segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

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Sorte ou...? 

Explica-se recuando a junho de 1969. Mais concretamente, a Le Mans, no centro de França.

A Porsche mostra ao mundo a sua mais recente criação, o 917. Estreado três meses antes, no Salão Automóvel de Genebra, existiam grandes expectativas em relação ao carro, que tinha um motor de seis cilindros em linha, com 5 litros de capacidade. Tanto que quatro foram inscritos naquela que era a rainha da Endurance, um deles para um britânico, John Woolfe, então com 37 anos.

Gentleman driver, em 1969 trocara o seu Chevron-Repco para um 917, julgando que a sua velocidade seria suficiente para andar entre os profissionais. Woolfe pagou 140 mil marcos para o ter e contratou o alemão Herbert Linge, com imensa experiência nas 24 Horas de Le Mans para ser seu companheiro de equipa. Mais velho que ele - tinha feito 41 anos três dias antes da corrida, a 11 de junho - o seu melhor resultado tinha sido um quarto lugar na edição de 1965, num 904/6, para além de vitórias na classe nas edições de 1960, 61, 63, 65 e 67, ao lado de gente como Edgar Barth ou o neerlandês Ben Pon.

Contudo, apesar da experiência, Woolfe preferiu ser ele o primeiro a partir. E nesse tempo, era em diagonal, com os pilotos a correrem de um lado da pista para dentro do carro, acelerando logo depois. E normalmente, os pilotos não perdiam tempo a colocar o cinto, preferindo fazê-lo... na reta das Hunaudiéres, a 330 ou 350 km/hora. Houve um protesto, de Jacky Ickx, que decidiu caminhar para o seu Ford GT40 e perder tempo a colocar o seu cinto de segurança, partindo de último, porque sabia que tinha 24 horas para apanhar toda a gente. 

Já Woolfe foi um dos que entrou dentro do carro, e acelerou, num 917 de "cauda longa" que tinha uma particularidade: não era bom em termos de downforce. E logo na primeira volta, quando chegou à Maison Blanche, em lugar apertado e em reta, antes da meta - agora, existem as curvas Porsche - ele perdeu o controlo o carro e desfez-se em dois, com o pedaço que tinha o motor a atingir o Ferrari de Chris Amon.

Se o neozelandês viveu para contar a história, já Woolfe não: teve morte imediata. E Linge parecia que não iria guiar naquela corrida porque inicialmente iria correr num carro oficial, ao lado de Brian Redman e do austríaco Rudi Lins, também num 917LH, mas o carro não partiu a tempo.

Mas isso foi mais um dos muitos episódios da carreira de Linge, falecido no sábado aos 95 anos de idade. Um dos primeiros funcionários da Porsche, em 1943, em 1954, depois de ter sido mecânico, começou a correr ao lado de Hans Hermann nas Mille Miglia, num Porsche 550. Ali, ao ver uma cancela de comboio fechada, disse a ele para se baixar, porque o carro era suficientemente baixo para poderem passar sem problemas. E seis anos depois, em 1960, tornou-se no primeiro - e único alemão a ganhar a Volta à Corsega, a bordo de um Porsche SC90.

Em 1970, ainda regressou a Le Mans com um 908/2, ao lado de Jonathan Williams, com uma particularidade: iria ser o "Camara Car" para o filme "Le Mans", protagonizado e produzido por Steve McQueen. A partir daí dedicou-se à segurança dos circuitos, o DMSB (Deutscher Motor Sport Bund)  Staffel, essencialmente um esquadrão de carros rápidos, quase todos eles Porsches 911 e 914,  que não só estavam equipados com extintores como pessoal especializado, como médicos e bombeiros, e iam até aos locais dos acidentes o mais depressa possível e socorrer o mais rapidamente os pilotos em perigo. 

Foi um desses carros que estava presente a 1 de agosto de 1976, no Nurburgring Nordschleife, quando Niki Lauda perdeu o controle do seu Ferrari e embateu contra o muro de proteção, ajudando a apagar o fogo e ser retirado do seu carro, salvando-lhe a vida. 

A sua dedicação à marca foi tal que em 2006 foi eleito cidadão honorário de Weissach, uma das sedes da Porsche, 24 anos depois de ter sido condecorado com a Ordem de Mérito da Republica Federal da Alemanha, pelas suas contribuições para a segurança rodoviária e das pistas.

Em muitos aspetos, Linge pertence a um tempo onde correr era um verdadeiro perigo, e a grande vitória era sobreviver para correr noutro dia. E sem ele saber bem, ajudou a modificar as coisas. Afinal de contas, dois anos depois de ter visto John Woolfe ser palco de chamas, naquela tarde de junho de 1969, as 24 Horas de Le Mans deixaram de largar de uma maneira para começarem a fazê-lo em partida lançada e com os pilotos dentro dos seus carros, agarrados aos cintos de segurança.            

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