Nos dias seguintes, todos tiveram de ser fortes e seguir em frente. Era algo que sabiam que poderiam acontecer a todos eles, era o tal risco que todos tinha aceite no momento em que pisassem o cockpit de um carro, seja ele numa prova de Turismos, Interseries, USAC, Can-Am, Formula 1. Fosse ele no Alasca ou na Nova Zelândia, a possibilidade de morrer num desses carros era real. Mas a vontade de correr era mais forte e tinham já aceite, interiormente, que a sua vida poderia ser curta.
Mas como todos os seres humanos, sofriam quando um dos seus morria. Pete pensava que tinha tido muita sorte ao parar no momento certo, ter saído do cockpit mesmo ferido e descoberto que havia vida na Formula 1 para além da pilotagem, pois a seguir, haveria dose dupla: Spa-Francochamps e Le Mans.
Na pista belga, compreensivelmente, não haviam McLarens na lista de inscritos. Todos os que tinham inscrito os seus carros no Mónaco entravam na prova, e Alexandre ainda tinha o velho Eagle consigo. Tinha consciência de que aquele chassis de dois anos de idade tinha a sua época, e esta tinha ficado para trás. Na Kemmel, perdia 15 km/hora de velocidade de ponta, mesmo com um motor actualizado, e a mesma coisa acontecia em Staevlot. Portanto, não ficou admirado com o 14º posto na grelha de partida, mesmo sendo batido pelos Jordan da Temple, ou seja, partia atrás de Kalhola e Hocking. E até o velho Cervantes estava à sua frente...
Desta vez, a Ferrari era a mais rápida, colocando Patrick Van Diemen na pole-position e Toino Bernardini no terceiro lugar, tendo entre eles o Matra de Gilles Carpentier. Pierre de Beaufort era quarto, à frente de John O'Hara, Bob Turner, Pieter Reinhardt e Teddy Solana. Pete, que via tudo nas boxes, afirmava que naquele dia, tinham de ser fiáveis e esperar pelas quebras dos motores V12, pois caso contrário, seria o dia deles...
De facto, foi. A corrida foi toda uma luta entre Van Diemen, Turner e Beaufort, com O'Hara e Reinhardt a passarem também pela liderança. Mas os pilotos do motor V8 quebraram e no final foi Bob Turner, a caminho dos seus 43 anos, que deu à BRM a sua primeira vitória do ano, batendo o herói da casa, Van Diemen, e Pierre de Beaufort, no seu Matra. Teddy Solana foi o melhor dos V8, no quinto posto, atrás de Gilles Carpentier, enquanto que Alexandre de Monforte acabou em oitavo, a uma volta do vencedor, lutando com Kalhola e Gustafsson pelo último lugar pontuável. No final, foi o sueco a levar a melhor.
Uma semana depois, todos se preparavam para correr em Le Mans. Durante o ano, Mike Weir tinha trabalhado nos 917, e tinha-os modificado, especialmente ao serrar a parte de trás, descobrindo que tinha resolvido o problema da instabilidade traseira que o peso dos motores flat-16 de cinco litros lhe causavam. Assim sendo, ele tinha preparado três carros, e cada um dos seus pilotos iria conduzir o seu. Todos estariam presentes na corrida francesa, incluindo Michael Delaney e a sua equipa de filmagens, para mais uma quantidade de filmagens para o seu filme "Le Mans", que tinha sido marcado para o final daquele ano.
Pete queria Dan Gurney a guiar um dos seus carros, mas ele tinha se comprometido a ajudar a McLaren nos seus tempos difíceis, e isso incluía tudo: Can-Am e Formula 1. Ficou surpreendido ao saber do seu regresso à Europa, e um pouco aborrecido por saber que iria guiar um rival. Um grande amigo, é certo, mas um rival na pista. Mas esse aborrecimento foi amplamente aplacado, pois sabia que era a retribuição de um favor. Afinal, quatro épocas antes, Bruce tinha guiado na Eagle enquanto a sua equipa estava a dar os seus cruciais primeiros passos...
