Depois de ontem ter escrito sobre Bernd Rosemeyer, hoje falo de outro grande piloto das "Flechas de Prata" dos anos 30, mas que sempre correu por uma equipa: a Mercedes. O seu amor pelo automobilismo fê-lo correr até depois da II Guerra Mundial, já bem nos seus cinquentas, apesar de nunca ter participado num Grande Prémio de Formula 1. Hoje em dia, os seus troféus estão expostos no Museu das 500 Milhas de Indianápolis. Hoje é dia de falar de Rudolf (Rudi) Caracciola.
Nascido a 30 de Janeiro de 1901 em Remagen, na Alemanha, é descendente de um antepassado italiano que no século XVII conquistou um castelo na cidade de Koblenz. Os seus pais eram donos de um pequeno hotel em Remagen. Aos 14 anos, abandonou a escola e disse que queria ser corredor. Mas em vez de se embrenhar nas garagens, aprendendo a mecânica dos carros, decidiu ser... vendedor de automóveis. Primeiro na Fanfir, e depois vendeu pela Daimler-Benz, em Dresden.
A sua insistência em poder pilotar carros deu frutos: em 1922 começou a competir pela Mercedes e quatro anos depois, na primeira edição do GP da Alemanha, venceu-a a bordo de um modelo SSK, no circuito de AVUS, em Berlim, perante... 500 mil espectadores!
A sua lealdade para com a Mercedes vai durar toda a sua carreira, excepto por dois anos, em 1932 e 1933, quando correu pela Alfa Romeo, devido à retirada de competição da marca de Estugarda. Entretanto, até essa altura, tem tempo para ser campeão europeu de Montanha em 1930 e no ano seguinte, irá ser o primeiro estrangeiro a ganhar as Mille Miglia, a mítica competição de Mil Milhas feitas no norte e centro de Itália, e que durará até 1957.
Em 1932, ao volante de um Alfa Romeo P3, ganha em dois circuitos míticos: Nurgurgring e Monza, respectivamente palco dos Grandes Prémios da Alemanha e da Itália.
Em 1933, a situação politica na alemanha muda. A 30 de Janeiro, no mesmo dia em que Caracciola comemora o seu 32º aniversário natalicio, Adolf Hitler chega ao poder na Alemanha, e pouco tempo depois instala um regime totalitário. Caracciola não gosta do "Furher", e irá viver para Lugano, na Suiça, mas ele sabe que foi graças a Hitler, um apaixonado pelo automobilismo, que a sua amada Mercedes voltou às pistas.
Entretanto, em 1933, sofre um acidente grave quando compete no Grande Prémio do Mónaco. O acidente lesiona-o gravemente na anca, e graças a isso irá correr para o resto da carreira com dores constantes e coxeando. Para piorar as coisas, durante a sua convalescença, a sua mulher Charly morrerá vítima de uma avalanche nos Alpes Suiços.
Em 1934 volta à competição, a bordo da sua amada Mercedes. Dirigida por Alfred Neubauer, Caracciola ganhará nesse ano o Grande Prémio de Itália, e no ano seguinte dominará as pistas europeias, vencendo seis corridas: o Grande Prémio de Tripoli, o GP da Belgica, o GP de Espanha, a Eifelrennen, o GP de França e o GP da Suiça. no final desse ano, torna-se campeão europeu.
Fazendo equipa com Manfred von Brautishitch, partiu confiante para revalidar o título em 1936, mas teve que fazer face a uma irresistível Auto Union e de outro compatriota: Bernd Rosemeyer. Somente ganhou o Grande Prémio do Mónaco. Contudo, no ano seguinte, Caracciola voltou à carga, onde ganhou os Grandes Prémios da Suiça, Alemanha e Itália, e no final da época, tornou-se bi-campeão europeu.
Nessa altura, Mercedes e Auto Union debatiam-se em pista quase uma vez por mês para ver quem detinha o recorde de velocidade em terra. Aparentemente, tinha sido uma ordem de Adolf Hitler, no sentido de demonstrar a superioridade da tecnologia alemã. Caracciola detestava este tipo de eventos, pois sabia que corria desnecessariamente perigo de vida. Mas fazia-o, pelo amor ao automobilismo e pela fidelidade à Mercedes.
