OS HOMENS CERTOS PARA O DESAFIO
Meados de 1963. Como já foi visto no capitulo anterrior, Enzo Ferrari deu um valente chuto no orgulho de Henry Ford II e decidiu reagir, declarando guerra a Maranello, jurando destrui-lo no seu lugar favorito, as 24 horas de Le Mans, onde dominava, em paralelo com a Formula 1. Contudo, apesar de terem logo começado a trabalhar nessa parte, Ford precisava dos homens certos para o desafio, de preferência americanos, porque era isso de que se tratava. E cedo apareceu um nome consensual entre todos, o de Carrol Shelby.
Nascido a 11 de janeiro de 1923 em Leesburg, no Texas, Shelby não teve uma vida fácil. Com problemas no coração desde tenra infância - poucos acreditavam que chegaria à vida adulta - tornou-se mecânico de aviões em 1941, e depois da II Guerra, teve alguma dificuldade em assentar. A certa altura, tornou-se criador de aves, depois de ter trabalhado na industria petrolífera. Um dia, no final da década de 40, Shelby estava atrasado para uma prova de GT's que foi correr com a sua farda de trabalho. Venceu a prova e ele passou a ser chamado de "criador de galinhas". Nos anos 50, levou o automobilismo mais a sério e em 1956, bateu 16 recordes de velocidade no Bonneville Salt Flats.
Os seus feitos valeram-se ser eleito como o automobilista do ano em 1956 e 57 pela Sports Illustrated. E um convite para correr na Europa pela Aston Martin, onde competiu na Formula 1 por duas temporadas, com um quarto lugar em Monza como melhor resultado. E em 1959, ao lado de Roy Salvadori, venceu as 24 Horas de Le Mans num modelo DBR1, inscrito pela marca. No final desse ano, a saúde proporcionou-lhe um susto e decidiu abandonar o volante para se concentrar nos negócios. Ao descobrir as marcas inglesas e a sua capacidade de construir desportivos leves e rápidos, pensou em lhes montar um motor V8 americano, do qual poderiam ser carros imbatíveis. Primeiro com a Allard, cedo descobriu o AC Ace, um modelo fabricado desde 1953 pela empresa AC Cars. Propôs-lhe a importação dos seus chassis, que ele arranjaria o motor V8 certo. Quando a Chevrolet hesitou nesse negócio, foi ter com a Ford que elaborou de imediato um contrato de fornecimento com ele. E assim nascia o AC Cobra, cujas primeiras unidades começaram a circular em 1962.
No final de 1963, ao ver que os V8 "small block" de 6,2 litros eram bons para a pista, decidiu construir alguns chassis específicos para as pistas, nascendo assim os Shelby-Daytona Coupé, que os colocou em Daytona, com excelentes resultados.
Por essa altura, Ford começa a falar com Shelby. Sabia que era bom no que fazia, e apresentava resultados na pista, e depois repercutia nas vendas dos seus AC Cobra. "Win on Sunday, sell on Monday". A frase de Harey Firestone virara o mantra de todos os construtores.
A abordagem formal a Shelby acontecera depois da primeira reunião entre a cúpula da Ford, a 12 de julho de 1963, em Detroit. Nessa reunião, Lee Iaccoca, Roy Lunn e Don Frey decidiram formar a Ford Advanced Vehicules, e acordaram com um orçamento de sete dígitos para ter um carro pronto a tempo das 24 horas de Le Mans de 1964. Na reunião, Lunn disse que, para vencer, precisariam de um carro que andasse constantemente a 320 km/hora e fosse resistente o suficiente por 24 horas para ser capaz de vencer. E na edição de 1963, a Ferrari tinha conseguido cinco dos seis primeiros lugares.
No final, todos reconheciam uma coisa: ninguém ali dentro era capaz de construir um carro vencedor, mas conheciam quem poderia fazer: Shelby. Conhecendo muito bem como se corria na Europa, e tendo absorvido algumas das coisas que Enzo Ferrari tinha feito, queria ir à Europa e bater os italianos no seu terreno. Quando Shelby e Roy Lenn se encontraram e falou do dinheiro dispensado, o projeto avançou de imediato.
Para isso, Shelby pensou em algumas cabeças e alguns lugares. Achou um lugar no Reino Unido, em Slough, onde poderia construir os seus carros com calma. Com Lunn na chefia da engenheria, Shelby chamou primeiro John Wyer, seu antigo chefe na Aston Martin, para mexer no projeto enquanto estava nas Américas. Nascido a 11 de dezembro de 1909, no Kidderminster inglês, John Wyer era formado em engenharia e tinha entrado nos quadros da Aston Martin no inicio da década de 50, onde se cruzou com Shelby nos projetos dos GT's e da Formula 1. Quando ele o convidou para o projeto da Ford, aceitou de imediato.
