Um dia antes de
António Felix da Costa ter entrado no seu carro da World Series by Renault em Paul Ricard e ter vencido a corrida, o jornal portugues i
publicou uma entrevista feita a ele, agora que se está a descobrir que o piloto de Cascais é a melhor hipótese de voltar a ter o nome de Portugal no grande circo da Formula 1. Na entrevista feita por
Rui Catalão, fala-se sobre os apoios do pai e do irmão, bem como os conselhos de Tiago Monteiro, que lhe deram um teste na Force India, em 2010, fala sobre os passos que deu na carreira, sobre os seus gostos, entre outras coisas. E a sua vitória de sonho na Formula 1.
ANTÓNIO FÉLIX DA COSTA: "QUERO DAR O PASSO PARA A FORMULA 1 EM 2014"
Por Rui Catalão, publicado em 22 Set 2012 - 03:10 | Actualizado há 1 semana 12 horas
Tem as costas protegidas pela Red Bull e foi vice-campeão na GP3. Aos 21 anos, está mais perto do que nunca de chegar ao topo
Não há lugar para indecisões. António Félix da Costa tem o caminho até à Fórmula 1 desenhado na cabeça. E não vai sozinho. O irmão Duarte, também piloto, e o pai entregam-lhe boa parte das suas vidas. António sente esse apoio da família, além de reconhecer a ajuda do manager Tiago Monteiro. Nas respostas troca o singular pelo plural, fala em “nós” e não num “eu”. A viagem pelo mundo das corridas já valeu um teste com a Force India, em 2010, e meia dúzia de voltas num Red Bull, no fim-de-semana passado. Acabado de sair da GP3, onde foi vice-campeão, dedica-se agora à World Series by_Renault 3,5. Mas não chega. O verdadeiro sonho ainda está por realizar.
P - O nome da tua página no Facebook é “António Félix da Costa – Road to FORMULA 1”. Normalmente os atletas não assumem tão claramente um objectivo desta dimensão. Quando é que se tornou algo evidente para ti?
R - O meu primeiro ano de carreira foi em 2001. Logo aí percebi que era isto que queria fazer. As coisas começaram a correr bem, com bons resultados. E desde cedo entrou automaticamente na minha cabeça a ideia de chegar à Fórmula 1. Mas, como a mim, entrou na dos outros 70 miúdos contra quem corria. Cada vez mais tem sido um sonho a tornar-se realidade. E estamos muito próximos. Decidimos dar esse nome à página do Facebook porque felizmente, tanto eu como as pessoas que trabalham por trás de mim – o Tiago Monteiro, o meu pai, o meu irmão –, acreditamos que é possível chegar à Fórmula 1. Por isso não vejo razão para não alimentar esse sonho.
P - Li uma frase tua que dizia assim: “Tenho de pensar sempre que sou o melhor piloto do mundo.” De que forma isto se traduz quando corres?
R - Se entrar numa corrida a pensar que este e aquele são melhores do que eu já vou derrotado, a pensar que ficar em terceiro já é bom. Não posso pensar assim. Na semana passada, por exemplo, arranquei em quarto e acabei por ganhar a corrida numa categoria na qual aterrei de repente – as World Series by Renault.
P - O que é que faz um piloto vencedor?
R - Tudo. Hoje em dia o que não falta aí são pilotos rápidos. Há muitos capazes de ganhar uma corrida, de fazer uma pole position. Mas os campeonatos já não se ganham só assim. Não se trata apenas disso. Tem de haver uma atenção máxima na abordagem ao fim-de-semana, na preparação, no depois da corrida, na avaliação do que correu bem ou mal, para estarmos constantemente a melhorar e a dar passos em frente.
P - A seguir à entrevista vais para o ginásio. A condição física é uma parte cada vez mais importante da tua preparação à medida que vais subindo de categoria?
R - Sim, sim. Hoje em dia as equipas dão muito valor a um atleta que esteja bem fisicamente. Até porque, não estando bem, perde-se muita eficácia nos carros que guiamos. As corridas são longas, de quase uma hora, e é importante estar bem preparado. Confesso que podia estar melhor, mas como disse aterrei um bocadinho de repente nesta categoria. Sofri um pouco nas primeiras corridas, agora já estou melhor.
