domingo, 8 de maio de 2022

A imagem do dia


Há precisamente 40 anos, Gilles Villeneuve sofria o seu acidente mortal em Zolder, na Bélgica. O seu acidente foi o culminar da raiva acumulada pelos eventos da corrida de duas semanas antes, em Imola, e uma maneira de querer mostrar à Ferrari, ao seu companheiro de equipa e sobretudo, ao mundo, que ele era o primeiro piloto da Scuderia e havia hierarquias. E para além disso, sendo alguém que prezava a lealdade, não admitia traidores.

Aliás tinha avisado antes: depois dos eventos de Imola, o ambiente era de guerra. Afirmara isso a Nigel Roebuck, e tinha começado a falar com gente quer na McLaren, quer na Williams - que estreava ali o seu FW08 - no sentido de saber se haveria um lugar para ele em 1983. E ele, que na qualificação tinha sempre sido mais veloz que Pironi, queria mostrar a partir daquele momento que... não era nada. E que lhe tinham roubado uma vitória certa na corrida anterior.

Para piorar as coisas, isto acontece numa altura em que há tempestade em casa. Gilles está zangado com Joanne Barthe, sua mulher desde 1970, e tem um relacionamento com uma mulher, uma hospedeira de bordo na Air Canadá. Tanto que naquele 8 de maio, ela não está ali, está no Mónaco, no batizado de Melanie, a filha mais nova.

A poucos minutos do final, Mario Pichinini, o diretor de corrida, diz a Gilles para colocar um novo jogo de pneus, porque ele não estava a conseguia bater o tempo de Pironi, que era sexto, enquanto Gilles era o oitavo na tabela de tempos. Villeneuve acede, mas ele não abranda nessa volta de aproximação às boxes. Foi na chicane que apanha o March de Jochen Mass, um veterano alemão que já tinha passado por Surtees, McLaren, ATS e Arrows. Ao ver Villeneuve nos espelhos, ele vira para a direita no sentido de lhe dar passagem, mas ele também vai para a direita e o choque é inevitável.

Apesar do socorro imediato, todos viram que o incidente era grave, e ele não tinha chances de sobrevivência: vértebra cervical fraturada, sistema nervoso cortado, fratura na base do crânio. Aliás, cheguei a ver uma foto em que estava com a cara azul e os olhos abertos de pânico. Não é uma imagem bonita de se ver. Mesmo se sobrevivesse, estaria paralisado do pescoço para baixo. 

Chegada a Louvain, onde ele tinha sido transferido, Joanne fala com os médicos, que lhe dizem que não há chances de sobrevivência, porque respirava com a ajuda de aparelhos. No final, ela toma a difícil decisão de desligar as máquinas. Eram 21:12, horário da Europa Central, quando o coração dele deia de bater. Tinha 32 anos. 

Curiosamente, Pironi estava desolado. Pensava que a zanga teria algum tempo, e depois voltariam as pazes, mas o acidente cortou essa chance para sempre. Ele pegou o capacete no solo - há outra fotografia bem famosa desse momento - e os fãs de Gilles nunca perdoaram o gesto de Imola. Os Ferrari não correm em Zolder, em sinal de luto, a corrida é silenciosa, quase lúgrube, e é ganha por John Watson, onde Niki Lauda é terceiro, mas desclassificado pelo seu McLaren estar abaixo do peso. quem beneficia disso é Chico Serra, que dá à Fittipaldi o último ponto da sua carreira na Formula 1, mas nos dias seguintes, quando o paddock fica esvaziado, o único sinal de que eles estiveram ali era o helicóptero Agusta de Gilles, ali estacionado, qual animal de estimação que espera em vão pelo seu dono, agora morto.

E foi assim a Formula 1, há 40 anos. Mais um episódio de uma temporada totalmente anormal.      

1 comentário:

Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...