O britânico
Syd Watkins, que foi o médico oficial da Formula 1 por mais de 15 anos, morreu esta noite aos 84 anos,
noticia o site GPUpdate. Watkins serviu na FIA como delegado médico durante 26 anos, especialmente na Formula 1, onde ficou conhecido por ser sempre o primeiro médico a chegar ao local do acidente.
Nascido a 6 de setembro de 1928 em Liverpool, Watkins era especializado em neurocirurgia, depois de se ter licenciado em 1956 pela Universidade de Liverpool. Mas tinha o automobilismo no seu sangue, pois o seu pai era um mecânico que tinha um negócio de reparação de motocicletas, e foi graças ao seu negócio que ele pagou os seus estudos na Universidade. Pouco depois serviu na Royal Army Medical Corps, onde teve uma experiência de ralis que não correu bem - desistiu na primeira etapa.
Em 1962, doutorou-se nem neurocirurgia pela Universidade de Nova Iorque, e nos quatro anos seguintes fez parte do corpo médico do circuito de Watkins Glen, onde pode ver a fragilidade do equipamento médico existente para as provas automobilísticas. Ele contava que muitas vezes, ele e os seus colegas - ao todo, quatro profissionais de medicina - levavam as ferramentas do seu oficio em caso de necessidade.
Regressado à Grã-Bretanha em 1970, para liderar o departamento de neurocirurgia do Hospital de Londres, a Formula 1 entra pela sua vida através de... Bernie Ecclestone. Certo dia, em 1978, Ecclestone vai ter com Watkins devido a um problema de saúde e após uma conversa com ele, convida-o para ser o delegado médico da Formula 1 a troco de um salário anual de 35 mil dólares. Watkins aceitou, impondo como condição que retivesse o seu lugar no hospital, o que foi aceite.
Começou a trabalhar no GP da Suécia desse ano e a sua primeira prova de fogo aconteceu a 10 de setembro desse ano, quando na partida do GP de Itália, uma enorme carambola causou ferimentos graves ao sueco Ronnie Peterson. A descoordenação das autoridades italianas foi tal que o próprio Watkins foi impedido de se aproximar de Peterson durante mais de 18 minutos até que a ambulância chegasse e recolhesse o infeliz piloto da Lotus. Peterson acabaria por morrer no dia seguinte, vitima de uma embolia.
Passado este incidente, Watkins conversou com Ecclestone e exigiu melhores condições hospitalares, como um anestesista, um carro médico e um helicóptero sempre disponíveis para situações de emergência. As exigências foram atendidas na prova seguinte, em Watkins Glen, onde ficou também decidido que dali por diante, o carro médico iria seguir os bólidos da formula 1 no final do pelotão para as primeiras curvas, estando sempre disponível em caso de acidentes futuros.
Em 1981, a então FISA decidiu criar uma Comissão Médica e apontou Watkins como seu presidente. No ano seguinte, a sua experiência foi determinante para os acidentes que ocorreram naquele ano. No caso de
Gilles Villeneuve, em Zolder, foi Watkins que prestou os primeiros socorros e colocou um tubo que o permitiu respirar até que chegasse a mulher Joann Villeneuve, acompanhado por
Jody Scheckter. Foi ele que informou do sucedido e foi ele que tomou a decisão de desligar as máquinas, assim que ficou provado que o seu coma era irreversível.
Semanas depois, em Montreal, foi Watkins que providenciou os primeiros socorros a Riccardo Paletti, quando este embateu a toda a velocidade na traseira do carro de Didier Pironi e o seu volante foi violentamente atirado para o peito do piloto italiano. Manteve o sangue frio, mesmo quando o Osella pegou fogo, este que estava carregado com combustível. Quando terminou, a borracha das suas sapatilhas tinham derretido devido ao fogo, mas apesar dos esforços, o italiano acabaria por morrer no hospital, devido aos graves traumatismos no torax.
Teve mais sorte dois meses depois, em Hockenheim, quando Pironi sofreu um grave acidente no "warm up" do GP alemão. Inicialmente, Watkins achou as feridas tão graves que chegou a considerar a amputação da perna direita. Contudo, Pironi implorou para que não o fizesse e conseguiu retirar o piloto francês dos destroços do seu Ferrari, levando-o para o hospital de Mannheim.
Nos anos seguintes, os seus esforços foram reconhecidos pelos pilotos e restante pessoal automobilístico, por ter salvo as vidas dos pilotos em dificuldades. Os casos de
Gerhard Berger,
Martin Donnelly ou de
Nelson Piquet foram os mais conhecidos, depois de terem sofrido graves acidentes, foram salvos graças à rapidez da equipa médica chefiada pelo Prof. Dr. Watkins. Aliás, ele sempre considerou o acidente de Donnelly como um dos mais impressionantes que tinha assistido.
Com o tempo, criou amizades entre os pilotos, um deles com Ayrton Senna. Ambos visitavam mutuamente: o brasileiro aparecia no consultório do médico, e ele ia à sua fazenda no interior de São Paulo. Watkins contou depois, na sua biografia "Viver nos Limites", que Senna ficou profundamente impressionado quando viu o corpo inanimado - mas vivo - de Donnelly em Jerez, nos treinos do GP de Espanha de 1990. E quatro anos depois, quando viu o resgate inutil a Roland Ratzenberger, no sábado, 30 de abril, no circuito de Imola, o brasileiro ficou abalado. Ao vê-lo assim, o professor Watkins tentou persuadi-lo a abandonar logo a competição. Senna recusou e no dia seguinte, tentou inutilmente salvar o seu amigo.
Um ano depois, na pista australiana de Adelaide, foi mais bem sucedido no resgate de outro piloto, o finlandês
Mika Hakkinen. O finlandês da McLaren tinha ficado inconsciente depois de ter fortemente batido no seu volante após um furo a alta velocidade e o carro ter embatido no muro. O Dr. Watkins fez uma traqueotomia de emergência, depois de verificar que ele não respirava, menos de 30 segundos depois do acidente. O procedimento foi vital para salvar a sua vida, e Watkins disse que foi a operação que mais o satisfez em toda a sua carreira.
Em 2002, foi condecorado com a Ordem do Império Britânico, três anos antes de se retirar, aos 77 anos de idade. Foi subsituido pelo seu adjunto, Gerry Hartstein, mas o seu legado para a segurança na Formula 1 é enorme. Na reforma, presidiu ao FIA Institute for Motorsport Safety, uma posição que manteve até se retirar por completo no ano passado.
A sua vida e histórias na Formula 1 fizeram com que escrevesse a sua autobiografia em 1996, "
Viver nos Limites", ainda ele era o médico oficial da categoria. Após isso, escreveu mais dois livros, em 2000, o "
The Science of Safety: The Battle Against Unacceptable Risks in Motor Racing", em conjunto com
David Tremayne, e em 2002 o "
Beyond the Limit", em conjunto com
Jackie Stewart.
Em suma, a Formula 1 vê desaparecer hoje um homem que fez imenso pela segurança da Formula 1, diminuindo os riscos a um nivel aceitavel, salvando as vidas de pilotos em situações limite. Podemos agradecer a ele pelo facto das mortes no automobilismo nas pistas terem chegado a um nivel próximo do zero, pelo seu profissionalismo pessoal pelas suas contribuições em outras áreas, até na segurança na estrada.
Ars lunga, vita brevis.