Frey procurou por mais gente e descobriu um engenheiro que andava a construir os seus próprios carros sob encomenda. Eric Broadley tinha começado a construir os seus carros sob o nome Lola, e em 1962, tinha construído, a pedido de Reg Parnell, um chassis de Formula 1 que tinha tido sucesso nas mãos de John Surtees, o Lola Mk4. Aos 35 anos de idade - nascera a 22 de setembro de 1928 - Broadley sabia do que fazia, pois em 1963 tinha apresentado um protótipo de motor central e com um centro de gravidade rebaixado. Shelby olhou para ele como a pessoa ideal para construir o seu chassis e alertou a Ford, que estendeu um contrato de dois anos para que a marca construísse um protótipo semelhante. Iria nascer o GT40.
Os trabalhos avançaram no verão e outono de 1964. Em Slough, cedo todas estas personalidades inflamaram-se, mas a bem da Ford, continuaram a trabalhar. Wyer precisava de bons pilotos de testes e lembrou-se de um neozelandês que sabia guiar e era excelente a sentir os carros. Chamava-se Bruce McLaren.
Aos 26 anos - nascera a 30 de agosto de 1937 - e filho de mecânico, e depois de uma infância difícil - ficara dois anos numa cama devido à doença de Perthes, que impediu o seu desenvolvimento ósseo - tinha construído o seu primeiro carro aos 14 anos, baseado num chassis Austin. Aos 22, competia na Europa a bordo de um Cooper e vencera em Sebring, sendo por mais de 40 anos o piloto mais novo de sempre a vencer uma corrida de Formula 1. E em 1964, queria fazer a sua própria equipa, mas não tinha o dinheiro necessário para isso. Logo, a Ford ofereceu-lhe o cargo de piloto de testes da equipa. McLaren nem hesitou.
O GT40 - os 40 eram as polegadas que iam do teto ao solo - era desenvolvido nos dois lados do Atlântico, e inicialmente, o chassis era desenvolvido através de computadores e túneis de vento, uma novidade na altura. Com um motor de 4,2 litros modificado para gerar 350 cavalos de potência, pensavam que tinham um conjunto imbatível, pois nos simuladores, o carro atingia uma velocidade máxima de 338 km/hora, mais veloz do que a concorrência italiana. No final de 1963, o primeiro protótipo estava a ser construído, e havia elementos que necessitavam de ser construídos, como os travões - que tinham de ser de disco e capazes de abrandar dos 340 km/hora para 55 na final das Hunaudriéres para a curva Mulsanne, a mais forte de todo o circuito - os depósitos de gasolina, as suspensões e as componentes eletrónicas. E a caixa de velocidades, cujos melhores vinham - ironicamente - de Itália, através da Colotti.
O PRIMEIRO BANHO DE REALIDADE
A 1 de abril - não, não é mentira - o primeiro carro estava pronto. Mas em vez de testar, Henry Ford II tinha outros planos: queria mostrá-lo ao mundo. Telefonou a Roger Frey e disse que no dia 3, o carro teria de estar em Nova Iorque, na abertura do Salão do Automóvel, e já tinha convocado a imprensa. Wyer e Lunn protestaram, mas no final desse dia, o carro estava a bordo de um avião para fazer a travessia transatlântica para os Estados Unidos, e ser mostrado ao mundo, com o "Deuce" e Iaccoca presentes.
Nos discursos, Iaccoca dizia que era "O Automóvel Mundial", com os travões a serem feitos no Reuni Unido, a caixa de velocidades em Itália - eram os Collotti - e o motor nos Estados Unidos. Todos ficaram entusiasmados com o carro, que impressionava com o seu ar agressivo, e esperavam que dali a algumas semanas andassem de igual para igual com os carros de Maranello. Só que tinham um problema: não tinha andado um metro sequer, e as tensões internas acumuladas ao longo do inverno já tinham causado estragos: Broadley, o construtor do carro, tinha abandonado o projeto e voltado à sua Lola. Dezoito dias depois, em Le Mans, dois GT40 estavam prontos para os primeiros testes a sério. E ali, eles iriam ter o seu primeiro banho de realidade.
