isto por causa de uma imagem que a Scuderia divulgou esta terça-feira de Vettel, em Maranello, a preparar Suzuka com os seus engenheiros. Se Leclerc quer ganhar, também tem de ter a seu lado os engenheiros. Nesse campo, essa imagem é também uma mensagem. Não ficaria admirado se o destinatário estivesse em paragens monegascas...
Voltando ao alemão: muitos podem se lembrar de Turquia 2010 e Malásia 2012, e na altura, muitos foram os que defenderam que ele deveria obedecer às ordens e andar atrás de Mark Webber. Mas agora recordo o exemplo onde a história mostrou que o australiano era um segundo piloto num carro de primeira.
Após o GP de Itália de 2010, Vettel era quinto na classificação, com 163 pontos e um atraso de 24 sobre Webber. Apesar de ter desitido na Coreia, o alemão conseguiu vencer nas três das últimas quatro corridas do ano. E depois do seu triunfo no GP do Brasil, o australiano tinha pedido à equipa para que estabelecesse uma hierarquia e fosse ele o vencedor. Christian Horner e Helmut Marko não fizeram isso e o alemão venceu convincentemente em Abu Dhabi, enquanto Alonso ficava preso atrás de Vitaly Petrov e Mark Webber não conseguia ser mais que oitavo, batendo-os em cima da meta.
Em suma, eu já vi isto no passado. Vamos a ver o que acontecerá se a Ferrari der um carro capaz de superar as Mercedes em 2020. Quem será o melhor? O puro-sangue ou aquele que sabe como é o carro por dentro e por fora?
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ResponderEliminarPaulo, que história é essa de que o acordo de Prost e Senna era de quem chegasse na frente para o contorno da Tosa seria o primeiro piloto para o ano todo? Isso simplesmente não existe em nenhuma afirmação de qualquer dos envolvidos, nunca vi isso em nenhum registro jornalístico ou qualquer literatura relacionada a F1.
ResponderEliminarParêntese feito, sobre a vossa opinião: Eu quero ver disputa a la Senna x Prost nos boxes ferraristas... sobre quem se sairá vencedor da disputa, tenho pra mim que o monegasco desfruta da vantagem da juventude a seu lado. Não que Vettel seja velho para a F1, mas é uma questão de quem está mais 'na flor'. Sobre qualidade, o estreante já mostrou que tem condições de brigar de igual para igual com o tetracampeão. Resta o tempo nos dizer se ele saberá ou não lidar com a arena de combate. Na experiência Vettel obviamente tem vantagem.
Abraço!
Rodrigo: sobre o trato Prost/Senna, a página da Wikipédia do GP de San Marino de 1989 diz o seguinte.
ResponderEliminar"A guerra Prost/Senna começou depois que o francês ter afirmado que a McLaren tinha um acordo pré-corrida para que quem levasse a primeira curva ficasse lá, o que foi ironicamente sugerido por Senna. Na opinião de Prost, Senna quebrou esse acordo passando-o parcialmente na primeira volta após o reinício."
Está no último parágrafo: https://en.wikipedia.org/wiki/1989_San_Marino_Grand_Prix
Se quiseres, também posso mostrar a página do anuário do Francisco Santos sobre o GP de San Marino desse ano - que tenho na minha biblioteca - onde se fala dessa polémica. Isto não apareceu espontaneamente, apesar de haver tensões desde o GP de Portugal do ano anterior, quando o Senna apertou o Prost no muro da reta da meta. Se calhar, até posso ter enganado sobre o resultado na primeira partida, com o Prost primeiro, e depois, o Senna mandou às malvas por causa do acidente do Berger.
Cesar:
Nem sempre tenho os dados à mão, faço de memória. E ela já começa não estar fresca...
Quanto às combinações que o Schumacher fazia, quer com Barrichello, quer com Irvine, as circunstâncias eram diferentes. No caso de Barrichello, em 2002, a prioridade era ele, e os resultados combinados, como o de Indianápolis, foi com o alemão já campeão e deram algumas vitórias ao brasileiro como "compensação". Em relação ao Irvine, em 1999, as circunstâncias seriam diferentes: o alemão esteve três meses fora por causa do seu acidente em Silverstone, e a duas provas do fim, em Sepang, todos queriam ajudar o irlandês a ser campeão. Mas em Suzuka, o Hakkinen foi-se embora e o Irvine não conseguiu mais que terceiro, dando o bicampeonato ao finlandês.
Mas foram coisas muito pontuais, quase como que uma magnanimidade de vencedor, abdicando de algumas vitórias a favor do segundo piloto, quase a enfatizar a ideia de "empregado do mês". E a vitória de Indianápolis 2002 foi tão "cerimonial" que os fãs detestaram isso, pois passou a ideia de falso. E Zeltweg ainda estava fresca na memória.
Então caro Paulo, repare novamente no meu comentário: eu o questiono sobre dizer que "onde o primeiro a fazer a curva Tosa era o primeiro piloto para o resto daquela temporada". Para A TEMPORADA. A polêmica é amplamente conhecida, claro, mas se tratando de um acordo para que os pilotos não brigassem pela posição nas primeiras voltas, respeitando quem largasse melhor.
ResponderEliminarSe calhar o colega nem reparou na forma como redigiu o trecho.
Abraço fraterno!
Rodrigo:
ResponderEliminarSobre a ideia do Senna-Prost em Imola 89, queres enfatizar é quem largou melhor e não quem estaria na frente na curva Tosa, é isso? E que independentemente do resultado, era apenas uma corrida, e como o Senna não obedeceu, o Prost declarou guerra? E que o ponto de referência, a curva Tosa, nunca existiu? Não sei se lembras como era a pista naquele ano, mas da linha de partida até ali, a Tanburello e a Villeneuve não eram mais do que falsas curvas, andavas sempre de pedal a fundo.
Só quero um esclarecimento, mais nada.
A mim, a ideia foi: ambos tinham um acordo, um deles não cumpriu e a partir dali é que houve "guerra" com os resultados que conhecemos, só isso. Não quero passar por enganador numa era que vivi ao vivo e a cores, e tenho livros sobre isso na minha biblioteca.
A seu tempo: havia algumas incorreções, foram já retificadas.
Paulo:
ResponderEliminarTalvez o jeito como tenha redigido meus comentários anteriormente o tenha feito pensar que estava a questionar a sua lisura no retratar das informações, mas deixo claro que não é o caso. A guerra interna na McLaren que eclodiu em Ímola-89 é amplamente conhecida e retratada, só um ignorante em matéria de F1 negaria isso. Só me causou espécie a forma como você redigiu dando a entender - para mim, ao menos - que o tratado interno não respeitado por Ayrton, segundo Alain, decidiria ali a primazia entre os pilotos para a temporada de 1989 inteira... creio que o objeto da 'discórdia' tenha sido o uso, por sua parte, do termo 'temporada'. Talvez o escriba tenha apenas ressaltado que o acordo existia nas corridas da temporada 1989 e eu entendi de forma diferente. Em todo caso não há qualquer questionamento de minha parte sobre sua lisura. Leio o Continental Circus há uma década e se retorno sempre ao espaço é porque sei e confio na qualidade do autor :).
Abraço fraterno!