(continuação do capitulo anterior)
Bob Turner tomou a palavra e disse:
- Escolhidos os nossos representantes, passemos agora para a segunda ordem de trabalhos. Creio que todos nós estamos aqui não para eleger alguém para eleger, mas é para defender os nossos interesses sobre a actual situação da Formula 1. Como sabem, todos nós arriscamos o nossos pescoço a cada sete dias, ou talvez menos, em cada corrida, não só na Formula 1, mas na Formula 2, nas Interseries, nas 24 Horas de Le Mans, nos Estados Unidos, em Daytona, Sebring, etc... tudo isto por uma data de prémios de jogo, um salário mediano e nada mais. E sejamos honestos: corremos um banheiras cheias de gasolina com um fósforo aceso.
Agora era a vez de Patrick Van Diemen:
- Como o Bob disse, temos de tomar uma posição. Nas últimas semanas vimos amigos nossos a morrerem a uma velocidade demasiado rápida para o nosso gosto. O Bruce, o John, o Alvaro e mais um rapaz francês... creio que é demais em pouco tempo. Temos de tomar uma posição de força, e temos e a tomar já. Mais do que evitar mais mortes, é demonstrar a todos que estamos aqui para correr e não para morrer. Alguém tem propostas?
Vê-se uma mão no ar. Era a de Alexandre.
- Primeiro que tudo, agradeço a vossa escolha. Segundo, quero dizer que ainda bem que estamos unidos por esta causa, que é de todos. Isto é algo que nós gostamos e que nos afecta, e creio que podemos ser loucos, mas não somos inconscientes tarados sem cérebro. E acho que esta é uma altura ideal para demonstrar que temos isso: cérebro. E que juntos somos uma força. E se formos uma força, poderemos elaborar propostas radicais, por exemplo.
- E qual é a tua proposta? perguntou Bob.
- Aquela que todos tem na cabeça e que tem medo de a dizerem.
- Um boicote? A quê?
- Nurburgring. E Spa-Francochamps, já agora. Nada contra, Patrick.
- Não estou contra, também penso como tu. Agora, tem de haver alternativa.
- Já pensei nisso. Podemos dizer aos organizadores que queremos correr na pista A em vez da B, e que só correremos se colocarem rails de protecção e outras barreiras.
- Em Nurburgring é impossivel colocar isso em três semanas.
- Isso sei eu. Estou a pensar em Hockenheim.
- Porquê aí? perguntou Bob.
- Eles colocaram guard-rails à volta do circuito. Duplos, até. O ano passado morreu lá um tipo, um tal de Hottinger, porque passou por baixo do guard-rail e foi decapitado. Então instalaram uns rails duplos ou triplos, mais uns pneus nas barreiras e uma espécie de redes para segurar os carros. Em suma, aquilo ficou um brinco. E parece que fizeram o mesmo no novo circuito na Austria.
- Mas eu já lá fui e aquilo é mais veloz do que seguro... respondeu Mandred Linzmayer.
- Manfred, tem rails?
- Tem.
- Simples ou duplos?
- Tem triplos em alguns sitios.
- Melhor que eu pensava. Excelente!
Depois de alguns momentos em que os pilotos discutiam entre si, Bob Turner colocou a questão a votação.
- Amigos, vamos votar. Quem está a favor do boicote a Nurburgring, ponham o braço no ar.
Silêncio na sala à medida em que se contavam os votos. Uma maré de braços estava levantada, e parecia que havia unanimidade no boicote ao Nordschleife. Novos, velhos, experientes, "rookies"... todos não queriam enfrentar o "Inferno Verde" mais uma vez nesse ano.
- Então vamos forçar os organizadores a mudarem-se para Hockenheim?
- É isso.
- Quem vota a favor?
Todos ergueram a mão no ar, demonstrando mais uma vez a união nesta determinação em mudar as coisas a seu favor, em nome da segurança.
- Obrigado a todos, podem baixar os braços.
Alexandre tomou a palavra, para dizer:
- Gostaria de acresentar algo mais a isto: temos de constituir uma comissão de inspecção aos circuitos, para fazer, com a ajuda de todos, claro, uma espécie de guia para que os organizadores estabeleçam normas de segurança para todos: pilotos, comissários, espectadores... com a ajuda da FIA, claro. E também, com o tempo, os carros sejam mais seguros. Depósitos de gasolina mais protegidos, componentes mais resistentes, coisas assim... vai demorar, vai haver imensas resistências, creio que todos devem ter essa consciência, porque vamos causar mossa por aqui. Para todos os efeitos, estas decisões são, na visão de alguns, subversivas.
- E... tens razão, respondeu Pete. Há aí coisas que tu disseste que ainda são inexequíveis, mas que tem de ser feitas, concordo. E eu, como construtor, tenho de dar o exemplo, mas isso, como sabes e como todos sabem, demorará o seu tempo. Agora, o mais imediato, como a segurança nas pistas... concordo. Aquilo que é alcançável, temos de fazer já. E com força! Vai ser duro.