E este ano, para piorar as coisas, nem poderia contar com o pessoal da Matra, pois eles também se tinham lançado na aventura dos Protótipos, ainda que fosse na classe de três litros, aproveitando o seu V12. E tinham dois carros para a nata do automobilismo francês. Phillipe de Beaufort teria a seu lado Pierre Brasseur, enquanto que Gilles Carpentier iria ter um piloto belga, de seu nome Jean Picard, e que nos dois anos anteriores tinha ganho o Volant Elf e o francês de Formula 3.
Nos Porsches de Weir, Aaron e Delaney, O'Hara, Solana e Monforte tinham cada um os seus carros. O sildavo fez questão que um dos carros fosse desenhado com as mesmas cores do seu patrocinador, mas sem um compatriota capaz de guiar da mesma maneira do que ele, convidou um velho amigo da Formula 2 para ser seu companheiro. Assim, o brasileiro Pedro Medeiros estava no cockpit do carro, partilhando a condução com ele. Já Teddy foi buscar um dos seus compatriotas, Antonio Molina, que tinha guiado no ano anterior, e John O'Hara iria guiar com o sul-africano Philipp de Villiers, que o tinha chamado após saber da indisponiblidade de Gurney e das lesões de Hogarth. Por essa altura, De Villers dominava o campeonato local a seu bel-prazer. E trazia outras novidades.
- Sabes quem anda a guiar por lá, num Ford Escort?
- Não.
- A Jackie.
Peter franziu o sobrolho. Uma mulher corredora? Conhecera Pieter, o pai dela, e sabia que a filha também tinha a paixão dos automóveis, mas não via uma mulher num desporto tão perigoso como o automobilismo. Hesitante, perguntou:
- Como é que ela se está a dar?
- Muito bem. Ganhou em Kyalami e este fim de semana vai correr em Sailsbury, na Rodésia.
- Estou a ver. Quantos concorrentes?
- Depende das corridas. 16, 18, 20... Conforme.
- Todos homens?
- Todos homens. Olha, trouxe-te um recorte de jornal para te mostrar.
Na autocaravana da Weir Mororsport, Pete olhava para um pedaço de papel de jornal amarelecido, quase com meia página, onde olhava para a fotografia de uma jovem branca, de sorriso bem aberto, muito loira e de olhos azuis bem claros, sentada no capô de um carro laranja com alguns troféus a seu lado. E pelo menos dois deles eram grandes. E à medida que lia o artigo, percebia que ela não corria contra uns concorrentes quaisquer. Alguns eram do calibre de Pieterse, Brian Hocking Sr. e o próprio De Villiers, quando este alinhava nos Turismos.
- Fizemos dobradinha há duas semanas em East London, e tive de suar as estopinhas para segurar a liderança.
- Estou a ver. E o tio dela?
- Muito relutante, mas aos poucos está a aceitar, mais no sentido que isto tudo seja uma apenas fase e passe. Mas ela tem 19 anos, isso é o que me preocupa.
- Porquê?
- Acho que é muito boa. Do calibre de um Formula 1.
- Disparates, Philipp. Só houve uma, e nunca fez nada de relevante. O que achas que ela tem de diferente?
- É muito agressiva em pista. Chamamo-la de "Krugersdorp Bobshell", em todos os aspectos... e até conquistou o velho Tom, pois é ele que prepara o carro dela. E o meu, claro.
- Tás a falar a sério?
- Exactamente. E suspeito de uma coisa.
- O quê?
- Que pode vir para a Europa. Tem intenções de vender a parte que herdou ao seu tio e quer pegar nesse dinheiro para vir aqui, provavelmente fazer a Formula Ford ou a Formula 3 britânica.
- O quê? Aqueles antros de vespas? Mata-se na primeira curva...
- Que queres? ela está determinada. Mas tem uma coisa boa nisto tudo.
- O quê?
- Quer trazer o Tom consigo.
Pete ficou agradado com a noticia. Sabia da capacidade de Tom de afinar motores e necessitava dele para impulsionar a equipa. Uma das razões da sua amizade com Kruger pai foi o facto de ter em Thomas Nel o seu fiel mecânico. E ele, que também encarava Jackie como sua filha, a acompanharia nesta sua aventura na Europa. Seria algo interessante, para os meses que se seguiriam...
(continua)
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