terça-feira, 10 de outubro de 2023

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Hoje é o centenário de uma lenda do automobilismo. Na realidade... é um comentador.

Murray Walker foi durante mais de 40 anos, desde 1949 a 2001, o comentador automobilístico na BBC. E não era só Formula 1: também fazia Formula Ford, Formula 3, BTCC, Endurance. Na Formula 1, a coisa começou a sério quando em 1978, o canal de televisão apostou a sério com as transmissões em direto de todos os Grandes Prémios da temporada, em vez do GP britânico, e... nem sempre. Recordo de, quando em 1976, por causa do puritanismo, eles não transmitiram os Grandes Prémios por causa do patrocínio da Durex, a marca de preservativos, estampado nos chassis da Surtees. Isto numa altura em que a Hesketh era patrocinada pela Penthouse, a rival da Playboy... 

O mais interessante era que Walker não era um jornalista profissional. Adorava automobilismo, era verdade - herdou a paixão do pai, Graham Walker, que trabalhou na Norton e Sunbeam, chegando a correr, como piloto, no Man TT - e na II Guerra Mundial, guiou tanques no teatro de operações europeu, retirando-se do exército como capitão. Trabalhou durante anos como "copywriter" numa agência de publicidade em Londres, e as narrações fazia-as durante o fim de semana, muitas das vezes... com o pai. A BBC afirma que até aos dias de hoje, foi a única dupla pai e filho em transmissões desportivas, essencialmente no motociclismo. Isso só acabou em 1962, quando Graham Walker morre.  

Contudo, quando em 1976 a BBC mandou o puritanismo às malvas e decidiu transmitir em direto o GP do Japão, porque existia um inglês na luta pelo título, Walker estava lá, e o seu estilo ficou. Melhor aconteceu dois anos depois, quando o GP do Canadá foi transmitido em direto, e no ano seguinte, passou a ter a seu lado James Hunt, que tinha acabado de pendurar o capacete, depois de meia temporada a arrastar-se no seu Wolf.

A dupla tornou-se lendária. Walker, emocionante e comentando "sem rede", com os seus erros a tornarem-se lendários - "a não ser que esteja totalmente enganado... e estou totalmente enganado!" foi um deles - a seu tom algo histriónico e educado era um claro contraste com o calmo, grave e brutalmente honesto Hunt, que não tinha problema algum em mandar "a aquela parte" gente como René Arnoux e Andrea de Cesaris, só para falar de alguns, conseguiam fazer das transmissões televisivas um espetáculo dentro de outro espetáculo. E o mais interessante é que isso só aconteceu nos anos 80, quando Walker se reformou do seu trabalho de "copywriter" e passou a acompanhar a Formula 1 nas suas diversas passagens pelo mundo.

Um episódio da sua calma caótica foi quando narrou a corrida da BTCC em Silverstone, em 1992. Era a ronda final do campeonato, e uma batalha épica pela liderança, onde ninguém cedia a ninguém, de forma alguma. E os toques entre os pilotos iam ao limite. Nessa altura, já existiam "onboards" nos carros e um dos pilotos, David Leslie, decidiu mostrar o dedo do meio para um seu rival. Captado em direto, o "gesto bacana" que Nelson Piquet alega ter dado a Ayrton Senna quando o passou no final da reta de Budapeste, em 1986, virou um "eu vou atacar o primeiro lugar" nas palavras de Walker. 

A dupla Walker-Hunt acabou inesperadamente a 15 de junho de 1993, quando Hunt morre com um ataque cardíaco aos 45 anos. Passou algum tempo até arranjar um companheiro adequado - apesar de contribuições ocasionais de Jackie Stewart e Alan Jones - até arranjar outro piloto recém-retirado, Martin Brundle, em 1997, pouco depois de se ter emocionado quando relatou em direto, em Suzuka, o título mundial de Damon Hill, filho de Graham Hill. As palavras "agora irei ter de fazer uma pausa, porque tenho algo na garganta" ficaram gravadas na história do automobilismo mundial. 

Muitos já diziam que Walker estava gagá, mas quando no final de 2001 anunciou a sua retirada, aos 78 anos, muitos sentiram a sua falta. No fundo, no fundo, gostavam dele e do seu estilo, fazia as transmissões mais emocionantes que eram, e de uma certa forma, quem assiste agora a gente como David Croft, na Sky Sports, de uma certa forma, está a emular o estilo de Walker, ao lado de gente como o próprio Brundle ou de outros ex-pilotos como David Coulthard ou Karun Chandhok.

Walker retirou-se, mas nunca ficou longe dos holofotes. Um bom exemplo que gosto de lembrar é o do GP da Grã-Bretanha de 2008, onde conversava com Stirling Moss, numa conversa que poderia ter acontecido em 1948, sessenta anos antes. Conversa de lendas, de uma certa forma. E andou por aí até ao seu fim, a 10 de março de 2021, com 97 anos, sempre reverenciado como uma lenda da Formula 1, por si só.      

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