P - És conhecido como “Formiga”. A tua estatura já fez com que olhassem de lado para ti?
R - Há uns anos, quando fui convidado a guiar o carro com que corro agora na World Series by Renault. Tinha 16 ou 17 anos e o meu irmão Duarte [seis anos mais velho] foi comigo. Quando lá chegámos eles pensaram que o Duarte é que era o piloto, porque eu era realmente muito pequeno. Depois acabei por surpreendê-los e até fiz o segundo melhor tempo nesse dia. Inicialmente reparava que as pessoas desconfiavam um pouco, agora já não.
É quase regra os pilotos começarem nos karts.
P - O que há de tão essencial aí para a formação de um piloto?
R - Tudo. Os karts são uma base, uma escola. Tens as trajectórias, aprendes a guiar, a ultrapassar, a gerir a corrida do início ao fim. Até as afinações. Tudo o que sei hoje vem dos sete anos que corri de kart.
No meio de tudo isso, os estudos ficaram pelo caminho.
Fui dos últimos a tomar a opção de seguir apenas nas corridas. Até porque, sei lá, em Portugal não há tradição de ter um piloto de Fórmula 1. Ou seja, ao início foi complicado convencer toda a gente e a mim próprio. Sabia que era aquilo que queria, mas era complicado dizer “ok, hoje já não vou às aulas porque vou ser piloto profissional”. Foi a melhor coisa que fiz até hoje. Não estava a fazer bem uma coisa nem a outra.
P - Como apareceu o teste com a Force India em Abu Dhabi?
R - Isso vem mais tarde, já noutro capítulo, quando me juntei ao Tiago Monteiro, no início de 2010. A equipa dele na Fórmula 1 (primeiro com o nome Jordan e depois Midland) foi antecessora da Force India e por isso o staff era o mesmo de quando ele lá estava. Quando o Tiago me disse que tinha conseguido um teste para mim em Abu Dhabi, no treino de young drivers… foi muito, muito bom. Aí fez-se um clique na minha cabeça e pensei: “Isto deixou de ser um sonho, tornou-se uma realidade.” Tinha 18 anos. Todos nós passámos a ver as coisas de uma maneira diferente.
P - E como é estar num Fórmula 1 pela primeira vez?
R - É uma sensação quase inexplicável. Sento-me no carro, tenho 20 mecânicos à minha volta e só o barulho do motor a trabalhar nas nossas costas já é incrível. Depois entras em pista e estás junto ao Red Bull, ao Ferrari, ao McLaren – carros campeões do mundo. Foi um dia inesquecível na minha vida.
Ainda por cima fizeste o terceiro melhor tempo.
Foi na última sessão do dia. Deram-me pneus novos para fazer um tempo, como aconteceu com todos os outros. O primeiro e o segundo eram o Red Bull e o McLaren, carros um bocadinho superiores ao Force India e que estavam completamente fora do nosso alcance. Mas entre o terceiro e o sétimo ou oitavo estava tudo muito próximo, com o Ferrari, o Mercedes, o Renault, o Williams, o Sauber e o Force India. Eu estava em terceiro, quarto, quinto, sexto, ali sempre a rodar, a rodar, e eles disseram “ok, acabou, podes vir para a boxe”. Foi aí que pedi no rádio para dar mais uma volta. Já estava muito cansado, não podia com o pescoço, mas agarrei-me com unhas e dentes e fiz uma volta muito boa, que me deu o terceiro tempo do dia. Acabei por fazer melhor do que o piloto de testes da Force India, o Paul Di Resta, que agora corre na Fórmula 1. E o meu tempo daria para arrancar do décimo lugar da grelha nesse fim-de-semana! Isso abriu muitos olhos na Fórmula 1.
P - Passaste a ser observado de outra forma?
R - Sem dúvida. A relação que nós mantemos com a Force India hoje em dia é muito boa, mas infelizmente é uma equipa com poucas possibilidades e requer algum budget para se entrar. Então nunca houve mais do que isso, uma boa amizade. O que é complicado não é arranjar os budgets que as equipas pedem, mas sim competir contra os budgets que um colombiano ou um brasileiro podem trazer de fora. Por isso nunca tivemos oportunidade de ingressar numa equipa de Fórmula 1 à séria. Agora, estando na Red Bull Junior Team, abrem-se muito boas portas. Só na Fórmula 1 são quatro lugares.