Todos voltaram a falar uns com os outros. Entretanto, Bob Turner começou a elaborar um comunicado que iria ser lido à imprensa, com a supervisão de Van Diemen e de Monforte. Os minutos passavam e Beaufort levantou-se a caminho da saída. Bob o impediu:
- Philippe, não saias. Estamos a elaborar o comunicado final, e precisamos de todos aqui.
- Tenho que esticar as pernas. Já estamos aqui fechados há quase duas horas.
- Tenha paciência, falta mais algum tempo.
- Está bem, mas despacha-te. Estou com fome.
--- XXX ---
Já era quase hora do jantar quando a porta da sala de conferências por fim se abriu. Os jornalistas e fotógrafos, que foram impedidos de se aproximar da porta por dois seguranças de ar intimidante, aproximaram-se quando viram os pilotos em grupo. Os microfones, as câmaras de filmar, os flashes disparados em conjunto, de forma desordenada, e os jornalistas acotovelados à porta, tentando lutar por um espaço, ao ver que aquilo se tornava pequeno demais, tiveram a ideia de se moverem para a sala onde estiveram momentos antes.
Novo compasso de espera, com os microfones a serem colocados na mesa, as câmeras prontas a serem filmadas, os tripés a serem colocados, os rolos a serem trocados, os fotógrafos a tirarem fotografias sem parar, e os três membros na mesa: Bob Turner, Patrick Van Diemen e Alexandre de Monforte. Depois de todos ficarem nos seus lugares, e da sala se tornar pequena demais para tanta gente, pois os pilotos também ficaram, misturados com a imprensa, Bob começou a ler:
- Senhoras e senhores, boa tarde. Vou ler-vos um comunicado de imprensa que contêm o seguinte.
"Os pilotos e construtores aqui reunidos neste hotel em Londres no Sábado, 17 de Julho de 1970, decidiram tomar uma posição relativamente às recentes mortes dos nossos companheiros de corrida, Bruce McLaren, no passado dia 2 de Junho em Goodwood, John O'Hara, a 21 de Junho, em Zandvoort, na Holanda, e Alvaro Ortega a 28 de Junho, em Rouen-Les-Essarts. Desde há muito que temos consciência de que as corridas são um desporto perigoso, e que estamos, acima de tudo, a correr por prazer e não porque tenhamos um desejo irreparável de morrer.
Lidamos com a morte, apenas não queremos que esta se torne não habitual. A velocidade pode ser muita coisa, mas não pode ser tudo, e cada vez mais, as preocupações com a segurança se tornaram num assunto a ser discutido por várias pessoas no nosso meio e fora dela. A introdução de cintos de segurança nos nossos carros foi um bom começo, mas queremos mais. Achamos que os carros podem, devem e tem de ser seguros, mas também os circuitos podem, tem e devem ser seguros.
Assim sendo, establecemos duas disposições. A primeira é a reactivação da Grand Prix Drivers Association, como órgão que serve de interesse aos pilotos. É um orgão tripartido entre eu, Bob Turner, o belga Patrick Van Diemen, actual piloto da Ferrari e o sildavo Alexandre de Monforte, o novo piloto da Apollo e representando a geração mais nova. O nosso objectivo é falar dos nossos interesses junto das equipas, dos organizadores e da entidade máxima do automobilismo, a FIA, e o seu corpo desportivo, a Comission Sportive International, CSI.
Nesta reunião, decidimos também que como medida de força, a aprovação por unanimidade, que, alegando motivos de segurança, os pilotos não comparecerão ao Grande Prémio da Alemanha marcado para o próximo dia 2 de Agosto no circuito de Nurburgring, e tal disposição se manterá caso o Automóvel Clube Alemão não transfira o Grande Prémio para o circuito de Hockenheim, mais a norte de Nurburgring, pois achamos que é mais pequeno e bastante mais seguro do que o Nordschleife.
O final do nosso boicote a Nurburgring está dependente da atitude e do cumprimento das nossas recomendações em matéria de segurança num circuito tão grande como este. E também queremos afirmar que existe um segundo circuito na nossa mira, o de Spa-Francochamps, e queremos dizer que a eventualidade de um GP da Belgica em 1971 está dependente das necessárias obras de remodelação para a introdução dos necessários elementos de segurança como redes de protecção, rails duplos ou triplos e outros acessórios que achemos necessários. E isso se estende a todos os circuitos presentes e futuros.
Para finalizar, apelamos aos construtores para que no futuro ajudem na nossa luta por carros tão velozes como agora, mas mais seguros para todos: pilotos e espectadores. Creio que isto será uma situação no qual todos ganharão a prazo".
Muito obrigado a todos por nos ouvirem. Estamos á disposição para as vossas perguntas.
Os flashes disparam de novo, os jornalistas acotovelam-se para fazer perguntas, todos querendo ser o primeiro.