Nesta semana de Le Mans, o
Daniel Médici,
do discreto mas excelente Cadernos do Automobilismo, lembrou-se hoje de que faz 40 anos sobre a morte de um dos mais extraordinários "gentleman drivers" da sua geração: o sueco Jo Bonnier. E lembrou-se bem, pois falamos sobre alguém que teve uma carreira longa na categoria máxima do automobilismo, especialmente com carros cliente - apesar de passagens pela BRM e Porsche - e que foi o primeiro piloto a dar uma vitória à equipa britânica, na pista holandesa de Zandvoort, em 1959, ainda com o motor na frente do piloto, apesar da revolução da Cooper.
Jo, diminuitivo de Joakim Bonnier, "nascera em berço de ouro" a 31 de janeiro de 1930 na sueca Djugarden, no seio da familia Bonnier, dona de um império de editoras e jornais quer na Suécia, quer no resto da Escandidávia. Um império que tinha nascido no inicio do século XIX e que existe ainda hoje, quer em termos de jornais, rádios e televisão, para além de editoras. Apesar da proeminente família, o seu pai era professor e ele queria que Jo fosse médico. Contudo, interessou-se pelos negócios da família mais alargada e aos 17 anos, foi para Paris estudar linguas - iria ser fluente em seis delas - e técnicas de impressão e publicação. Mas foi aí que se apaixonou pela velocidade, primeiro com uma moto Harley-Davidson que tinha comprado por lá, depois no automobilismo, participando em ralis, a bordo de um Simca. E em 1956, aos 26 anos, estava dentro de um Maserati, a competir pela primeira vez na Formula 1. O primeiro sueco a fazê-lo.
A sua carreira foi longa, pois só terminou em 1971, guiando um McLaren M7C. Ao longo de 108 Grandes Prémios, guiou uma variedade de máquinas: Maserati, BRM, Cooper, Lotus, Porsche, Brabham, Honda (onde conseguiu os seus últimos pontos da sua carreira, em 1968) e McLaren. Guiou na famosa Rob Walker Racing Team, tendo como seu companheiro de equipa o suiço Jo Siffert. Guiou o horrivel Lotus 63 de quatro rodas motrizes, em 1969, e ainda teve um episódio final quando acolheu o austriaco Helmut Marko na sua equipa, em 1971. Em Nurburgring, o seu McLaren quebrou-se e ambos os pilotos entraram em discussão acesa, fazendo com que o austriaco abandonasse a equipa ainda nesse final de semana. Bonnier tentou a sua sorte, mas sem sucesso.
Bonnier não só pilotou. Era uma personagem diferente das outras. Foi um dos fundadores e depois presidente da GPDA, a associação de pilotos de Formula 1, defendendo os seus interesses perante os circuitos e a Comission Sportive International, a antecessora da FIA. Muito culto e educado, não era invulgar, segundo se conta, andar com algo para ler debaixo do braço, como um livro ou uma revista. E hoje, quando via o post do Daniel, descobri o pormenor do seu McLaren-BRM pendurado na sua casa em Genebra. Eis alguém original, diga-se de passagem...
Em 1972 desistiu de vez da Formula 1 e concentrou-se na Endurance. Nesse ano, os carros de cinco litros tinham sido abolidos, reformando prematuramente os modelos 917 da Porsche. Enquanto que a marca germânica estava em Sttutgart preparando o seu regresso, os motores de três litros, iguais aos da Formula 1, dominavam. Os Matra pareciam os grandes favoritos e tinham a armada completa: Henri Pescarolo, Jean-Pierre Beltoise, Jean-Pierre Jabouille, Francois Cevért... acompanhados por estrangeiros como os neozelandeses Chris Amon e Hownden Ganley e sobretudo, o veterano Graham Hill, que iria tentar algo que ainda era inédito, que era vencer todas as grandes corridas do automobilismo de pista: 24 Horas de Le Mans, 500 Milhas de Indianápolis e o GP do Mónaco (ou o título mundial de pilotos).
A sua equipa, a Ecurie Bonnier Switzerland, tinha dois Lola 280 de motor Cosworth de 3 litros, e eram alguém a ter em conta, e ele, o piloto-diretor de equipa, tinha a seu lado no seu carro o holandês Gijs Van Lennep, vencedor no ano anterior com o 917 a magnésio, e o francês Gerard Larrousse. No outro carro ia o belga Huges de Fierlandt, espanhol Jorge de Bragation - que não era mais do que um principe georgiano exilado por lá - e o português Mário de Araujo Cabral. Um carro carregado de realeza, pois quer de Fierlandt, quer "Nicha" Cabral - o primeiro português na Formula 1 - eram nobres. O seu pai era o Conde de Vizela, título dado no século XIX pelo rei D. Luis.
Surpreendentemente, os Lola tornaram-se nos maiores rivais da Matra naquela corrida, que querendo demonstrar a superioridade daquelas máquinas perante o presidente da Républica de então,
Georges Pompidou -
que adorava automóveis e automobilismo - fez com que andassem todos ao máximo, para estarem nas três primeiras posições à passagem da primeira volta pois estavam a cumprir ordens de
Jean-Luc Lagardére, o patrão da Matra, que tinha dito a "Mr. Le Président" o seguinte: "
Senhor Presidente, por si vamos fazer algo que nunca se deve fazer numa corrida de Endurance: ocupar os três primeiros lugares no final da primeira volta." Um chauvinismo bacoco que custou caro ao carro guiado por Amon e Beltoise, que viu o seu motor explodir na volta seguinte, perante Lagardére, Pompidou e os restantes VIP's...
Aproveitando os erros e a estupidez dos outros, Bonnier conseguiu colocar o seu carro no primeiro posto, na frente dos Matra, mas muitos por lá achavam que o seu carro não iria durara muito tempo, devido ao facto dos motores Cosworth não serem conhecidos pela sua fiabilidade. E viram isso quando o segundo carro, o de De Fierlandt/Bragation/Cabral cedeu após meras 26 voltas, devido à embraiagem. Mas o Lola marcou a volta mais rápida e parecia aguentar-se ao inicio da noite. Contudo, pequenos problemas fizeram com que caísse para o oitavo posto, mas aguentava-se.
Pelas oito e meia da manhã, era a vez de Bonnier guiar quando o Lola entrava pela zona de Indianápolis e via o Ferrari Daytona do suiço
Florian Vetsch, um "gentleman racer". A cena que se segue não foi vista por muita gente, mas um deles parece ter sido
Vic Elford, piloto que guiava um dos Alfa Romeo oficiais, e que disse ter visto "
o Lola de Bonnier a voar como um helicóptero" para fora da pista e bater numa das árvores à volta. Elford tinha parado para tirar Vetsch do Ferrari em chamas, desconhecendo-se que tinha já saído do carro, abalado mas incólume. Quanto a Bonnier, já estava morto, aos 42 anos de idade.
A imagem do Lola destruido causou uma grande impressão em Elford. Tanto que, quando pouco depois soube que o seu carro, que entretanto tinha passado para as mãos do seu companheiro de equipa, o austriaco Helmut Marko, parou na berma da pista com a caixa de velocidades quebrada, sentiu-se aliviado: "Pela primeira vez na minha carreira, fiquei feliz por saber que o meu carro tinha avariado", afirmou tempos depois. A Ecurie Bonnier foi pouco tempo depois comprada e transformada na portuguesa Team BIP, tornando-se na mais bem sucedida operação automobilistica neste país à beira-mar plantado, com vitórias na classe de 2 litros em 1973 e 1974.