P - Quando assinaste contrato com a Red Bull todos esses problemas financeiros desapareceram.
R - Acho que aí é que notamos a maior diferença. Acabou-se o stresse de “vamos a esta corrida ou não vamos”, “temos dinheiro para ir ou não”. Agora dá para focar apenas na minha condução, no meu trabalho. A proposta apareceu um pouco do nada, porque normalmente a Red Bull vai buscar pilotos com 16, 17 anos. Com 20 anos já não estava à espera disso. Mas eles precisavam de um piloto com a minha idade e a minha experiência. Acho que tenho cumprido com as expectativas.
P - Para um piloto como tu, de olhos postos na Fórmula 1, é preferível seguir, por um lado, numa GP3, GP2 ou World Series by Renault, ou ser piloto de testes na F1? Normalmente tem-se a ideia de que o piloto de testes faz muito trabalho de bastidores, mas que – como aparece pouco – também não é muito reconhecido.
R - É verdade. Ainda por cima hoje em dia, que as equipas de Fórmula 1 não podem testar o carro actual. Mas depende. O Valtteri Bottas, que correu contra mim nos últimos dois ou três anos e ganhou a GP3 no ano passado, este ano está apenas como piloto de testes da Williams. Eles dão-lhe sempre a oportunidade de fazer o primeiro treino livre de cada fim-de-semana e isso está a dar-lhe quilómetros no carro. Está mais preparado para, no próximo ano, ser piloto de Fórmula 1. Mas o Bottas também é mais velho, tem 23 anos, fez o caminho todo certo nas fórmulas de promoção. Também sinto que estou pronto para dar esse passo, mas é importante estar habituado a ter outros pilotos à volta, aquela confusão das primeiras voltas. É uma coisa com a qual o Bottas pode vir a ter problemas quando entrar para a Fórmula 1. Ele vai estar um ano sem isso, o que pode ser complicado.
P - Por falar em quilómetros, como foram os teus primeiros num Red Bull?
R - Ah ah, a seguir à vitória em Budapeste deram-me seis ou sete voltas num Fórmula 1. Foi muito bom. A vantagem é que eu tinha acabado uma corrida há três horas naquela pista, por isso sabia o meu caminho e deixaram-me puxar logo de início. Estes testes são feitos com pneus que se chamam show tyres – não foram feitos para fazer tempos, fazem o carro escorregar muito. Mas não deixa de ser um Fórmula 1.
P - Notaste uma grande diferença em relação ao Force India de 2010?
R - É difícil falar, porque um Fórmula 1 muda muito de ano para ano. Mas a maior diferença foi nos pneus. Na altura eram Bridgestone e aqui já eram Pirelli. Ainda por cima eram os show tyres. É complicado comparar, até porque passou algum tempo e já não me lembro exactamente. Mas a diferença para o meu carro das World Series by Renault não é enorme. Acho que fui apenas dois ou três segundos mais rápido no Fórmula 1.
P - Foi uma boa forma de recuperares da desilusão do fim da época na GP3?
R - Sim. Foi uma pena. Cheguei a Monza sabendo que à partida era complicado sair de lá com o título. Então fui sem pressão. Qualifiquei-me em segundo. Na corrida ia à frente, depois caí para segundo, para terceiro, mas estava ali na guerra pela vitória, principalmente depois de o Mitch Evans, o meu principal rival, ficar de fora. Um terceiro ou segundo lugar chegava-me para sair com a liderança no campeonato e assim a corrida de domingo seria relaxada – bastava levar o carro até ao final. Quando fiquei encravado na sexta velocidade não queria acreditar. Para ser sincero, estava tudo a correr bem de mais para ser verdade.
P - Mesmo assim ficaste na história da GP3. Foste o primeiro piloto a vencer duas corridas do mesmo fim-de-semana.
R - Toda a gente, mesmo na Red Bull F1, diz que as pessoas viram quem merecia ganhar aquele campeonato. Mas a realidade é que daqui a cinco anos já não se lembram. Vão olhar para o papel e vai lá estar o nome do Evans em vez do meu. Mesmo assim, mostrei bom serviço.
P - Qual é o plano de ataque para os próximos tempos?