McLaren era o primeiro piloto de testes, mas logo a seguir veio Phil Hill. Saído da Ferrari em 1962, em solidariedade com os engenheiros que abandonaram a equipa, e também porque o seu grande objetio tinha sido alcançado - ser campeão do mundo - fora para a ATS, a Automobili Turismo Sport, onde teve uma temporada muito discreta. Em 1964, corria pela Cooper, mas não era mais competitivo. E ele já encarava o automobilismo de forma melancólica. Já tinha vencido o que tinha de vencer - Formula 1 e três vezes vencedor de Le Mans - a decadência era mais que evidente. Mas a Ford lhe deu uma chispa de competitividade e a sua veterania também poderia dar alguma mais-valia. A McLaren e Hill, juntaram-se o britânico Roy Salvadori e o francês Jo Schlesser.
Nos primeiros testes, Salvadori deu o alerta: a 270 km/hora, o carro estava a ter uma sobreviragem nas rodas traseiras, ou seja, a traseira começava a descolar-se do solo.
"- Não posso acreditar nisto, John - disse Salvadori a Wyer - mas acho que estamos a ter sobreviragem nos pneus traseiros a mais de 270 km/hora.
Lunn e Wyer conferiram. Era incrível - com aquela velocidade, a traseira do veículoestava a descolar-se do solo. Irrompeu uma discussão. Seria um problema aerodinâmico ou uma questão de suspensão? A última ideia prevaleceue os mecânicos puseram mãos à obra, fazendo ajustamentos. Salvadori estava assustado, não queria fazer parte daquela experiência e o seu trabalho para aquele dia estava acabado.
Schlesser prendeu o capacete. Wyer inclinou-se para a frente e deu instruções ao piloto francês, provavelmente a dizer, «Não corras riscos, traz o carro de volta inteiro».
Passado pouco tempo, Schlesser arrancou, acelerando debaixo da Ponte Dunlop e desaparecendo de vista. Na boxe, a equipa Ford aguardava. Passados pouco mais de quatro minutos, Schlesser apareceu, acelerando para fora da curva da Maison Blanche e pasando pelas tribunas vazias. Estava a deslocar-se velozmente, o motor V8 a debitar potência ruidosamente com uma quarta metida nas rodas traseiras. Schlesser voltou a deslocar-se por baixo da ponte Dunlop e o Ford desapareceu. Passou um minuto. E depois outro. Olhos fixaram-se na direção da Maison Blanche, à espera que Schlesser contornasse a curva. Passou novo minuto. E outro.
O carro nunca apareceu.
Recebeu-se um telefonema da zona de sinalização da pista no outro extremo do traçado junto do final da Reta de Mulsanne. Tinha havido um acidente. Parecia bastante dramático, mas aparentemente o piloto estava vivo. Quando Schlesser surgiu na boxe da Ford, estava abalado e a sangrar de um pequeno corte na testa. Tinha apanhado boleia de regresso.
O carro fez a reta toda com a traseira a guinar, queixou-se num sotaque francês. «Não seguia uma reta direita». Schlesser vinha a aproximadamente 255 km/hora quando perdeu o controlo. Estava a necessitar de um brandy e de uma cadeira."
A.J Baime, "Como uma Bala", pgs. 116-117
Apesar destes homens serem todos experimentados no automobilismo, a montanha que tinham pela frente acabava de ser um pouco mais alta e abrupta. No dia seguinte, Salvadori também tiveram um acidente com o outro carro e um representante da marca telefonava a Dearborn dizendo que "estava atolado com destroços até ao joelho". Mas Henry Ford II e Lee Iaccoca não estavam muito preocupados. Apesar da contrariedade, estavam felizes por causa do lançamento de outro modelo: o Mustang. Mas na imprensa especializada, sempre atenta, já se colocavam dúvidas sobre o sucesso do projeto. E junho já espreitava, com mais uma edição e os Ferrari a dominar.
(continua)
Por essa altura, Ford começa a falar com Shelby. Sabia que era bom no que fazia, e apresentava resultados na pista, e depois repercutia nas vendas dos seus AC Cobra. "Win on Sunday, sell on Monday". A frase de Harey Firestone virara o mantra de todos os construtores.
A abordagem formal a Shelby acontecera depois da primeira reunião entre a cúpula da Ford, a 12 de julho de 1963, em Detroit. Nessa reunião, Lee Iaccoca, Roy Lunn e Don Frey decidiram formar a Ford Advanced Vehicules, e acordaram com um orçamento de sete dígitos para ter um carro pronto a tempo das 24 horas de Le Mans de 1964. Na reunião, Lunn disse que, para vencer, precisariam de um carro que andasse constantemente a 320 km/hora e fosse resistente o suficiente por 24 horas para ser capaz de vencer. E na edição de 1963, a Ferrari tinha conseguido cinco dos seis primeiros lugares.
