Este sábado, 10 de setembro, comemorar-se-ão os cinquenta anos do GP de Itália de 1961, a corrida que deu o titulo mundial ao americano Phil Hill, o unico nascido em paragens americanas (Mário Andretti nasceu na atual Eslovénia e naturalizou-se americano), mas que também foi marcado pelo acidente mortal do seu maior rival - e companheiro de equipa - o alemão Wolfgang Von Trips, que se despistou após uma colisão com o Lotus do escocês Jim Clark e acabou por matar mais catorze pessoas.
Já falei profusamente sobre esse Grande Prémio - e voltarei a falar amanhã, claro - mas o que me faz hoje antecipar essa efeméride é um artigo escrito esta quinta-feira no Wall Street Journal por A.J. Baime, o autor de "Go Like Hell", traduzido aqui em Portugal para "Como uma Bala". Tenho esse livro na minha estante, e confesso que vale a pena ler pelo seu conteúdo, caso consigas superar a sua má tradução. E quem a trouxe à baila foi outro escritor americano, Michael Cannell, que vai lançar em novembro um livro sobre essa temporada, de seu nome "The Limit: Life and Death on the 1961 Grand Prix Circuit".
Tive a liberdade de traduzir o artigo para vocês lerem. Se quiserem ler na sua versão original, podem seguir este link.
RECORDANDO UMA TRAGÉDIA AUTOMOBILISTICA
por A.J. Baime
Começaram a corrida como amigos e rivais, sabendo que um deles iria quase de certeza ser coroado como campeão no final daquela corrida: Phil Hill, de Santa Monica, na Califórnia, e o Conde Wolfgang Von Trips, da Alemanha Ocidental. Eram companheiros de equipa na Ferrari, e cada um deles um mestre na velocidade. O dia: 10 de setembro de 1961. O lugar: o Grande Prémio de Itália, no circuito de Monza.
Duas horas, três minutos e treze segundos mais tarde, Hill tornava-se no primeiro campeão americano, enquanto que Von Trips estava morto, juntamente com mais catorze espectadores, mortos quando o seu Ferrari penetrou na multidão e causou estragos como se fosse uma lâmina de helicóptero. "É tudo tão surreal", disse Hill ao ver os "tiffosi" a cercarem-no após a corrida.
Com os motores da Formula 1 a roncarem mais uma vez em Monza neste domingo, numa das provas mais aguardadas do calendário, a derradeira corrida do "Conde Von Crash" voltará mais uma vez à ribalta, pois este sábado se comemorará o 50º aniversário desse evento. O Grande Prémio de Itália de 1961 permanece até aos dias de hoje como um dos mais macabros e mais contados eventos desportivos do século XX.
Hill é até hoje o unico piloto nascido na América a vencer um campeonato do mundo de Formula 1, o título mais ambicionado do automobilismo. [Mário Andretti nasceu na Itália e naturalizou-se americano em 1961]. Von Trips é recordado como uma das faatalidades mais conhecidas dessa década, um grande piloto de origem nobre, que morreu no seu auge.
Hill era um americano que tinha sido um dos primeiro a correr na Europa em meados dos anos 50. Primeiro a correr pela Ferrari e o primeiro a vencer as 24 horas de Le Mans, teve um grande papel em atraír um público que, das corridas em ovais passou a ver corridas em circuitos desenhados no estrangeiro. A imprensa de então chamava-o de "Mickey Mantle [nome de um famoso jogador de basebol americano] a guiar um Ferrari".
Von Trips vinha da Alemanha Ocidental, uma nação dividida e que se erguia das ruínas da II Guerra Mundial, desesperada para ter o seu próprio campeão. Era apelidado de "Conde von Crash" devido ao fato de ter sobrevivido a vários acidentes no passado.
O Grand Prix estava no auge do seu glamour na Europa. Os espectadores não ficavam influenciados com a sua espectacular violência, nesses dias anteriores às pistas altamente seguras e equipadas com elementos de socorro. Os funerais de pilotos eram rotina. "Essas emoções ainda me estão presentes" diz Robert Daley, um jornalista que cobria os Grandes Prémios nessa altura. "Tinha a mesma idade que esses rapazes e estavam a morrer um a um."
"Sempre achei isto como uma espécie de guerra", afirma o escritor Michael Cannell, cujo livro sobre Hill e a temporada de 1961, "The Limit", será publicado no próximo mês de novembro. "Os britânicos, italianos, alemães... de uma certa maneira estavam a continuar a II Guerra Mundial. Tinham colocado os seus jovens pilotos a bordo de sofisticadas máquinas e mandavam-os na direção das suas mortes".
Nenhuma equipa tinha sido tão martirizada como a Ferrari: entre 1957 e 61, seis pilotos da Scuderia tinham morrido em competição.
"Era tremendamente estressante", afirmava Derek Hill, filho de Phil. "Meu pai e Von Trips estavam absolutamente nos seus limites, pois nem a América, nem a Alemanha tinham tido algum campeão de Formula 1 até aquele momento".
Quando a bandeira de partida foi agitada, as câmaras de televisão começaram a filmar. E nesses dias, apenas uma simples rede separava os espectadores do asfalto. Na segunda volta, o escocês Jim Clark, guiando uma Lotus, lutava por uma posição com Von Trips. As suas rodas tocaram e o seu Ferrari despistou-se em direção à multidão a mais de 160 km/hora, batendo e regressando depois à pista como uma amálgama de metal retorcido. Quando parou, o piloto e mais catorze fãs jaziam mortos. Hill sabia que tinha havido um acidente, mas a corrida continuou.
Após receber a bandeira de xadrez, parou nas boxes e perguntou ao seu diretor de equipa:
- E Trips, está morto?
- Anda - respondeu secamente o diretor - querem-te no pódio.
Nesta nova era dos média, as imagens televisivas desse acidente foram mostradas um pouco por todo o mundo. Nunca tantos viram em tão pouco tempo um acidente automobilistico. As reações foram devastadoras. Jim Clark foi acusado pelas autoridades italianas de homicidio por negligência (que foram retiradas pouco depois), e o Vaticano, através do próprio Papa João XXIII, emitiu uma declaração que "é criminoso que tais demonstrações de morte como aquelas se continuem a repetir constantemente".
Daley recorda-se de estar no lobby do hotel onde estava hospedado no dia seguinte à corrida, com uma multidão à volta da TV, a ver as imagens do acidente que se repetiam constantemente. Viu Hill a descer para o salão e perguntou: "Vais abandonar a competição, Phil?" Após um breve momento de pausa, refletiu e afirmou: "No momento em que começar a gostar menos de correr e apreciar cada vez mais a vida, então será a altura de estar menos disposto a arriscá-la".
Continuou a competir, mas nunca foi mais o mesmo. Nunca mais voltou a vencer qualquer corrida na Formula 1, retirou-se da competição em 1967 e teve uma vida calma na sua Califórnia natal até à sua morte, em 2008.
"À medida que o tempo passava, o meu pai começou a consciencializar e a apreciar aquilo que tinha alcançado", disse Derek Hill. "Vencer o campeonato, o título em si. Estava com ele em 2006 quando foi a Monza pela última vez. Esteve nas boxes da Ferrari durante a corrida e via-se que eles o tratavam com enorme respeito. Tal coisa foi muito agradável de se ver".
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