Ainda continuo nos anos 30, a época das "
Flechas de Prata", para falar de um piloto que, muito antes de
Mike Hawthorn,
Stirling Moss,
Tony Brooks ou
Peter Collins, levou o nome da Inglaterra bem alto nas pistas europeias, numa altura em que as relações entre esta e a Alemanha eram tensas, prevendo uma devastadora guerra à escala mundial. Hoje falo de
Richard "Dick"
Seaman.
Nascido a 4 de Fevereiro de 1913 em Chichester, no sul de Inglaterra, era filho de um rico homem de negócios e de uma aristocrata. Logo, viveu sempre em berço de ouro, o que ajudou a pagar desde cedo a sua paixão pelos automóveis. Educado em colégios de elite (Rugby School) e na Trinity College, na Universidade de Cambridge, começou a correr em subidas de montanha. Em 1934, foi para a Europa ao volante de um MG, para ganhar experiência. Ganhou o GP da Suiça na categoria de Voiturettes, o que lhe motivou a correr ainda mais.
A familia estava contra, pois queria que ele desistisse das corridas para que este seguisse uma carreira como advogado ou como deputado "Tory". Mas este estava decidido a ter uma carreira nas corridas. Tanto que quando o seu pai morreu, em 1935, Richard pressionou sempre a sua mãe para que lhe desse dinheiro para comprar um carro ERA para correr. Ao lado de
Guido Ramponi, antigo engenheiro da
Alfa Romeo, verificou que não ia a lado nenhum com esse carro, e comprou um Delage, onde conheceu o sucesso em 1936.
Quem observou deliciado os pormenores deste jovem corredor inglês era Alfred Neubauer, o director desportivo da Mercedes. No final desse ano, pediu a Seaman para que fosse testar um dos seus carros em Monza. Impressionado com os resultados, pouco tempo depois, e com aprovação do próprio Adolf Hitler, assinou contrato com a equipa. Desta vez, a mãe ficou duplamente preocupada: para além do automobilismo, ele iria correr pela Alemanha nazi, a maior ameaça à paz da Europa.
O ano de 1937 foi de adaptação, onde o seu melhor resultado foi um segundo lugar na Vanderbilt Cup, em Nova Iorque. Em 1938, um novo regulamento entrava em vigor, onde os carros não podiam ter motores de três litros, e o novo carro da Mercedes iria demorar algum tempo a estar pronto. Sendo assim, tirou férias e entranhou-se na vida social alemã. Foi aí que conheceu Erica Popp, então com 18 anos, filha de um dos fundadores da BMW. Imediatamente se apaixonaram e no final de 1938, casaram-se. Mas a mãe de Seaman não aprovou o casamento, devido ao facto de ela ser alemã, e os dois cortaram relações.
Em termos competitivos, o ano de 1938 para Seaman começou em Junho, no GP de França. Apesar de não ter acabado, isso não abalou a sua confiança e na corrida seguinte, em Nurburgring, o novo carro esta pronto e Seaman marcou o terceiro posto nos treinos. Na corrida, Seaman era segundo, atrás de Manfred Von Brauchitsch, quando este foi para a box trocar de pneus e teve um principio de incêndio. Liderando a corrida, não mais abandonou até final, surpreendendo a Alemanha e Hitler. O embaraço foi maior quando este fez a saudação nazi. Apesar do gesto ter caido bem na Alemanha, a coisa não foi lá muito bem recebida em Inglaterra, já que se aproximava a primeira grande crise europeia, com a questão dos Sudetas, na Checoslováquia.
Mas imune a todas as politiquices, Richard Seaman somente disse: "
Gostaria que esta vitória tivesse acontecido ao volante de um carro britânico"
Essa vitória foi o suficiente para que Seaman visse o seu contrato renovado para a temporada de
1939. Estava ansioso para se mostrar como primeiro piloto, especialmente quando os Mercedes e a Auto Union aparecessem para o Grande Prémio da Grã-Bretanha, em Donnington Park, que estava marcado para o dia 30 de Setembro desse ano. A primeira grande oportunidade que teve que Seaman teve para se mostrar foi no GP da Belgica, a
25 de Junho de 1939.
O dia tinha amanhecido chuvoso, e a corrida iria acontecer nessas condições. Na partida, Seaman perseguiu Rudolf Caracciola, que era o "Regenmeister", mestre da chuva. Na volta nove, Caracciola despistou-se e Seaman passou para a liderança. Nas 12 voltas seguintes, Seaman lutou contra uma pista onde havia zonas secas e molhadas, pois a chuva entretanto tinha parado. Mas na volta 22, o desastre acontece: no gancho de La Sorce, alargou demais a sua trajectória e despitou-se, batendo numa árvore. O carro ficou de pernas para o ar, e para piorar, o depósito de combustível rebentou e pegou fogo. Dois comissários conseguiram tirá-lo do carro, mas Seaman estava gravemente queimado.
No hospital, disse a um destroçado Rudolf Ulenhaut, o unico membro da equipa que sabia falar inglês, o seguinte: "Ia depressa demais para as condições da pista. A culpa foi minha, desculpem-me". Cerca da meia noite desse dia, Richard Seaman estava morto. Aos 26 anos.
A Mercedes ordenou que todos os seus concessionários colocassem uma fotografia de Seaman. Representantes das duas marcas foram ao seu funeral, em Londres, e o próprio Adolf Hitler mandou uma enorme coroa de flores ao seu funeral. Pouco mais de dois meses depois, Inglaterra e Alemanha estavam em guerra um contra o outro, quatro semanas antes do GP da Grã-Bretanha, em Donnington. Obviamente, não se realizou.
Até aos dias de hoje, a Mercedes ainda cuida da sua campa.
Fontes:
Bandeira da Vitória - Ed. Autosport, Lisboa, 1996
http://www.ddavid.com/formula1/seaman.htmhttp://observer.guardian.co.uk/osm/story/0,6903,782811,00.htmlhttp://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Seaman