Na foto, Sebastian Vettel em novembro de 2021, no fim de semana do GP da Arábia Saudita, quando promoveu uma prova de karting com mulheres-piloto, num país onde até 2019, as mulheres estavam proibidas de conduzir ao volante nas estradas locais.
No meio dos tributos a Vettel, que pendurou o capacete no final da semana passada, esqueci-me de falar de um aspeto importante, e do qual me fez admirá-lo desde o inicio: a sua pessoa. Primeiro, por ser alguém jovial, num mundo de carrancudos em que só se viam como alvos a abater, uns contra outros, a todo e qualquer custo, e mais tarde na vida, quando se começou a falar das causas do Black Lives Matter ou da defesa dos direitos das pessoas do mesmo sexo.
Quando o vi, sempre sorridente, a sair do seu carro da Toro Rosso e ter umas tiradas em relação aos nomes femininos que dava aos seus bólidos, achei que era um acaso de jovialidade e juventude, de um rapaz que concretizou o seu sonho e o desfrutava. Depois, como falei noutro dia, como ele era amante do humor britânico, e o retrato caricatural a Nigel Mansell no Top Gear, em 2011 - que não era mais do que o seu tributo ao "brutânico", tanto que adotou o bigode e o número 5 - via-se que era um garoto feliz no meio de um concessionário de automóveis multimilionário.
Mas fora da pista, não tinha nada a ver. Feliz e bem-humorado no paddock, era extremamente protetivo em relação à família - sabemos que é casado e tem três filhas - e aparentemente não se afastou muito das raízes familiares de Heppenheim, a sua terra natal. E viu-se, no fim de semana de Abu Dhabi, que uma das estrelas das boxes da Aston Martin era o pai de Sebastian, que trouxe o seu capacete e o seu primeiro fato de competição e o pendurou no seu armário, para recordação, e também para mostrar ao mundo das suas origens humildes.
E tem outra coisa: durante anos, Sebastian não teve qualquer acesso às redes sociais, pelo menos oficialmente. Nunca vimos nada no Twitter, Facebook, ou TikTok. Só agora, em julho, quando abriu a sua conta no Instagram, para colocar o filme onde anunciava a sua retirada, é que deu sinal de vida oficial nas redes sociais. E desde então, anda a colocar imagens da sua carreira no karting.
Mas se nos primeiros tempos, era o garoto alegre com aquilo que fazia, depois, se tornou no ser humano consciente do mundo à volta. Se calhar, a sua relação com Kimi Raikkonen poderá ter ajudado um pouco nessa sua descontração - demonstrar que há vida pra além da Formula 1, algo ao qual a certa altura se perde a noção - mas a sua relação com Lewis Hamilton também ajudou a despertar o ativista que estava dentro dele. Se boa parte dos pilotos fazia as atividades, como o ajoelhar no solo, com algum enfado, Vettel e Hamilton - sempre rivais respeitosos - levavam a causa mais longe. O alemão era o único que poderia vestir a camisola arco-íris, ou desenhá-lo no capacete em lugares onde os direitos das pessoas do mesmo sexo estavam em jogo. E mesmo no início deste ano, mostrou-se solidário com a Ucrânia, quando esta foi invadida pela Rússia, pintando o seu capacete com as cores nacionais daquele país e apelando ao final do conflito.
E isto, eram as ações visíveis. Sabemos lá que ações invisíveis ele não fez para ajudar pessoas em perigo.
Agora que ele vai embora, vemos partir uma personagem rara neste paddock. Um piloto que gostou do que fez, ganhou muito dinheiro com isso, e no final, queria ajudar os outros, não tendo mais nada a provar a ninguém. E pelo meio, decidiu ser uma melhor pessoa por foi educado nessa maneira. Nada mais.
Acho que iremos ter saudades dele.