No final, todos reconheciam uma coisa: ninguém ali dentro era capaz de construir um carro vencedor, mas conheciam quem poderia fazer: Shelby. Conhecendo muito bem como se corria na Europa, e tendo absorvido algumas das coisas que Enzo Ferrari tinha feito, queria ir à Europa e bater os italianos no seu terreno. Quando Shelby e Roy Lenn se encontraram e falou do dinheiro dispensado, o projeto avançou de imediato.
Para isso, Shelby pensou em algumas cabeças e alguns lugares. Achou um lugar no Reino Unido, em Slough, onde poderia construir os seus carros com calma. Com Lunn na chefia da engenheria, Shelby chamou primeiro John Wyer, seu antigo chefe na Aston Martin, para mexer no projeto enquanto estava nas Américas. Nascido a 11 de dezembro de 1909, no Kidderminster inglês, John Wyer era formado em engenharia e tinha entrado nos quadros da Aston Martin no inicio da década de 50, onde se cruzou com Shelby nos projetos dos GT's e da Formula 1. Quando ele o convidou para o projeto da Ford, aceitou de imediato.
Frey procurou por mais gente e descobriu um engenheiro que andava a construir os seus próprios carros sob encomenda. Eric Broadley tinha começado a construir os seus carros sob o nome Lola, e em 1962, tinha construído, a pedido de Reg Parnell, um chassis de Formula 1 que tinha tido sucesso nas mãos de John Surtees, o Lola Mk4. Aos 35 anos de idade - nascera a 22 de setembro de 1928 - Broadley sabia do que fazia, pois em 1963 tinha apresentado um protótipo de motor central e com um centro de gravidade rebaixado. Shelby olhou para ele como a pessoa ideal para construir o seu chassis e alertou a Ford, que estendeu um contrato de dois anos para que a marca construísse um protótipo semelhante. Iria nascer o GT40.
Os trabalhos avançaram no verão e outono de 1964. Em Slough, cedo todas estas personalidades inflamaram-se, mas a bem da Ford, continuaram a trabalhar. Wyer precisava de bons pilotos de testes e lembrou-se de um neozelandês que sabia guiar e era excelente a sentir os carros. Chamava-se Bruce McLaren.
Aos 26 anos - nascera a 30 de agosto de 1937 - e filho de mecânico, e depois de uma infância difícil - ficara dois anos numa cama devido à doença de Perthes, que impediu o seu desenvolvimento ósseo - tinha construído o seu primeiro carro aos 14 anos, baseado num chassis Austin. Aos 22, competia na Europa a bordo de um Cooper e vencera em Sebring, sendo por mais de 40 anos o piloto mais novo de sempre a vencer uma corrida de Formula 1. E em 1964, queria fazer a sua própria equipa, mas não tinha o dinheiro necessário para isso. Logo, a Ford ofereceu-lhe o cargo de piloto de testes da equipa. McLaren nem hesitou.
O GT40 - os 40 eram as polegadas que iam do teto ao solo - era desenvolvido nos dois lados do Atlântico, e inicialmente, o chassis era desenvolvido através de computadores e túneis de vento, uma novidade na altura. Com um motor de 4,2 litros modificado para gerar 350 cavalos de potência, pensavam que tinham um conjunto imbatível, pois nos simuladores, o carro atingia uma velocidade máxima de 338 km/hora, mais veloz do que a concorrência italiana. No final de 1963, o primeiro protótipo estava a ser construído, e havia elementos que necessitavam de ser construídos, como os travões - que tinham de ser de disco e capazes de abrandar dos 340 km/hora para 55 na final das Hunaudriéres para a curva Mulsanne, a mais forte de todo o circuito - os depósitos de gasolina, as suspensões e as componentes eletrónicas. E a caixa de velocidades, cujos melhores vinham - ironicamente - de Itália, através da Colotti.
O PRIMEIRO BANHO DE REALIDADE
A 1 de abril - não, não é mentira - o primeiro carro estava pronto. Mas em vez de testar, Henry Ford II tinha outros planos: queria mostrá-lo ao mundo. Telefonou a Roger Frey e disse que no dia 3, o carro teria de estar em Nova Iorque, na abertura do Salão do Automóvel, e já tinha convocado a imprensa. Wyer e Lunn protestaram, mas no final desse dia, o carro estava a bordo de um avião para fazer a travessia transatlântica para os Estados Unidos, e ser mostrado ao mundo, com o "Deuce" e Iaccoca presentes.
