Há precisamente 30 anos, no parque de estacionamento do Ceasar's Palace, em Las Vegas, muita gente respirava aliviada. Ken Tyrrell comemorava a sua primeira vitória em quatro anos, graças a um jovem promissor de seu nome Michele Alboreto, e Keke Rosberg comemorava um inédito título mundial ao serviço da Williams e mostrava que a Finlândia, país de automobilistas, também era bom em pista. E Rosberg, um ano antes, na equipa Fittipaldi, não tinha marcado qualquer ponto...
Quando a cantora Diana Ross ofereceu os troféus a Alboreto e Rosberg, muita gente respirava de alivio. Era o final de uma temporada para lembrar por todas as piores razões. Uma greve de pilotos na Africa do Sul, um boicote em San Marino, as disputas e tensões entre a FISA, de Jean-Marie Balestre, e a FOCA, de Bernie Ecclestone, as desclassificações no Brasil e em Long Beach, e para piorar as coisas, as mortes na pista, num ano em que se viu Gilles Villeneuve e Riccardo Paletti a passarem da vida para a história.
As polémicas também aconteceram dentro das equipas. A Ferrari viu Didier Pironi mandar a hierarquia às malvas e a precipitar o fim de Villeneuve, piloto acarinhado pelos adeptos devido ao seu estilo de condução, e do qual eles nunca perdoaram o piloto francês devido a essa traição de Imola. Todos declararam o seu ódio até que numa chuvosa manhã de agosto, na reta de Hockenheim, Pironi não conseguiu ver o Renault de Alain Prost e foi direito a ele. Quebradas ambas as pernas, a carreira do francês na Formula 1 e o sonho de ser o primeiro piloto do hexágono a ser campeão do mundo, escoava-se ralo abaixo.
A Ferrari de facto tinha um chassis tão bom quanto o motor que tinha produzido. E tinham sido os segundos a mostrar um motor Turbo, num caminho que a Renault tinha aberto. Mas esqueceram-se de fazer aquilo que a McLaren tinha construído um ano antes, graças ao génio de John Barnard: um chassis de fibra de carbono. E se tivessem tido a mesma visão do chassis como tiveram em relação ao motor, muito provavelmente a história teria sido outra.
Mas os eventos de Las Vegas marcariam o final de uma era. Os motores Cosworth DFV de três litros, que tinham dominado a Formula 1 desde 1967, começavam a perder o seu domínio. Desde 1977 que se sabia da existência dos motores Turbo, graças à Renault, mas quando no inicio de 1981, a Ferrari estreou o seu motor V6 Turbo, sabia-se que aquele era o caminho. E em 1982, a Brabham tinha estreado o seu motor BMW Turbo, dois anos depois da assinatura de um acordo nesse sentido, e já se sabia que em 1983, a Alfa Romeo iria ter o seu motor Turbo, e Lotus (com a Renault) e Williams (com a Honda) iriam ter motores mais potentes. A McLaren tinha assinado com a Porsche o desenvolvimento de um motor Turbo pago por um dos seus sócios, Mansour Ojjeh. Em suma, os motores Cosworth tinham os dias contados.
E aliado a isso, aquela era a última corrida dos carros com efeito-solo. Ideia de Colin Chapman para a velha questão de ganhar velocidade em curva, acabou por ser o melhor aliado contra a potência dos motores Turbo, que apesar de serem pouco fiáveis - mas cada vez menos em 1982. Mas nesse ano, os problemas com a rigidez desse tipo de chassis, e os acidentes de Gilles Villeneuve e Didier Pironi, fizeram com que a FISA achasse que o efeito-solo era o grande culpado e decidiu que a partir de 1983, os chassis tivessem um fundo plano e os sidepods laterais fossem cortados a meio, e os radiadores regressassem aos lados dos carros.
Colin Chapman viu mais uma das suas ideias ser abolida pelos regulamentos, mas logo a seguir teve mais uma, para regular a altura do solo. Era o principio da suspensão ativa, controlada eletrónicamente pelo carro, e que viria a dar frutos quatro anos depois. Contudo, não iria ter tempo para vê-la implementada, pois morreria dois meses e pouco depois, a 14 de dezembro, vítima de um ataque cardíaco, e em pleno desenrolar do escândalo DeLorean. E Las Vegas foi a última corrida de um génio que escreveu muitas das páginas da Formula 1.
E Las Vegas foi a paragem final da aventura dos irmãos Fittipaldi. Uma aventura que tinha começado quase oito anos antes, na Argentina, que do entusiasmo inicial e do apoio da Copersucar, o conglomerado açucareiro brasileiro, passou a ser o pesadelo, pois o brasileiro, mal acostumado com projetos a longo prazo na Formula 1, decidiu transformá-lo em motivo de chacota. Isso fez suficiente mossa para que, a partir de 1980, o dinheiro começasse a escassear para os lados brasileiros, aliado aos problemas existentes na própria politica da Formula 1. Pelo meio, tiveram pilotos e técnicos que anos depois deram cartas em outras equipas, como Harvey Postlethwaithe e Adrian Newey. E claro, Keke Rosberg, que acabou campeão do mundo.
Mas também foi a paragem final de Mário Andretti, numa longa carreira na categoria máxima do automobilismo, que sempre conseguiu fazer correndo em ambos os lados do Atlântico, pela Ferrari, Parnelli, Lotus e Alfa Romeo. Tinha parado no final de 1981, mas cedera aos apelos de Enzo Ferrari e da sua equipa do coração, que tinha pedido mais uma vez para ajudar a equipa num momento dificil. Na corrida anterior, em Monza, mesmo detestando os carros com motor Turbo, fez uma surpreendente "pole-position", quando já contava 42 anos de idade.
Em suma, aquele parque de estacionamento de um casino de Las Vegas marcou uma página da história da Formula 1. Em muitos aspectos.
1 comentário:
Belíssimo texto cavalheiro. Com a ajuda do YouTube vi o acidente de Ricardo Paletti. um verdadeiro inferno.
Sou seu fã!
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