A morte de Alan Rees, ontem, aos 86 anos, marca o final de uma era na Formula 1, especialmente na fundação de uma das mais importantes equipas da competição, a March. E como quatro pessoas e uma garagem deram origem a uma marca que construiu chassis por mais de duas décadas na Formula 1, Formula 2, Formula 3, CART, e até na Ednurance. E como quatro pessoas, de lugares diferentes, com tarefas diferentes, colocaram tudo em tão pouco tempo que muitos duvidaram da sua realização. E tão depressa como montaram, depressa se dispersaram, por causa das suas personalidades e da sua permanente busca de dinheiro.
A March, fundada em meados de 1969, era uma ideia de Max Mosley, antigo piloto de Formula 2 - estava em Hockenheim a 7 de abril de 1968 quando aconteceu o acidente fatal de Jim Clark - que trouxe consigo Robin Herd, um jovem projetista que tinha trabalhado no projeto do Concorde, antes de ir para a McLaren, onde projetou carros como o M6A, de Can-Am e o M7A, de Formula 1, os primeiros chassis vitoriosos da marca. Com ele apareceram mais duas pessoas: Alan Rees, ex-piloto de Formula 2 que chegou a competir em três Grandes Prémios de Formula 1, e tinha ajudado na Rob Winkelmann Racing como o "manager", e Graham Coaker, que tinha uma garagem/fábrica em Bicester e um competidor amador queria construir o seu carro.
Rees era amigo de escola de Herd, e Mosley conheceu Rees nos seus tempos de Formula 2. Coaker, o mais velho dos quatro, era contabilista de formação, e piloto aos fins de semana. March era um acrónimo das iniciais dos sócios: M de Mosley, AR de Alan Rees, C de Coaker, e H de Herd. E claro, soava bem. O logotipo, algo futurista, foi desenhado pela mulher de Coaker.
Cada um colocou 2500 libras no capital inicial e tinha a sua tarefa na equipa: Mosley cuidava do marketing e angariava potenciais clientes, Rees cuidava da equipa de pista, Coaker era o diretor da fábrica, em Murdock Road, Herd projetava os carros. E a ideia era simples: fornecer chassis a um preço acessível. Mosley queria vender chassis de Formula 1 a cinco mil libras. Mas um dia, Walter Hayes, então o presidente da Ford Europa, disse-lhe: "a esse preço, entras rapidamente em falência.". No final, vendeu dois chassis a Ken Tyrrell por oito mil libras cada, e ainda vendeu mais dois para privados, um deles para Mário Andretti, e outro, que deu a chance a Ronnie Peterson - o primeiro piloto a ser contratado por Mosley, em 1969, na Formula 3 - de se estrear na Formula 1.
A equipa era interessante: inicialmente, queriam Jochen Rindt, que ele desejava sair da Lotus, mas depois de os visitar, em Bicester, ficou desolado pelo tamanho da equipa e decidiu ficar com Chapman para 1970. No final, depois de construírem o 701 em tempo recorde - a apresentação foi em fevereiro, quatro semanas antes da primeira corrida da temporada, na África do Sul - decidiram ficar com o neozelandês Chris Amon e o suíço Jo Siffert. O primeiro vinha da Ferrari, e o segundo tinha o seu lugar e salário pago pela Porsche, porque não queria que ele fosse correr para a Ferrari, sua rival na Endurance.
Para além disso, a March vendia chassis à Formula 2, Formula 3 e Formula Ford, mas no verão de 1970, estavam desesperados. A constante evolução dos carros, as discussões entre os sócios, e falta de dinheiro fizeram que um dos meio-irmãos de Mosley injetasse 15 mil libras para salvar a equipa. Seria o primeiro de muitas injeções de dinheiro nos anos seguintes, contou anos depois Robin Herd. Mas isso não impediu que dois dos sócios saíssem em pouco tempo: Coaker, no inicio de 1971, Rees alguns meses depois, para cuidar da Shadow, então na Can-Am. O primeiro nem iria viver por muito mais tempo: um acidente em Silverstone, em abril desse ano com um March de Formula 2 - presente de despedida da equipa - causou-lhe ferimentos fatais. Foi o primeiro dos sócios a morrer.
Apesar de tudo, a March causou impacto. Fez a pole-position em Kyalami, na sua primeira corrida, ganhou uma corrida em Jarama, a sua segunda, e conseguiu quatro pódios na sua temporada de estreia. Nas duas temporadas seguintes, com Peterson e um jovem austríaco, Niki Lauda - que injetou 35 mil libras em 1972, e de uma certa maneira, manteve a equipa à tona de água por mais algum tempo - conseguiu boas classificações. O sueco foi vice-campeão do mundo em 1971, bem distante do campeão, Stewart, cuja equipa, a Tyrrell, construiu o seu primeiro chassis a partir do 701 da March.
Contudo, depois de 1973, teve dificuldades em andar entre os da frente. Conseguiu mais duas vitórias, em 1975 com Vittorio Brambilla, e no ano seguinte, com Peterson, mas depois de 1977, abandonou a Formula 1. Foi nessa altura em que Mosley saiu da equipa, decidindo ser advogado e sócio de Bernie Ecclestone até ele chegar ao topo da FIA, em 1991. Herd ficou na equipa, sendo o único dos fundadores a ficar até ao final da década de 80, acolhendo gente como Adrian Newey, e desenhar chassis para a CART, IMSA, Formula 2, Formula 3000 e Formula 3, onde foi a referência durante esse tempo.
A March ainda regressou à Formula 1 graças a um projeto italiano, a Genoa Racing, que tinha 17 pessoas quando Ivan Capelli chegou à Formula 1, em 1987, vindo da Formula 3 europeia. Gerido por um italiano, Cesare Garibaldi, e patrocinado por um japonês, Akira Akagi, merece uma história à parte, mas em 1988 e 89, conseguiu três pódios e o nome da equipa a reaparecer na categoria principal do automobilismo. Akagi comprou a March a Herd e rebatizou de Leyton House, a firma de investimentos que fundou. Esta envolveu-se num escândalo financeiro em 1991, coincidindo com a recessão no Japão, e saiu de cena no final desse ano. A March tentou manter-se à tona em 1992, mas com a recessão global, faliu no inicio de 1993, depois de 22 anos de bons serviços ao automobilismo.
Quanto aos seus fundadores, Herd acabou por morrer em 2019, aos 79 anos, dois antes de Mosley, que faleceu aos 81. Rees, o último dos sobreviventes, foi-se agora. E esta é uma era que pertence aos livros de história.