Mas a aliança entre Le Mans e o automobilismo é muito anterior. Não só a 1923, altura da primeira edição, mas ainda mais antiga, porque foi ali, que em 1906, se organizou o primeiro Grande Prémio de sempre, como as origens desta corrida têm a ver com o que fazer depois de organizar um outro Grande Prémio. É que a prova mais famosa do mundo, a par das 500 Milhas de Indianápolis e do Grande Prémio do Mónaco, usa o traçado de uma corrida que aconteceu antes.
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Contudo, com a continua alternância entre pistas ao longo do hexágono francês, o ACO tinha de inventar algo do qual faça com que as pessoas pudessem vir todos os anos a aquele lugar, sem estar dependente do Grande Prémio - só voltaria a Le Mans mais duas vezes, em 1929 e 1967 - os organizadores começaram a pensar em alternativas. A solução surgiu de três pessoas: Georges Durand, secretário do ACO, juntamente com Emile Coquille, diretor da marca de pneus Michelin, e Charles Faroux, editor do jornal "La Vie Automobile". Os três congeminaram uma prova de 24 horas decidida a provar duas coisas: a resistência mecânica, a poupança de combustível.
O regulamento, publicado em fevereiro de 1923, era estrito: todos os carros eram estandardizados, com quatro lugares, exceto os inferiores a 1100cc, onde poderiam ter dois lugares, os pilotos tinham de ser dois, embora não ao mesmo tempo, o combustível era fornecido pela organização, para evitar compostos mais ricos, e os motores tinham de estar desligados nas boxes, aquando do reabastecimento e das trocas de pilotos. A estandardização significava que os carros tinham de vir pelos seus próprios meios das fábricas até ao circuito. A distância mínima onde os bólidos teriam de ser classificados era o equivalente a 80 por cento da distância percorrida pelo vencedor, dependendo da categoria. Por exemplo: os de 1100cc tinham de percorrer um mínimo de 920 quilómetros, enquanto os superiores a 6,5 litros tinham de andar 1600 quilómetros, pelo menos, a uma média de 66,67 km/hora.
A pista era a mesma do GP de França de 1921 e do qual ficou na memória dos entusiastas, apesar das alterações ao longo dos anos. Os pilotos partiam em reta até Pointelue, onde faziam uma viragem brusca à direita, acelerando até Tetre Rouge, em curva suave. Ali, seguiam em reta pelas Hunaudriéres, até chegarem a Mulsanne, onde viravam à direita. Depois, em reta, chegavam a um empedrado onde os populares chamavam de "Indianápolis" porque fazia lembrar o empedrado que o circuito americano tinha então. Nova viragem em Arnage para a direita, e aceleravam, ate terem de abrandar a um lugar chamado Maison Blanche (Casa Branca, em francês), acelerando até à meta. Em cem anos, a pista sofreu alterações, como as Curvas Porsche, que substituiu a Maison Blanche, por exemplo, mas no essencial, é esta a pista que os pilotos andam há mais de um século. E ainda em estradas nacionais, que são fechadas nas semanas anteriores à corrida e são abertas nos dias seguintes ao trânsito automóvel.
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No final, 37 carros foram aceites pela organização, dos quais acabaram por alinhar 33. Praticamente todos os carros eram franceses, com três exceções: um Bentley britânico e dois Excelsiors belgas, os maiores de todos com motores de 5,3 litros, com 103 cavalos, velocidade máxima de 145 km/hora e pneus Englebert. A inscrição britânica pertencia ao canadiano John Duff, que era o representante da marca em Londres e trouxe consigo Frank Clament, piloto de testes, com um jogo de pneus extra-longos, para este tipo de corrida... e mais um jogo de pneus extra, elaborados por Lionel Rapson. Foi o primeiro carro a ser inscrito para a corrida.
Sobre o que foi essa corrida, os seus antecedentes e as sementes que lançou para o futuro, falo este mês no Nobres do Grid.
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