A 28 de Janeiro de 1938, dois dias antes de fazer 37 anos, encontrou-se com a Auto Union no trço de auto estrada entre Frankfurt e Darmstadt. Lá estava o seu amigo Bernd Rosemeyer, que era então o detentor da melhor marca, por ter sido o primeiro a ultrapassar os 400 km/hora. Caracciola tentou primeiro, e bateu o recorde, fixando-se nos 428 km/hora. Tendo sido avisado de que haveria ventos cruzados no troço, a partir das 10 horas desse dia, avisou Rosemeyer dos perigo potêncial. Este sorriu e disse "Agora é a minha vez!". O piloto da Auto Union tentou, o seu veículo foi apanhado por um vento cruzado, capotou e morreu.
A temporada de 1938 decorreu sob o signo da regularidade. Somente venceu uma corrida, na Suiça, mas os segundos lugares em França, Alemanha e o terceiro lugar em Itália, permitiram-lhe ser coroado com o tri-campeonato, tornando-se no piloto com mais títulos neste periodo de tempo.
Em 1939, Caracciola ganha pela sexta vez o Grande Prémio da Alemanha, em Nurburgring. A prova decorreu em Julho, mas a Europa estava pouco preocupada com provas automobilisticas, apesar de ter sido um ano mau para a equipa (o seu companheiro, o inglês Richard Seaman, morrera poucos meses antes no GP da Belgica). A Alemanha tinha conquistado o que restava da Checoslováquia, estava a rearmar-se a um ritmo alarmante e já ameaçava a Polónia, devido ao Corrdeor de Dantzig (actual Gdansk, na Polónia). A França e a Inglaterra comprometeram-se a acorrer a Polónia, em caso de agressão, e quando isso aconteceu, a 1 de Setembro, dois dias mais tarde, Inglaterra e França decidem entrar na guerra. Era o inicio da II Guerra Mundial, que duraria seis anos e mataria quase 60 milhões de pessoas.
O conflito tinha apanhado a equipa em Belgrado, para disputar o GP da Jugoslávia. Caracciola fora batido pela Auto Union de Tazio Nuvolari, e logo a seguir, decidiu exilar-se para a sua casa em Lugano, com um Mercedes de corrida na sua garagem, para que estivesse pronto quando o conflito terminasse.
Quando tal aconteceu, em 1945, Caracciola recebeu um convite para competir nas 500 Milhas de Indianápolis de 1946, que prontamente aceitou. Levou o seu Mercedes por uma Alemanha devastada, e parou nas ruinas da fábrica, em Estugarda, procurando por peças sobressalentes. Quando chegou a Hamburgo, as autoridades de ocupação britânicas não o deixaram levar o seu carro para os Estados Unidos. Ele foi autorizado a viajar e competiu com um carro local.
Antes de treinar, os organizadores das 500 Milhas impediram-no de treinar se ele não usasse um capacete de aço, obrigatório na época. Protestou, mas no final acabou por usá-lo. Em boa hora o fez: um pássaro colidiu com ele quando tentava uma volta mais rápida e acabou por despistar-se. Esteve dez dias em coma, mas sobreviveu. Em sinal de gratidão com Troy Hulman, o proprietário de Indianápolis, quando morreu, os seus troféus foram doados ao Museu das 500 Milhas.
Já envelhecido e com muitas sequelas dos acidentes passados, decidiu não competir no novo Campeonato do Mundo de Formula 1, concentrando-se nos carros de Sport. Foi assim que, quando a Mercedes voltou às competição, em 1950, ficou com eles, obtendo o terceiro lugar nas Mille Miglia de 1952. Mas nesse mesmo ano, outro grave acidente em Bremegarten, na Suiça, colocou um ponto final na sua carreira.
Poucos anos depois, a 28 de Setembro de 1959, um cancro nos ossos e problemas hepáticos levaram à sua morte, em Lugano, aos 58 anos. Como prometido, a sua segunda mulher, Alice, doou os seus troféus ao Museu das 500 Milhas de Indianápolis.
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