R - Obviamente gostava de voltar a repetir o teste na Fórmula 1 no fim deste ano. Está tudo bem encaminhado para isso. Falta o telefonema a dizer “sim, senhor, está confirmado”.
P - Com a Red Bull?
R - Com uma das duas estruturas deles – também pode ser na Toro Rosso.
P - De resto, para a próxima época…
R - Não faz parte dos planos da Red Bull pôr-me na Fórmula 1, até porque os quatro pilotos deles têm contrato para o ano que vem. Por isso, acho que o melhor é repetir a World Series by Renault com uma pré-época bem feita e uma equipa boa para tentar ser campeão e então, em 2014, dar o passo para a Fórmula 1.
P - Estivemos muitos anos sem referências nos carros e nas motos. Agora estás tu a aproximar-te da F1 e o Miguel Oliveira do MotoGP. O que faz a diferença nesta emergência de talentos?
R - No meu caso, diria mesmo o apoio familiar e o quanto toda a gente atrás de mim acredita. Às vezes vejo pilotos com muito talento mas que se tiverem um mau ano os pais dizem “acabou, vais estudar”. Já tive dois ou três anos maus e o meu pai disse-me “não, vamos continuar e fazer melhor”. O facto de toda a gente acreditar naquilo em que acredito é uma grande ajuda e sem isso não se vai a lado nenhum.
P - Alguma vez duvidaste do caminho que estavas a seguir?
R - Não, nenhuma. Mesmo nos maus anos consegui tirar coisas boas. Tive épocas em que tive de batalhar no meio de 15 pilotos, em 15.º ou 20.º. E acho que isso é importante. O Vettel, por exemplo, entrou para a Fórmula 1 com a Toro Rosso e não ganhou corridas logo. Teve de andar ali no meio do pelotão.
P - Dos pilotos que agora estão na Fórmula 1, para qual olhas mais como referência?
R - É complicado. O Alonso é o piloto mais completo. No início deste ano tinha um mau carro e mesmo assim estava em primeiro no campeonato. Dou-lhe um grande valor pela forma como faz toda a gente à volta trabalhar para ele. Como talento natural, talvez o Vettel, porque se senta num carro e é logo muito rápido.
P - Aí o carro também ajuda…
R - Claro, não há milagres. Em Monza o carro da Red Bull não estava bom e o Vettel qualificou-se em sexto. Para mim, todos os pilotos da Fórmula 1 têm de ser muito bons para lá estar.
Mas também há determinados lugares ocupados sobretudo porque por trás há muito dinheiro.
Não só por isso. O Maldonado leva 30 milhões por ano para a Fórmula 1, mas merece lá estar. Ganhou a GP2, teve bons resultados antes disso e já ganhou uma corrida de Fórmula 1 na segunda época. É verdade que traz muito dinheiro, por isso interessa a muitas equipas ter um piloto como ele.
P - No teu caso, achas que a ascensão à Fórmula 1 estaria comprometida se não houvesse este apoio tão grande da Red Bull?
R - Sim, sinto um bocadinho. Íamos ter sempre de contar com o apoio de Portugal, que infelizmente até agora não tem sido grande. A Red Bull é uma grande ajuda, sobretudo na parte desportiva. Continuo disponível para dar a cara por empresas ou pessoas que queiram estar por trás deste projecto. Acho que se não for agora vai ser mais complicado no futuro. Depois, estando numa equipa de Fórmula 1, torna-se mais restrito.
P - Chegaste a sentir que era preciso encontrar um plano B para a tua carreira?
R - Tenho a noção de que se não for… se não fosse para Fórmula 1 (e se não for) a minha carreira não acaba. Dá para fazer vida disto noutros sítios, como piloto oficial de uma marca ou assim. Vimos o caso do Filipe Albuquerque, que não chegou à Fórmula 1. Tinha talento de sobra, mas está com a Audi e está muito bem. Se não conseguir, é isso que quero fazer.
P - Como seria um grande prémio de sonho para ti na Fórmula 1?
R - Ganhar em Spa.
P - Com pole position e volta mais rápida.
R - Exacto! Por acaso na GP3, este ano, ganhei o prémio de mais voltas mais rápidas. Fiz seis. Faltava-me um pouco de andamento em qualificação, mas nunca em corrida!