Nos discursos, Iaccoca dizia que era "O Automóvel Mundial", com os travões a serem feitos no Reuni Unido, a caixa de velocidades em Itália - eram os Collotti - e o motor nos Estados Unidos. Todos ficaram entusiasmados com o carro, que impressionava com o seu ar agressivo, e esperavam que dali a algumas semanas andassem de igual para igual com os carros de Maranello. Só que tinham um problema: não tinha andado um metro sequer, e as tensões internas acumuladas ao longo do inverno já tinham causado estragos: Broadley, o construtor do carro, tinha abandonado o projeto e voltado à sua Lola. Dezoito dias depois, em Le Mans, dois GT40 estavam prontos para os primeiros testes a sério. E ali, eles iriam ter o seu primeiro banho de realidade.
McLaren era o primeiro piloto de testes, mas logo a seguir veio Phil Hill. Saído da Ferrari em 1962, em solidariedade com os engenheiros que abandonaram a equipa, e também porque o seu grande objetio tinha sido alcançado - ser campeão do mundo - fora para a ATS, a Automobili Turismo Sport, onde teve uma temporada muito discreta. Em 1964, corria pela Cooper, mas não era mais competitivo. E ele já encarava o automobilismo de forma melancólica. Já tinha vencido o que tinha de vencer - Formula 1 e três vezes vencedor de Le Mans - a decadência era mais que evidente. Mas a Ford lhe deu uma chispa de competitividade e a sua veterania também poderia dar alguma mais-valia. A McLaren e Hill, juntaram-se o britânico Roy Salvadori e o francês Jo Schlesser.
Nos primeiros testes, Salvadori deu o alerta: a 270 km/hora, o carro estava a ter uma sobreviragem nas rodas traseiras, ou seja, a traseira começava a descolar-se do solo.
"- Não posso acreditar nisto, John - disse Salvadori a Wyer - mas acho que estamos a ter sobreviragem nos pneus traseiros a mais de 270 km/hora.
Lunn e Wyer conferiram. Era incrível - com aquela velocidade, a traseira do veículoestava a descolar-se do solo. Irrompeu uma discussão. Seria um problema aerodinâmico ou uma questão de suspensão? A última ideia prevaleceue os mecânicos puseram mãos à obra, fazendo ajustamentos. Salvadori estava assustado, não queria fazer parte daquela experiência e o seu trabalho para aquele dia estava acabado.
Schlesser prendeu o capacete. Wyer inclinou-se para a frente e deu instruções ao piloto francês, provavelmente a dizer, «Não corras riscos, traz o carro de volta inteiro».
Passado pouco tempo, Schlesser arrancou, acelerando debaixo da Ponte Dunlop e desaparecendo de vista. Na boxe, a equipa Ford aguardava. Passados pouco mais de quatro minutos, Schlesser apareceu, acelerando para fora da curva da Maison Blanche e pasando pelas tribunas vazias. Estava a deslocar-se velozmente, o motor V8 a debitar potência ruidosamente com uma quarta metida nas rodas traseiras. Schlesser voltou a deslocar-se por baixo da ponte Dunlop e o Ford desapareceu. Passou um minuto. E depois outro. Olhos fixaram-se na direção da Maison Blanche, à espera que Schlesser contornasse a curva. Passou novo minuto. E outro.
O carro nunca apareceu.
Recebeu-se um telefonema da zona de sinalização da pista no outro extremo do traçado junto do final da Reta de Mulsanne. Tinha havido um acidente. Parecia bastante dramático, mas aparentemente o piloto estava vivo. Quando Schlesser surgiu na boxe da Ford, estava abalado e a sangrar de um pequeno corte na testa. Tinha apanhado boleia de regresso.
O carro fez a reta toda com a traseira a guinar, queixou-se num sotaque francês. «Não seguia uma reta direita». Schlesser vinha a aproximadamente 255 km/hora quando perdeu o controlo. Estava a necessitar de um brandy e de uma cadeira."
A.J Baime, "Como uma Bala", pgs. 116-117
Apesar destes homens serem todos experimentados no automobilismo, a montanha que tinham pela frente acabava de ser um pouco mais alta e abrupta. No dia seguinte, Salvadori também tiveram um acidente com o outro carro e um representante da marca telefonava a Dearborn dizendo que "estava atolado com destroços até ao joelho". Mas Henry Ford II e Lee Iaccoca não estavam muito preocupados. Apesar da contrariedade, estavam felizes por causa do lançamento de outro modelo: o Mustang. Mas na imprensa especializada, sempre atenta, já se colocavam dúvidas sobre o sucesso do projeto. E junho já espreitava, com mais uma edição e os Ferrari a dominar.
(continua)
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