Se quisermos ver o calendário de modo lapalissiano, o dia dez está entre os dias nove e onze. Mas em setembro, acho no minimo coincidente que este dez estar encostado ao enorme onze que a História se encarregou de transformar. Setembro é um mau mês para se andar nos circuitos italianos, dizia eu no ano passado, quando conversava com o Mike Vlcek sobre o acdiente que matou o jovem motocilista japonês Shoya Tomizawa em Misano. Mas o dia dez, em Monza, foi durante muito tempo um dia maldito no automobilismo.
Há precisamente cinquenta anos, nesse GP italiano, Phil Hill vencia o campeonato do mundo enquanto ao seu lado se assistia a uma carnificina causada pela colisão de Jim Clark com o seu maior rival, o alemão Wolfgang Von Trips. Esse seu maior rival, e também a conduzir um Ferrari 156 "Squalo", perdeu o controlo do seu carro e entrou pelos espectadores adentro, matando-se e a mais catorze pessoas. Clark, ainda longe de ser a lenda que iria ser nos anos seguintes, foi acusado de ter causado o tal acidente mortal, mas hoje em dia é mais ou menos consensual a opinião de que o piloto alemão, com fama de ser demasiado intempestivo - o seu apelido era "Conde Von Crash" - queria recuperar o tempo perdido por uma má partida. Tivesse sido um pouco mais paciente e se calhar teria passado Clark e seguido a sua vida. Teria conseguido o título? Não creio, mas nunca se sabe...
Como viram ontem no post que coloquei sobre a data, o evento marcou de tal forma o automobilismo americano - e com razão, porque era o evento que lhes deu o primeiro campeão do mundo - que já se sabe que dentro de algumas semanas será publicado um livro sobre essa temporada. Da maneira como as coisas andam, não ficaria admirado se daqui a um ano a esta parte, estarei a falar sobre "os preparativos para um filme de Hollywood sobre a temporada de 1961" e fazer posts regulares falando que "ator tal será Phil Hill e um alemão qualquer será Wolfgang von Trips..."
Mas este "maldito dia dez" não é só Phil Hill e Wolfgang Von Trips. Dezassete anos depois, coincidência das coincidências, outro americano disputava um título mundial. Mas se o primeiro tinha nascido na Califórnia, o outro tinha nascido... em Itália. Os pais de Mário Andretti, vindos de uma Istria que virara jugoslava após a II Guerra Mundial, procuraram, como tantos italianos, o sonho americano, e Mário conseguiu o seu sonho, à sua maneira: correndo. E irónicamente, foi como americano que correu na sua equipa de sonho, a Ferrari, e venceu algumas corridas importantes como Sebring ou Daytona.
Mas não foi a Ferrari que deu a Andretti a sua primeira oportunidade na Formula 1. Fora a Lotus, ele que era admirador de Colin Chapman desde os tempos em que viu Jim Clark vencer as 500 Milhas no seu modelo 33 da Lotus, de motor traseiro, o primeiro a conseguir tal feito no "Brickyard". Chapman disse-lhe que quando estivesse pronto, poderia tentar a sia sorte num dos seus carros. Essa oportunidade surgiu em 1968, e oito anos depois, em Long Beach, ainda em choque por saber que tinha sido o último a saber que a Parnelli ia abandonar a competição depois daquela corrida, cruza-se de novo com um Chapman desesperado para encontrar um bom piloto para desenvolver uma ideia que tinha na sua mente. Juntando a "fome" com a "vontade de comer", e o resultado foi o surgimento de máquinas como o Lotus 79 de efeito-solo, um dos melhores chassis de sempre na Formula 1.
Mas tal como em 1961, o seu maior rival era também o seu companheiro de equipa. Neste caso em concreto era o sueco Ronnie Peterson, um piloto rápido e talentoso, mas provavelmente com menos tacto para desenvolver carros do que Andretti. Mas Chapman, já avisado de experiências anteriores e agradecido pelos seus serviços, decidiu que seria ele a conquistar o céptro, em vez de ser uma batalha aberta entre companheiros, como acontecera antes. Contudo, ambos os pilotos deram o seu melhor, especialmente nas corridas. Andretti disse que Peterson o obrigou a colocar sempre com o pedal a fundo. Era a sua forma de dizer que tinha de merecer o título.
Em Monza, o título seria decidido entre eles, e sabia-se mais ou menos como as coisas iriam acabar. Mas há sempre algo aleatório no meio disto tudo. E esse fator foi a tal partida eletrónica do qual iriam estrear e do qual ninguém estava habituado a mexê-lo. Como ninguém sabia mexer nele, as hipóteses de erro eram grandes. E isso aconteceu, com prejuízo de Peterson, que viu as suas pernas quebradas antes de perder a sua vida, no dia a seguir, e do italiano Riccardo Petrese, que durante anos a fio viu-se como "culpado" do acidente e de ter causado a morte do sueco. Ironia das ironias: a pessoa que o acusava, o britãnico James Hunt, foi provavelmente o maior causador desse acidente mortal. Lá fez uma espécie de "mea culpa" anos depois, mas as reputações demoram a repôr-se.
Hoje em dia, as coisas estão muito mais seguras na pista e fora dela. Monza continua a ser fascinante como sempre, mas as recordações perduram. E sempre que as datas se aproximam, lembramo-nos delas.
Para finalizar: sobre o dia de amanhã, descansem que também falarei. Se todos tem a sua recordação desse dia, porque não eu?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...